João Camargo
OPINIÃO
Fim do carvão em
Portugal: vitória com pontas soltas
As centrais a
carvão do Pego e de Sines são responsáveis por até 20% das emissões nacionais
de gases com efeito de estufa. O seu encerramento é um passo em frente na
efectiva descarbonização.
30 de Outubro de
2019, 4:21
https://www.publico.pt/2019/10/30/economia/opiniao/fim-carvao-portugal-vitoria-pontas-soltas-1891746
O que era
impossível já não é: na tomada de posse do Governo, António Costa anunciou que
as centrais a carvão de Sines e do Pego encerrarão até ao final da legislatura.
Esta é uma grande vitória do movimento pela justiça climática em Portugal e a
primeira grande conquista das greves climáticas estudantis (em cujos manifestos
sempre esteve esta reivindicação).
O Parlamento foi
empurrado pelas ruas para a declaração de emergência climática, mas o anterior
governo recusou-se a efectivar esta declaração. Na altura, o ministro Matos
Fernandes disse mesmo que se Pego e Sines fechassem “metade do país ficaria às
escuras”. Felizmente não foi preciso esperar nem um ano para que esta mentira
do actual ministro do Ambiente e Acção Climática fosse exposta publicamente.
As centrais a
carvão do Pego e de Sines são responsáveis por até 20% das emissões nacionais
de gases com efeito de estufa. O seu encerramento é um passo em frente na
efectiva descarbonização. O Plano Nacional de Energia e Clima (PNIEC) e o
Roteiro para a Neutralidade de Carbono 2050 (RNC2050), que usam como base dos
seus cálculos o ano de 2005, pico de emissões nacionais, fazem um golpe de judo
nas metas climáticas ao prometerem um corte de 45 a 55% das emissões, fazendo
com que o corte real seja de apenas 35% (tendo como base as emissões de 2016).
Além disso, omitem futuros projectos, como novos aeroportos e expansões
portuárias. Os cortes reais de emissões, implícitos no encerramento das
centrais a carvão, são a chave do avanço, ao contrário de declarações vagas e
magia contabilística, mas há ainda pontas soltas.
O programa do
Governo continua a apostar no comércio europeu de emissões, uma fraude cuja
responsabilidade na redução de emissões é mínima, se alguma. A redução de
emissões na Europa fez-se à conta da deslocalização das suas fábricas para
outros países, principalmente para a China, para depois importar as
manufacturas e os produtos industriais, um truque contabilístico que na verdade
faz aumentar as emissões globais, imputando à China as emissões do consumo
europeu. Por aí não vamos a lado nenhum.
Ficam por
responder questões centrais neste processo: o que vai acontecer às pessoas que
trabalham em Sines e no Pego? Não houve qualquer referência por parte do
primeiro-ministro a estes trabalhadores. Ou o processo de descarbonização é uma
transição justa que inclui os impactos sociais da modificação económica, ou
será um processo anti-social e anti-popular, quando ele é o contrário disso e a
única ferramenta para evitar o colapso climático.
É necessário
começar imediatamente a requalificação profissional das centenas de
trabalhadores de Sines e do Pego. Estes devem ter prioridade de contratação em
todos os novos postos de trabalho associados à instalação de mais 2 gigawatts
de energia solar nos próximos dois anos, na melhoria da interligação eléctrica,
no reforço dos parques eólicos, nas renováveis offshore e nas smartgrids. Os
trabalhadores mais velhos devem ter a possibilidade de reforma antecipada e os
trabalhadores precários, mantidos à margem pelas empresas de trabalho
temporário, devem ser integrados nesta transição.
Tal como propõe a
campanha Empregos para o Clima, pelo menos um dia da semana de trabalho destas
pessoas tem de ser dedicado a esta requalificação sem qualquer penalização
salarial.
Importa
finalmente saber se não haverá substituição da energia eléctrica do Pego ou
Sines por electricidade de origem fóssil, com acréscimo de uso das centrais a
gás (que também têm de fechar brevemente) ou vinda de Espanha ou Marrocos. Para
garantir uma descarbonização real, o Estado deve deixar de titubear à volta do
problema: é preciso uma produtora pública de electricidade renovável, deixando
de alimentar a fantasia de que os mercados estão a resolver ou sequer podem
resolver a crise climática.
A EDP está em
liquidação dos seus activos em Portugal – e é também no âmbito desta realidade
que a central de Sines será encerrada. A nacionalização desta empresa é um
imperativo perante a ameaça clara de desmantelamento e a necessidade da
transição energética justa. A descarbonização da economia precisa de
planeamento e não existe outra ferramenta de planeamento no curto prazo que não
seja ter empresas públicas com garantias de controlo da origem da energia e distribuição
adequada para as reais necessidades sociais. Para isso é óbvio que as regras da
“competitividade” do capitalismo têm de ser desmanteladas para construir uma
economia justa, estacionária e redistributiva que trave o colapso climático. O
movimento pela justiça climática tem de continuar a construir a força e as
ideias políticas para o futuro, atando as pontas soltas.
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