Paulo de Morais
OPINIÃO
A corrupção mata
todos os regimes
Será também a
corrupção a razão da queda desta democracia moribunda em que vivemos.
Paulo Morais
29 de Outubro de
2019, 5:45
Da queda da
Monarquia, em 1910, ao fim do Estado Novo, em 25 de Abril de 74, passando ainda
pelo fim da Primeira República, em 1926, há uma causa que une a morte de todos
estes regimes: a corrupção. E será também a corrupção a razão da queda desta
democracia moribunda em que vivemos.
No auge da
Monarquia, o tráfico de influências e a captura de recursos públicos eram
generalizados. Em 1882, o então todo-poderoso banqueiro Henrique de Burnay
celebrou um contrato com o Estado, representado por Fontes Pereira de Melo,
presidente do Conselho, e Hintze Ribeiro, ministro das Obras Públicas. Um
sindicato bancário, dirigido por Burnay, comprometia-se a construir uma linha
ferroviária em Espanha, que ligava Salamanca a Barca d'Alva e garantiria a
ligação ao Porto. Como contrapartida, o Tesouro pagaria a Burnay uma renda
milionária, 135 contos. Nascia assim a primeira parceria público-privada
portuguesa. Houve corrupção sem limite, muros desabaram e tiveram de ser
refeitos. Prometiam-se avultadas receitas que nunca se concretizaram. Apesar do
descalabro do negócio, o Rei Luís I agraciou Burnay com o título de Conde e a
linha foi inaugurada em Dezembro de 1887. Mas, volvidos apenas três meses, o
projecto falia, apresentando 4000 contos de dívidas e prejuízo anual de 600
contos. Desfez-se o acordo? Não! O consórcio privado foi premiado com a
duplicação da renda para 270 contos e ainda com a concessão da exploração do
porto de Leixões. Três anos depois, faliam novamente. O Governo teve de
intervir no consórcio, com enorme prejuízo para a Fazenda.
Outros escândalos
se sucederam. De entre os mais ruinosos, destaca-se a atribuição da concessão
do negócio do tabaco à Família Burnay (mais uma vez), por sessenta anos; do
concurso foi ilegalmente afastado o concorrente que oferecia melhores
condições, a Companhia dos Fósforos. Esta questão levou à queda do governo de
Hintze Ribeiro, um dos muitos políticos avençados do Crédito Predial, banco
cuja gestão criminosa constituiu a causa maior da queda da Monarquia.
A figura central,
a alma negra do Crédito Predial, foi Luciano de Castro. Como deputado, elaborou
a Lei que regulou “a criação e o funcionamento das sociedades de crédito
predial”, para mais tarde ser ele mesmo o governador do Crédito. Os empréstimos
concedidos eram maioritariamente de favor, a políticos e amigos do poder
vigente, ora do Partido Progressista de Luciano, ora do Regenerador de Fontes e
Hintze, todos membros da administração do banco. Em 1910, detectam-se
desfalques sistemáticos desde 1902. Uma auditoria identifica créditos
incobráveis de sessenta contos, cai o governo em Junho; uma nova auditoria
verifica que os incobráveis não eram de sessenta contos, mas de oitocentos! Vem
a bancarrota, esboroa-se a Monarquia e eclode a República, com milhares a
clamar “Matem o ladrão do Crédito Predial”, Luciano de Castro.
Chegava
finalmente a República, que prometia “eliminar todos os privilégios que, sendo
mantidos à custa da depressão e ofensa dos nossos concidadãos, são para mim
malditos”, nas palavras do primeiro Presidente eleito, Manuel de Arriaga. Mas o
regime que tinha vindo para combater a corrupção viria a sucumbir com mais um
escândalo de corrupção na banca.
Em 1925, tinha
lugar a maior falsificação de notas da História, as notas de 500 escudos,
efígie de Vasco da Gama, crime perpetrado por Alves dos Reis. Alves dos Reis
falsificou o seu diploma de engenheiro, comprou (com cheque sem cobertura) os
caminhos-de-ferro de Angola, fez desfalques, mas mesmo assim foi protegido pela
República, tinha o apoio da elite nacional. Com o produto da falsificação de
notas, fundou o “Banco Angola e Metrópole”. A circulação excessiva de dinheiro
provocou a pré-bancarrota. Em 1926, o general Gomes da Costa instaurava a
ditadura. A República sucumbia, sem honra nem glória. Viriam quarenta e oito
anos de ditadura salazarista, também esta contaminada por casos de corrupção.
