Falsos advogados
burlaram mais de 30 pessoas prometendo ajuda no SEF
Dupla
aproveitou-se de os serviços do SEF terem espera de meses para, a troco de
dinheiro, garantir que tratavam de tudo de forma mais rápida. Um também se fez
passar por inspector. Encontravam-se com as vitimas e terão forjado documentos
com alegadas marcações.
Sónia Trigueirão
1 de Outubro de 2019, 7:25
Arguidos chegaram
a forjar documentos em folhas timbradas com o logótipo do Serviço De
Estrangeiros e Fronteiras (SEF). PATRICIA MARTINS
Cobravam entre os
75 e os 350 euros e prometiam agilizar os processos junto do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Chegavam a entregar comprovativos de
recebimento do dinheiro e da data de marcação de atendimento junto dos serviços
do SEF.
As vitimas só
sabiam que estavam a ser enganadas quando se deslocavam aos serviços do SEF e
lhes diziam que afinal não tinham marcação nenhuma.
Os dois arguidos,
que foram acusados pelo Ministério Público (MP), em Julho último, pela prática
de crimes de burla qualificada e de falsificação de documento, terão enganado
mais de 30 imigrantes, que procuraram os seus serviços, convencidos que assim
conseguiriam um atendimento mais rápido junto do SEF.
De acordo com a
acusação do MP, durante o ano de 2017, os arguidos, Jordão Félix, de 50 anos, e
Pedro Silva, de 47 anos - o primeiro português e o segundo angolano ‑
engendraram um plano, tendo em vista ludibriar os cidadãos estrangeiros que se encontravam em situação irregular em território nacional e
pretendiam efectuar um pedido de concessão/renovação de titulo de residência ao abrigo da lei de estrangeiros.
Refere o MP que
se aproveitaram do facto desses pedidos de marcação para os serviços do SEF
demorarem vários meses face aos milhares de requerimentos efectuados e à
necessidade de análise das manifestações de interesse efectuadas.
Assim, os
arguidos fizeram-se passar por advogados e um deles também por inspector do
SEF, “criando a aparência e a credibilidade das suas actividades e ludibriando
os cidadãos estrangeiros que os procuravam, dizendo que lhe tratariam do
processo junto do SEF, obtendo dessa forma benefício patrimonial ilegítimo e,
assim, causando prejuízo aos ofendidos”. Ao todo terão conseguido mais de
quatro mil euros de mais de trinta pessoas.
Terá sido o
próprio SEF a comunicar às autoridades esta burla, quando vários cidadãos
estrangeiros se dirigiram aos seus serviços, em Lisboa, apresentando um
documento comprovativo da sua marcação.
Tudo terá
começado com Jordão Félix. Este arguido anunciava a sua actividade em grupos
nas redes sociais. De acordo com a acusação, no facebook anunciava “apoio a
brasileiros em Lisboa”, deixava um contacto de telemóvel e dois contactos de
email.
Quando era
contactado pelas vitimas marcava sempre encontro para recolher documentos de
identificação. Recebia quantias que variavam entre os 100 e os 300 euros e
entregava um documento “forjado como se fosse emitido pelo SEF com a marcação
do agendamento”.
Dizia que
conhecia inspectores
Segundo a
acusação do MP, “nesses encontros o arguido Jordão Félix alegava que conhecia
pessoas como inspectores, dentro da entidade que o auxiliariam com tal
situação”.
Jordão Félix às
vezes até se dava ao trabalho de ligar às vitimas a reagendar a ida o SEF. Num
dos casos, o arguido entregou-lhe, em troca de 100 euros, uma folha timbrada
com o logótipo do SEF, em que constava o seguinte: “Tem agendamento para o dia
17-07-2017”. Depois ligou à vitima a dizer que esse agendamento passava para
Agosto.
A uma das
vitimas, este arguido tencionava cobrar 700 euros. Primeiro recebeu 250 euros
alegando que iria agilizar a marcação do SEF e depois mais 100 euros. “No dia
15 de Julho de 2017 o arguido Jordão Félix reencontrou-se com a ofendida, junto
do hotel Roma, em Lisboa, tendo-lhe entregue nesse acto, uma folha timbrada do
SEF, com a marcação do seu agendamento para o dia 30-11-2017 tendo esta pago a
quantia de 100 euros. Nesse momento, o arguido entregou uma declaração, na qual
se identificou como consultor jurídico, emitindo uma declaração onde constava
que recebeu a quantia de 350 euros do total de 700 pelos seus serviços de
consultor jurídico, para o agendamento e posterior acompanhamento ao SEF”.
Porém, de acordo
com o MP, o esquema por parte de Jordão Félix começou a ser descoberto depois
“diversos cidadãos, começaram a divulgar as suas situações nas redes sociais e
partilhando a sua situação de engano e procurando-o por diversas ocasiões e
diversas formas para um ajuste de contas”.
Perante isso, o
arguido “engendrou um plano, com o arguido Pedro Silva”: “Todos os cidadãos que
o viessem a contactar, este não aceitaria mais processos, e reencaminharia para
o Dr. Santos Silva”, o nome que usava como falso advogado.
Pedro Silva
passou a ir aos encontros com as vítimas. O arguido Pedro fazendo-se passar por
inspector do SEF e advogado, “criou a convicção dos ofendidos que iria não só
tratar dos seus processos de legalização junto do SEF, como agilizar os mesmos,
o que não correspondia à verdade”, lê-se na acusação.
Acresce que
Jordão Félix não tem inscrição em vigor na Ordem dos Advogados. Apenas esteve
inscrito como advogado estagiário e a sua inscrição encontra-se suspensa desde
5-11-2003. No perfil que tem na rede social profissional Linkedin apresenta-se
como profissional jurídico independente.
