quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Falsos advogados burlaram mais de 30 pessoas prometendo ajuda no SEF / Vagas para atendimento no SEF à venda na Internet: preços podem chegar aos 600 euros, diz associação



Falsos advogados burlaram mais de 30 pessoas prometendo ajuda no SEF

Dupla aproveitou-se de os serviços do SEF terem espera de meses para, a troco de dinheiro, garantir que tratavam de tudo de forma mais rápida. Um também se fez passar por inspector. Encontravam-se com as vitimas e terão forjado documentos com alegadas marcações.

Sónia Trigueirão 1 de Outubro de 2019, 7:25

Arguidos chegaram a forjar documentos em folhas timbradas com o logótipo do Serviço De Estrangeiros e Fronteiras (SEF). PATRICIA MARTINS

Cobravam entre os 75 e os 350 euros e prometiam agilizar os processos junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Chegavam a entregar comprovativos de recebimento do dinheiro e da data de marcação de atendimento junto dos serviços do SEF.

As vitimas só sabiam que estavam a ser enganadas quando se deslocavam aos serviços do SEF e lhes diziam que afinal não tinham marcação nenhuma.

Os dois arguidos, que foram acusados pelo Ministério Público (MP), em Julho último, pela prática de crimes de burla qualificada e de falsificação de documento, terão enganado mais de 30 imigrantes, que procuraram os seus serviços, convencidos que assim conseguiriam um atendimento mais rápido junto do SEF.

De acordo com a acusação do MP, durante o ano de 2017, os arguidos, Jordão Félix, de 50 anos, e Pedro Silva, de 47 anos - o primeiro português e o segundo angolano engendraram um plano, tendo em vista ludibriar os cidadãos estrangeiros que se encontravam em situação irregular em território nacional e pretendiam efectuar um pedido de concessão/renovação de titulo de residência ao abrigo da lei de estrangeiros.

Refere o MP que se aproveitaram do facto desses pedidos de marcação para os serviços do SEF demorarem vários meses face aos milhares de requerimentos efectuados e à necessidade de análise das manifestações de interesse efectuadas.

Assim, os arguidos fizeram-se passar por advogados e um deles também por inspector do SEF, “criando a aparência e a credibilidade das suas actividades e ludibriando os cidadãos estrangeiros que os procuravam, dizendo que lhe tratariam do processo junto do SEF, obtendo dessa forma benefício patrimonial ilegítimo e, assim, causando prejuízo aos ofendidos”. Ao todo terão conseguido mais de quatro mil euros de mais de trinta pessoas.

Terá sido o próprio SEF a comunicar às autoridades esta burla, quando vários cidadãos estrangeiros se dirigiram aos seus serviços, em Lisboa, apresentando um documento comprovativo da sua marcação.

Tudo terá começado com Jordão Félix. Este arguido anunciava a sua actividade em grupos nas redes sociais. De acordo com a acusação, no facebook anunciava “apoio a brasileiros em Lisboa”, deixava um contacto de telemóvel e dois contactos de email.

Quando era contactado pelas vitimas marcava sempre encontro para recolher documentos de identificação. Recebia quantias que variavam entre os 100 e os 300 euros e entregava um documento “forjado como se fosse emitido pelo SEF com a marcação do agendamento”.

Dizia que conhecia inspectores
Segundo a acusação do MP, “nesses encontros o arguido Jordão Félix alegava que conhecia pessoas como inspectores, dentro da entidade que o auxiliariam com tal situação”.

Jordão Félix às vezes até se dava ao trabalho de ligar às vitimas a reagendar a ida o SEF. Num dos casos, o arguido entregou-lhe, em troca de 100 euros, uma folha timbrada com o logótipo do SEF, em que constava o seguinte: “Tem agendamento para o dia 17-07-2017”. Depois ligou à vitima a dizer que esse agendamento passava para Agosto.

A uma das vitimas, este arguido tencionava cobrar 700 euros. Primeiro recebeu 250 euros alegando que iria agilizar a marcação do SEF e depois mais 100 euros. “No dia 15 de Julho de 2017 o arguido Jordão Félix reencontrou-se com a ofendida, junto do hotel Roma, em Lisboa, tendo-lhe entregue nesse acto, uma folha timbrada do SEF, com a marcação do seu agendamento para o dia 30-11-2017 tendo esta pago a quantia de 100 euros. Nesse momento, o arguido entregou uma declaração, na qual se identificou como consultor jurídico, emitindo uma declaração onde constava que recebeu a quantia de 350 euros do total de 700 pelos seus serviços de consultor jurídico, para o agendamento e posterior acompanhamento ao SEF”.

Porém, de acordo com o MP, o esquema por parte de Jordão Félix começou a ser descoberto depois “diversos cidadãos, começaram a divulgar as suas situações nas redes sociais e partilhando a sua situação de engano e procurando-o por diversas ocasiões e diversas formas para um ajuste de contas”.

Perante isso, o arguido “engendrou um plano, com o arguido Pedro Silva”: “Todos os cidadãos que o viessem a contactar, este não aceitaria mais processos, e reencaminharia para o Dr. Santos Silva”, o nome que usava como falso advogado.

Pedro Silva passou a ir aos encontros com as vítimas. O arguido Pedro fazendo-se passar por inspector do SEF e advogado, “criou a convicção dos ofendidos que iria não só tratar dos seus processos de legalização junto do SEF, como agilizar os mesmos, o que não correspondia à verdade”, lê-se na acusação.

