sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A histórica Casa Pereira, no Chiado, tem os dias contados




A histórica Casa Pereira, no Chiado, tem os dias contados

Os actuais donos da loja vão vendê-la e não crêem que o negócio de chás, cafés, bolachas e chocolates se mantenha.

João Pedro Pincha
João Pedro Pincha 3 de Outubro de 2019, 20:39

O cheiro forte a café é o que assalta o olfacto logo à entrada. Depois vai-se desvanecendo, com o hábito, e começam os olhos a passear-se pelas prateleiras. Bolachas, biscoitos, chocolates, rebuçados, vinhos e licores, chás, cafeteiras de vários formatos, bombons, doces de fruta. Café, claro, ou não fosse esse o produto-estrela da casa, a última do seu género na Rua Garrett.

A última – e já com adeus anunciado. “Vamos fechar no fim do ano”, confirma António Lemos, um dos donos da Casa Pereira, aberta desde 1930 no número 38 da mais elegante artéria do Chiado.

A vida de António Lemos não se escreve sem a Casa Pereira e a desta loja histórica também não passa sem a dele. “Fui empregado do fundador entre 1945 e 1969. Só estive fora quatro anos, enquanto estive na tropa.” Chegou com 18 anos, hoje tem 92. Ao seu lado atrás do balcão tem a ajudá-lo um funcionário e o filho, José, de 64 anos, com 42 de casa.

Pai e filho deitaram contas à vida, perceberam que a nova geração da família tem outras aspirações e que as exigências do negócio começavam a ser-lhes pesadas de mais. A loja será vendida, já está tudo apalavrado. Sem revelar o nome do comprador, os Lemos adiantam que a casa não deverá manter-se no mesmo ramo.

“A clientela mudou muito”, constata José António Lemos sem sombra de lamento. “Antigamente, 80% eram clientes habituais. Agora quase todos são clientes de passagem.” Ele e António põem-se a desfiar memórias. Havia ali o Governo Civil, o Tribunal da Boa Hora, bancos, seguradoras, a Rádio Renascença, escritórios em fartura. Nos dias que correm, em que a Baixa e o Chiado perderam relevância como zonas de serviços, são os turistas que mantêm a loja aberta. “Se não fossem eles já cá não estávamos”, reconhece José António.

Eles vão entrando e saindo, atraídos pelo puzzle de cores e cheiros que adivinham lá de fora. Alguns vêm só espreitar e tirar fotografias, muitos outros compram coisas, querem lembranças para levar para casa. “Às vezes parece que estamos aqui num museu”, desabafa Lemos-filho.


A Casa Pereira foi um dos 63 estabelecimentos comerciais que, em 2016, formaram o primeiro contingente de distinguidos pela câmara de Lisboa no programa Lojas com História, que visa reconhecer e salvaguardar o comércio mais emblemático da cidade. Dessa lista já desapareceram alguns nomes. A Ourivesaria e Joalharia Barreto & Gonçalves, na Rua das Portas de Santo Antão, foi um dos casos mais recentes. A este se pode acrescentar o da Casa Frazão, que vendia tecidos na Rua Augusta, o da Camisaria Pitta, na mesma Rua Augusta ou o da Aníbal Gravador, na Rua Nova do Almada.

Se em algumas situações este programa municipal tem servido de tábua de salvação para os negócios, evitando o fim dos contratos de arrendamento ou o despejo, noutras a sua capacidade de actuação é limitada. “O Lojas com História é bom é para arrendatários”, comenta José António, opinando que a Casa Pereira não retirou dele qualquer benefício.

Mesmo com o desfecho já escrito, na loja o tempo não é para lamentos. Os chocolates para o Natal começam a chegar na próxima semana e até ao fim de Dezembro a porta estará aberta. O que acontece depois ainda é mistério.

tp.ocilbup@ahcnip.oaoj

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