O MP arrolou 40
testemunhas. Os arguidos encontram-se sujeitos à medida de coacção de Termo de
Identidade e Residência (TIR).
Vagas para
atendimento no SEF à venda na Internet: preços podem chegar aos 600 euros, diz
associação
Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF) recorreu ao Ministério Público por suspeitas
“fundadas” de que as vagas para atendimento nos seus balcões estão a ser
“capturadas” de forma ilegal para depois serem vendidas aos imigrantes.
Natália Faria
Natália Faria 20
de Agosto de 2019, 18:05
Há vagas para
atendimento no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a serem vendidas na
Internet, através de anúncios classificados. A denúncia é feita pelo próprio
SEF que, em comunicado emitido esta terça-feira, garante ter feito uma
participação ao Ministério Público “por indícios de prática de crime de auxílio
à imigração ilegal”, entre outros.
Entre os dias 26
de Abril e 8 de Maio, foram libertadas duas mil vagas para atendimento nos
diferentes balcões daquele organismo, as quais foram “ocupadas” num curto
espaço de tempo, segundo o SEF, cujos serviços concluíram, após uma análise dos
agendamentos, que existem sistemas informáticos, denominados “bots”, ou seja,
malware robotizado, a proceder a esses agendamentos no Sistema Automático de
Pré-Agendamento (SAPA).
O SEF alude ainda
a suspeitas “igualmente fundadas” de que as vagas estarão a ser “capturadas”
por particulares, com base em “encomendas” de pacotes de prestação de serviços
que incluem o agendamento e preparação do pedido a apresentar ao SEF,
normalmente relacionado com a obtenção de autorização de residência.
“No sentido de
acautelar o normal funcionamento do sistema informático de marcações, foram de
imediato introduzidos mecanismos de controlo informático, designadamente a
libertação condicionada de vagas e a activação da funcionalidade reCAPTHA na
página de autenticação do portal”, garante ainda o SEF. Trata-se daquele
mecanismo que obriga o utilizador a confirmar que não é um robot e o SEF diz
aguardar o rápido apuramento de responsabilidades pelas autoridades
judiciárias.
Há muito que os
imigrantes que precisam de se dirigir aos balcões do SEF para requererem
autorização de residência, ou a respectiva renovação, se queixam da
impossibilidade de conseguirem agendar o atendimento em tempo útil.
Queixas contra
SEF duplicaram no último ano
O desgaste dos
imigrantes face à demora no tempo de atendimento dos balcões do Serviço de
Estrangeiro e Fronteiras (SEF) levou ao aumento das queixas para o dobro, nos
últimos 12 meses, segundo o Portal da Queixa, uma rede social de consumidores
de Portugal.
Só entre 17 de
Abril e 20 de Agosto, foram registadas nesta plataforma 349 reclamações, uma
subida de 132% face a igual período de 2018. Entre 20 de Agosto do ano passado
até esta terça-feira, foram registadas 676 reclamações, tendo o mês de Julho
registado um número recorde de 94 queixas.
A dificuldade em
conseguir agendamento e a demora na entrega dos documentos motivaram a maior
parte das reclamações, ainda segundo o Portal da Queixa que dá eco do desespero
de imigrantes cujos títulos de residência estão prestes a expirar, sem que lhes
seja possível vislumbrar qualquer possibilidade de atendimento.
Neste momento,
não é possível efectuar marcações para renovação das autorizações de residência
até ao final do ano na maior parte dos balcões, o que tem obrigado muitos
imigrantes a deslocarem-se centenas de quilómetros para evitar que os
respectivos documentos caduquem. Até agora, a Procuradoria-Geral da República
(PGR), questionada ontem pelo PÚBLICO, não confirmou a existência de qualquer
investigação, mas, Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante,
sustenta que lhes têm chegado queixas de imigrantes que se dizem vítimas “da
exploração e extorsão de gente sem escrúpulos e de máfias” que vendem as
referidas vagas a preços que variam entre os 500 e os 600 euros.
“As oito mil
vagas, ou seja, agendamentos, para os imigrantes se deslocarem ao SEF para
adquirirem os seus documentos foram capturadas vergonhosamente por alguns
escritórios de advogados e máfias que se fazem cobrar a peso de ouro para
extorquir dinheiro a muitos imigrantes”, concretizou aquele dirigente,
reproduzindo o teor da denúncia já publicada na página do Facebook daquela
associação. “Quem açambarca as vagas são pessoas estranhas aos imigrantes e é
bom que se investigue isso a sério”, insistiu o dirigente, para quem é inadmissível
que, por causa disto, muitos imigrantes tenham de gastar centenas de euros em
deslocações à Madeira e aos Açores, por exemplo, para conseguirem ser atendidos
num balcão do SEF.
Uma pesquisa
rápida em sites de venda como o OLX permite detectar a existência de várias
ofertas de ajuda de agendamento no SEF, a maior parte dos quais apenas com um
número de telemóvel e referindo um preço “sob orçamento”. “Se você tem
dificuldade em fazer sua manifestação de interesse junto ao Sef, ou seja fazer
a marcação para o andamento na legalização, eu estou aqui disponível para
realizar esse trabalho. Entre em contato através do WhatsApp para maiores
informações”, lê-se num desses anúncios.
Até agora, a
demora no atendimento do SEF vinha sendo justificada pelo aumento da procura,
por um lado, e pela escassez de funcionários, tendo o SEF, além ter avançado
com o prolongamento de horários nalguns dos seus balcões, anunciado que vão ser
contratados 116 assistentes técnicos, o que “permitirá duplicar a capacidade de
atendimento ao público”.
tp.ocilbup@airafn
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