Acresce que Jordão Félix não tem inscrição em vigor na Ordem dos Advogados. Apenas esteve inscrito como advogado estagiário e a sua inscrição encontra-se suspensa desde 5-11-2003. No perfil que tem na rede social profissional Linkedin apresenta-se como profissional jurídico independente.

O MP arrolou 40 testemunhas. Os arguidos encontram-se sujeitos à medida de coacção de Termo de Identidade e Residência (TIR).


Vagas para atendimento no SEF à venda na Internet: preços podem chegar aos 600 euros, diz associação

Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) recorreu ao Ministério Público por suspeitas “fundadas” de que as vagas para atendimento nos seus balcões estão a ser “capturadas” de forma ilegal para depois serem vendidas aos imigrantes.

Natália Faria
Natália Faria 20 de Agosto de 2019, 18:05

Há vagas para atendimento no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a serem vendidas na Internet, através de anúncios classificados. A denúncia é feita pelo próprio SEF que, em comunicado emitido esta terça-feira, garante ter feito uma participação ao Ministério Público “por indícios de prática de crime de auxílio à imigração ilegal”, entre outros.

Entre os dias 26 de Abril e 8 de Maio, foram libertadas duas mil vagas para atendimento nos diferentes balcões daquele organismo, as quais foram “ocupadas” num curto espaço de tempo, segundo o SEF, cujos serviços concluíram, após uma análise dos agendamentos, que existem sistemas informáticos, denominados “bots”, ou seja, malware robotizado, a proceder a esses agendamentos no Sistema Automático de Pré-Agendamento (SAPA).

O SEF alude ainda a suspeitas “igualmente fundadas” de que as vagas estarão a ser “capturadas” por particulares, com base em “encomendas” de pacotes de prestação de serviços que incluem o agendamento e preparação do pedido a apresentar ao SEF, normalmente relacionado com a obtenção de autorização de residência.

“No sentido de acautelar o normal funcionamento do sistema informático de marcações, foram de imediato introduzidos mecanismos de controlo informático, designadamente a libertação condicionada de vagas e a activação da funcionalidade reCAPTHA na página de autenticação do portal”, garante ainda o SEF. Trata-se daquele mecanismo que obriga o utilizador a confirmar que não é um robot e o SEF diz aguardar o rápido apuramento de responsabilidades pelas autoridades judiciárias.

Há muito que os imigrantes que precisam de se dirigir aos balcões do SEF para requererem autorização de residência, ou a respectiva renovação, se queixam da impossibilidade de conseguirem agendar o atendimento em tempo útil.

Queixas contra SEF duplicaram no último ano
O desgaste dos imigrantes face à demora no tempo de atendimento dos balcões do Serviço de Estrangeiro e Fronteiras (SEF) levou ao aumento das queixas para o dobro, nos últimos 12 meses, segundo o Portal da Queixa, uma rede social de consumidores de Portugal.

Só entre 17 de Abril e 20 de Agosto, foram registadas nesta plataforma 349 reclamações, uma subida de 132% face a igual período de 2018. Entre 20 de Agosto do ano passado até esta terça-feira, foram registadas 676 reclamações, tendo o mês de Julho registado um número recorde de 94 queixas.

A dificuldade em conseguir agendamento e a demora na entrega dos documentos motivaram a maior parte das reclamações, ainda segundo o Portal da Queixa que dá eco do desespero de imigrantes cujos títulos de residência estão prestes a expirar, sem que lhes seja possível vislumbrar qualquer possibilidade de atendimento.

Neste momento, não é possível efectuar marcações para renovação das autorizações de residência até ao final do ano na maior parte dos balcões, o que tem obrigado muitos imigrantes a deslocarem-se centenas de quilómetros para evitar que os respectivos documentos caduquem. Até agora, a Procuradoria-Geral da República (PGR), questionada ontem pelo PÚBLICO, não confirmou a existência de qualquer investigação, mas, Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante, sustenta que lhes têm chegado queixas de imigrantes que se dizem vítimas “da exploração e extorsão de gente sem escrúpulos e de máfias” que vendem as referidas vagas a preços que variam entre os 500 e os 600 euros.

“As oito mil vagas, ou seja, agendamentos, para os imigrantes se deslocarem ao SEF para adquirirem os seus documentos foram capturadas vergonhosamente por alguns escritórios de advogados e máfias que se fazem cobrar a peso de ouro para extorquir dinheiro a muitos imigrantes”, concretizou aquele dirigente, reproduzindo o teor da denúncia já publicada na página do Facebook daquela associação. “Quem açambarca as vagas são pessoas estranhas aos imigrantes e é bom que se investigue isso a sério”, insistiu o dirigente, para quem é inadmissível que, por causa disto, muitos imigrantes tenham de gastar centenas de euros em deslocações à Madeira e aos Açores, por exemplo, para conseguirem ser atendidos num balcão do SEF.

Uma pesquisa rápida em sites de venda como o OLX permite detectar a existência de várias ofertas de ajuda de agendamento no SEF, a maior parte dos quais apenas com um número de telemóvel e referindo um preço “sob orçamento”. “Se você tem dificuldade em fazer sua manifestação de interesse junto ao Sef, ou seja fazer a marcação para o andamento na legalização, eu estou aqui disponível para realizar esse trabalho. Entre em contato através do WhatsApp para maiores informações”, lê-se num desses anúncios.

Até agora, a demora no atendimento do SEF vinha sendo justificada pelo aumento da procura, por um lado, e pela escassez de funcionários, tendo o SEF, além ter avançado com o prolongamento de horários nalguns dos seus balcões, anunciado que vão ser contratados 116 assistentes técnicos, o que “permitirá duplicar a capacidade de atendimento ao público”.

tp.ocilbup@airafn

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