A histórica Casa
Pereira, no Chiado, tem os dias contados
Os actuais donos
da loja vão vendê-la e não crêem que o negócio de chás, cafés, bolachas e
chocolates se mantenha.
João Pedro Pincha
João Pedro Pincha
3 de Outubro de 2019, 20:39
O cheiro forte a
café é o que assalta o olfacto logo à entrada. Depois vai-se desvanecendo, com
o hábito, e começam os olhos a passear-se pelas prateleiras. Bolachas,
biscoitos, chocolates, rebuçados, vinhos e licores, chás, cafeteiras de vários
formatos, bombons, doces de fruta. Café, claro, ou não fosse esse o
produto-estrela da casa, a última do seu género na Rua Garrett.
A última – e já
com adeus anunciado. “Vamos fechar no fim do ano”, confirma António Lemos, um
dos donos da Casa Pereira, aberta desde 1930 no número 38 da mais elegante
artéria do Chiado.
A vida de António
Lemos não se escreve sem a Casa Pereira e a desta loja histórica também não
passa sem a dele. “Fui empregado do fundador entre 1945 e 1969. Só estive fora
quatro anos, enquanto estive na tropa.” Chegou com 18 anos, hoje tem 92. Ao seu
lado atrás do balcão tem a ajudá-lo um funcionário e o filho, José, de 64 anos,
com 42 de casa.
Pai e filho
deitaram contas à vida, perceberam que a nova geração da família tem outras
aspirações e que as exigências do negócio começavam a ser-lhes pesadas de mais.
A loja será vendida, já está tudo apalavrado. Sem revelar o nome do comprador,
os Lemos adiantam que a casa não deverá manter-se no mesmo ramo.
“A clientela
mudou muito”, constata José António Lemos sem sombra de lamento. “Antigamente,
80% eram clientes habituais. Agora quase todos são clientes de passagem.” Ele e
António põem-se a desfiar memórias. Havia ali o Governo Civil, o Tribunal da
Boa Hora, bancos, seguradoras, a Rádio Renascença, escritórios em fartura. Nos
dias que correm, em que a Baixa e o Chiado perderam relevância como zonas de
serviços, são os turistas que mantêm a loja aberta. “Se não fossem eles já cá
não estávamos”, reconhece José António.
Eles vão entrando
e saindo, atraídos pelo puzzle de cores e cheiros que adivinham lá de fora.
Alguns vêm só espreitar e tirar fotografias, muitos outros compram coisas,
querem lembranças para levar para casa. “Às vezes parece que estamos aqui num
museu”, desabafa Lemos-filho.
A Casa Pereira
foi um dos 63 estabelecimentos comerciais que, em 2016, formaram o primeiro
contingente de distinguidos pela câmara de Lisboa no programa Lojas com
História, que visa reconhecer e salvaguardar o comércio mais emblemático da
cidade. Dessa lista já desapareceram alguns nomes. A Ourivesaria e Joalharia
Barreto & Gonçalves, na Rua das Portas de Santo Antão, foi um dos casos mais
recentes. A este se pode acrescentar o da Casa Frazão, que vendia tecidos na
Rua Augusta, o da Camisaria Pitta, na mesma Rua Augusta ou o da Aníbal
Gravador, na Rua Nova do Almada.
Se em algumas
situações este programa municipal tem servido de tábua de salvação para os
negócios, evitando o fim dos contratos de arrendamento ou o despejo, noutras a
sua capacidade de actuação é limitada. “O Lojas com História é bom é para
arrendatários”, comenta José António, opinando que a Casa Pereira não retirou
dele qualquer benefício.
Mesmo com o
desfecho já escrito, na loja o tempo não é para lamentos. Os chocolates para o
Natal começam a chegar na próxima semana e até ao fim de Dezembro a porta
estará aberta. O que acontece depois ainda é mistério.
tp.ocilbup@ahcnip.oaoj
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