Região do
Mediterrâneo aqueceu 20% mais depressa do que a média global
A conclusão faz
parte do primeiro relatório científico sobre as alterações climáticas na bacia
do Mediterrâneo, que sintetiza os estudos sobre as mudanças ambientais na
região.
André M. Nóbrega
10 de Outubro de 2019, 10:15
A temperatura
média anual na região do Mediterrâneo subiu 1,5 graus Celsius em relação ao
período pré-industrial entre 1880 e 1899. São mais 0,4 graus do que a média
global (1,1 graus Celsius). Se não forem tomadas medidas de mitigação, a
temperatura pode aumentar 2,2 graus Celsius até 2040 e ultrapassar os 3,8 graus
em algumas zonas até 2100. Os dados constam do primeiro relatório científico
sobre as alterações climáticas a focar-se na região do Mediterrâneo. Os
resultados preliminares são apresentados esta quinta-feira.
O relatório tem o
apoio da União para o Mediterrâneo – órgão intergovernamental formado pelos 28
estados-membros da União Europeia e 15 países do Sul e do Leste do
Mediterrâneo. Intitulado “Riscos associados às mudanças climáticas e ambientais
na região do Mediterrâneo”, o trabalho sintetiza os estudos que existem sobre
as mudanças ambientais na zona mediterrânica. A versão final deverá ser
apresentada no início de 2020.
A elaboração do
relatório junta mais de 80 investigadores da rede de Especialistas em
Alterações Climáticas e Ambientais do Mediterrâneo (MedEcc) e começou em 2015.
A iniciativa partiu da União para o Mediterrâneo (UpM), cujo objectivo final é
promover uma política regional sobre as alterações climáticas na região
mediterrânica assente no conhecimento científico. Na introdução do relatório,
lê-se que os países da bacia do Mediterrâneo, em especial os do Sul, não
possuem actualmente a informação adequada para adoptar medidas que reduzam os
riscos associados às alterações climáticas.
“Devemos
transformar as mudanças climáticas numa oportunidade de desenvolvimento comum e
pacífico, justo e sustentável”, comenta, num artigo de opinião enviado ao
PÚBLICO, Nasser Kamel, secretário-geral da UpM. Por outro lado, Grammenos
Mastrojeni, o secretário-geral adjunto da UpM e responsável pela divisão de
Clima e Energia, também em declarações ao PÚBLICO, fala sobre a importância da
resiliência, através de medidas de adaptação e mitigação. “Não resolvemos o
problema da água, por exemplo, só com novas tecnologias e infra-estruturas.
Resolvemo-lo, sobretudo, reconstituindo as florestas que retêm água e que
acabam por atrair chuva.”
Mais “pobres em
água”
Por cada grau de
temperatura que aumenta, prevê-se que os níveis médios de precipitação baixem
4% na maior parte da região mediterrânica, em particular no Sul. A redução da
precipitação, a subida da temperatura e o crescimento da população colocam
pressão sobre os recursos hídricos. Num cenário de aquecimento de dois graus
Celsius, a disponibilidade de água doce diminuirá entre dois e 15%, um dos
maiores decréscimos do mundo. Mais pessoas serão “pobres em água” – ter a
acesso a menos do que 1000 metros cúbicos per capita por ano. Em 2013, eram 180
milhões. Prevê-se que nos próximos 20 anos sejam 250 milhões.
A temperatura da
água do mar Mediterrâneo aumentou em média 0,4 graus Celsius por década entre
1985 e 2006, alcançando o valor médio de 0,16 graus durante o mês de Junho no
mar Adriático, nos mares Tirreno e Lígure – entre o Mónaco e a Sicília – e
perto da costa africana, indica o relatório. As projecções para 2100 apontam
para uma variação média entre 1,8 e 3,5 graus Celsius, em comparação com o
período de 1961 a 1990. As ilhas Baleares, o mar Egeu e o mar Levantino – entre
a Turquia e o Egipto – são algumas das regiões onde a subida da temperatura da
água deverá ser mais acentuada.
A elevação do
nível médio da água do mar no Mediterrâneo tem acompanhado a tendência global,
subindo 0,7 milímetros por ano entre 1945 e 2000 e 1,1 milímetros por ano entre
1970 e 2006. No entanto, noutro estudo, registou-se entre 1993 e 2011 um
aumento mais significativo, que alcançou os 3 milímetros por ano. A água poderá
subir mais de um metro até 2100 e afectar um terço da população que habita
regiões costeiras, lê-se no comunicado da MedEcc. Ainda assim, as projecções
sobre a variação do nível médio do mar Mediterrâneo são imprecisas, mais do que
as previsões globais, por causa das limitações dos modelos utilizados, adverte
o relatório.
No mar
Mediterrâneo, 90% das reservas de peixes mais comercializados estão
sobreexploradas. A aquicultura deverá crescer 112% em países da União Europeia
entre 2010 e 2030. Actualmente, a aquicultura no mar Mediterrâneo representa 6%
da receita mundial que provém deste modo de produção.
A acidificação e
o aumento da temperatura da água do mar já causaram a perda de 41% dos
predadores de topo no mar Mediterrâneo, incluindo mamíferos marinhos, refere em
comunicado a MedEcc. Devido à pesca excessiva, perderam-se 34% das espécies de
peixe. Registam-se também mais de 700 espécies invasoras. Em muitos casos,
entram pelo canal do Suez, que une o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho.
Desertos em
Portugal?
Os ecossistemas
terrestres poderão sofrer alterações sem precedentes nos últimos 10 mil anos,
caso o aquecimento seja igual ou superior a dois graus Celsius. Nesse caso, os
desertos poderão expandir-se até ao Norte de Marrocos, Espanha e Portugal,
lê-se no relatório. As ondas de calor vão aumentar e as secas e os incêndios
também. A área ardida na região do Mediterrâneo poderá crescer até 40%, perante
um aumento de temperatura de 1,5 graus Celsius, menciona o comunicado da
MedEcc.
Cerca de 15
megacidades – cidades costeiras com mais de um milhão de habitantes em 2005 –
estão em risco de sofrer inundações devido à subida do nível do mar. Os países
do Norte de África e do Leste do Mediterrâneo são os mais vulneráveis, já que a
capacidade socioeconómica para se adaptarem é menor.
Até 2050, haverá
cidades do Mediterrâneo entre as 20 cidades com mais danos causados pela subida
do nível do mar. A produtividade agrícola está em risco nas zonas costeiras
devido à perda de área de cultivo e à salinização de águas subterrâneas.
Texto editado por
Andrea Cunha Freitas
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