José Pacheco
Pereira
OPINIÃO
A importância da
ideologia e a crise do PSD
Duvido que os
clones de Relvas, entre o avental e os negócios, conseguissem chegar sequer ao
medíocre mais. Querem saber quem “deu cabo do partido”? Eles.
12 de Outubro de
2019, 6:05
Como era de
esperar, o assalto à liderança de Rui Rio surgiu outra vez com fúria e
bragadoccio depois das eleições. Penso que ninguém tinha dúvidas sobre o que
iria acontecer, tanto mais que esse assalto começou logo que Rio ganhou as
eleições a Santana Lopes, e não esmoreceu nunca. Na verdade, os seus opositores
internos deram origem a uma cisão, a Aliança de Lopes, o homem que mais jurava
no peito pelo PPD/PSD e que sempre que perdia uma eleição ameaçava formar um
novo partido. Actuando com dolo, visto que aceitou a proposta ingénua de Rio de
dar aos seus apoiantes um número significativo de lugares no Conselho Nacional,
Santana Lopes conseguiu a proeza de, sendo o nome mais conhecido entre os
pequenos partidos, ter sido o único a não ter uma representação parlamentar.
Mas os votos que levou, poucos que fossem, saíram do PSD.
Todos os outros
putativos candidatos e os seus grupos de apoio não pararam um dia de atacar
Rio. Repito mais uma vez esta coisa simples: serei o último a criticar a
existência de críticos e a sua expressão pública, coisa de que não abdico, e
defendo o direito de outros o fazerem mesmo que não concorde com o que dizem.
Mas há uma linha vermelha entre a crítica e a organização de grupos e facções,
coisa que especialistas como Miguel Relvas conhecem muito bem, e Santana Lopes
institucionalizou, formando um partido competitivo com o PSD. A maioria dos
opositores a Rio formaram grupos com intervenção pública, como foi o caso do
Manifesto X de Pedro Duarte ou do Movimento 5.7 de Miguel Morgado. Todos
receberam apoios do CDS, da Aliança, de sectores que viriam a associar-se à
Iniciativa Liberal, e de lóbis comunicacionais da direita mais radical, como é
o caso do Observador. Acresce que as ligações maçónicas de vários putativos
candidatos também são relevantes, num partido que geneticamente tinha velhos
mações, mas era anti-maçónico na base, tanto quanto era anti-comunista.
Mas não se
ficaram pelas críticas e pela organização de grupos competitivos com o PSD,
paralisaram várias estruturas regionais e locais, que pura e simplesmente não
fizeram campanha eleitoral, seja com o pretexto das listas, seja por se porem à
margem desejando um mau resultado que lhes desse a oportunidade de voltarem a
tomar conta do aparelho. Rio passeou-se por um país onde o PSD está morto, ou a
fazer-se de morto, e onde quase não há militância já há muitos anos. E fazer
uma campanha sempre com sondagens muito negativas, e com a hostilidade da
comunicação social numa unanimidade sobre a catastrófica derrota do PSD que
viria aí, é muito duro.
Valeram a Rio não
a rua, mas os debates televisivos e, de um modo geral, uma maior exposição
comunicacional não mediada. O debate com Costa foi o ponto de viragem e a
percepção de força, que até então era inteiramente favorável aos socialistas,
sofreu um abalo. Depois, o caso Tancos acentuou a percepção de que, enquanto o
PSD crescia, o PS ficava cada vez mais longe da maioria absoluta. Ao mesmo tempo,
tornavam-se mais claras para muitos portugueses as qualidades de Rio, já que os
defeitos reais ou imaginários eram conhecidos. Não custava compreender que, se
a campanha eleitoral durasse mais tempo, o PSD poderia obter um melhor
resultado, mesmo que não ganhasse.
Para os críticos
de Rio a campanha eleitoral estava a correr mal, com o crescendo da prestação
de Rio, capaz de encostar Costa à parede, e de começar a quebrar o unanimismo
de matilha da comunicação social. Mas o PSD não iria nunca ganhar as eleições,
pelo que de imediato começou o debate sobre os resultados, mais dentro do que
fora, porque fora havia a noção de que nenhum dos candidatos putativos podia
sair-se melhor. Começaram as comparações interesseiras dos resultados, sem
nenhuma consideração pela ecologia da campanha. Muitas comparações dos
resultados são absurdas. Uns escolhem um horizonte temporal que seja
conveniente, outros esquecem o conjunto de resultados. Por exemplo, Lopes teve
28%, mas o PS teve maioria absoluta. Faz diferença, não faz?
Que os resultados
de 2019 são maus, ninguém põem em causa. Mas, na sua avaliação, só tem sentido
compará-los com as sondagens e os resultados eleitorais desde 2015. Passos
ganhou a Costa, mas perdeu a maioria absoluta e os resultados do PSD aparecem
misturados com os do CDS no PàF. Mas, quando Passos deixou a liderança, as
sondagens já estavam muito longe dos resultados de 2015, com o PSD em queda
livre, com a liderança parlamentar dos partidários do “Diabo”. Nas autárquicas
de 2017, o PSD, num terreno favorável para o partido e sob a liderança de
Passos Coelho, teve 16% a que se pode somar 8,8% em coligações com o CDS, e
mais cerca de 3% noutras coligações, com um descalabro total em Lisboa. Nas
europeias, o PSD teve 22%.
Por tudo isto,
Rio fez um discurso à bruta na noite eleitoral, forte e feio e mais eficaz do
que parece, até porque os portugueses sabem que um homem não é de pau. Agora,
vai-se dar o segundo acto, aquele que é mais decisivo, visto que pode dar a Rio
aquilo que ele nunca teve – tempo – ou acabar com o PSD.
Cunhal, Freitas,
Soares e Sá Carneiro, os fundadores da nossa democracia, tinham todos uma
sólida formação. Sabiam que a política pode ser o mais pragmática possível, mas
o que define os limites e o sentido da acção são as ideias, os valores da
política, o conhecimento de Portugal, a ideologia mais do que a posição. Nesse
sentido, gostaria de ver os candidatos actuais à liderança do PSD fazerem um
exame sobre o pensamento do homem que estão sempre a nomear – citar é mais
difícil –, Francisco Sá Carneiro. Entre os vivos, gente tão diferente como
Rio, Jardim, Mota Amaral, Barroso, Manuela Ferreira Leite, Fernando Nogueira,
Cavaco, Santana Lopes, passavam, mas duvido que os clones de Relvas, entre o
avental, as manipulações nas redes sociais e os negócios, conseguissem chegar
sequer ao medíocre mais. Na verdade, o que eles querem é a posse do
instrumento, o partido, que lhes permite a carreira, nada mais. Exactamente
aquilo que os fundadores do PPD entendiam como uma perversão da política.
Querem saber quem
“deu cabo do partido”? Eles.
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