Chegou o 25 de
Abril, em 1974. Os fundadores da democracia, os Capitães de Abril, definiam
como uma das prioridades do novo regime “o combate eficaz à corrupção”. Mas a
democracia de Abril incorre agora nos mesmos erros dos regimes anteriores:
concede rendas milionárias em parcerias público-privadas, promove portas
giratórias, assume prejuízos dos bancos, cujos administradores são políticos…
Este regime repete os erros dos anteriores, acabará da mesma forma. “Aqueles
que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo” (Santayana).
Ex-presidente do
turismo acusado de patrocinar clubes para chegar a presidente da Liga de
Futebol
Vitória de
Guimarães e Braga foram acusados no processo conhecido como Operação Éter.
Ministério Público vai continuar a investigar num processo autónomo contratação
de dezenas de lojas de turismo interactivas da região Norte.
Mariana Oliveira
29 de Outubro de 2019, 6:06
Em causa está,
entre outros, o jogo da final da Taça de Portugal entre o Vitória de Guimarães
e o Benfica em 2017 LUSA/MIGUEL A. LOPES
O ex-presidente
do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), Melchior Moreira, está acusado
no âmbito da Operação Éter de ter colocado publicidade nas camisolas dos jogadores
de duas equipas desportivas, o Vitória de Guimarães e o Braga, com o intuito de
obter o apoio dos dirigentes desportivos daqueles clubes, numa eventual
candidatura à presidência à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que nunca
chegou a concretizar-se.
Em causa estão
dois jogos da equipa de futebol do Vitória de Guimarães, um dos quais a final
da Taça de Portugal, em 2017, uma partida em que a equipa minhota defrontou o
Benfica. Num dos jogos os futebolistas do Vitória de Guimarães tinham
publicidade do Turismo do Porto e Norte nas camisolas e noutra do Geoparque de
Arouca. O patrocínio, que custou ao TPNP mais de 100 mil euros, foi dividido
por vários contratos, alegadamente para contornar regras da contratação
pública.
Relativamente ao
Sporting Clube de Braga o que está em causa é um contrato de patrocínio com
vista à promoção da região Norte em Madrid, onde a equipa bracarense de futsal
disputou, em Novembro de 2017, a Ronda de Elite da UEFA Futsal Cup. No contrato
ficou escrito que o Braga receberia 15 mil euros para aparecer a marca do
Turismo do Norte nas camisolas que os jogadores envergaram.
Os dois clubes de
futebol estão entre as oito entidades colectivas acusadas neste processo.
Contactado pelo PÚBLICO, o director de comunicação do Braga, André Viana,
recusou-se a fazer declarações sobre o assunto, alegando que o clube não foi
ainda notificado de nada. O PÚBLICO tentou obter sem sucesso uma reacção do
Vitória de Guimarães. Além das pessoas colectivas foram acusadas 21 pessoas
singulares, onde se destaca Melchior Moreira e mais sete profissionais do
Turismo do Norte. São eles, segundo uma nota da Procuradoria-Geral Distrital do
Porto, divulgada no sábado, os responsáveis que ocupavam o lugar de
“presidente, vice-presidente, directora de departamento operacional, membro da
comissão executiva, directora de núcleo, directora de departamento, técnica
superior e coordenador de gabinete”.
Quem também
integra o rol de acusados é a empresária Manuela Couto, administradora da W
Global Communication (antiga Mediana) e mulher do ex-presidente da Câmara de
Santo Tirso, Joaquim Couto. No entanto, o Ministério Público deixou cair o
crime de corrupção relacionado com um jantar que custou cerca de 1350 euros,
com mais de 30 pessoas, em Madrid, à margem da Feira Internacional de Turismo
(Fitur), em Janeiro do ano passado.
Apesar de ter
avançado com a acusação, evitando ter que libertar Melchior Moreira, o
Ministério Público optou por continuar a investigar o que até agora era o epicentro
do caso: a forma como foram contratadas dezenas de lojas de turismo
interactivas da região Norte. A procuradora separou esta parte do processo num
inquérito autónomo que vai continuar em investigação, apesar de nos últimos
meses a Polícia Judiciária ter feito um contra-relógio em que constituiu como
arguidos dezenas de antigos e actuais autarcas arguidos neste caso. Os visados
são presidentes de câmara ou vereadores que contrataram, através de ajuste
directo, sociedades do empresário de Viseu, José Agostinho, a principal das
quais a Tomi World. O empresário é arguido no caso, tendo sido obrigado a
prestar uma caução de 50 mil euros.
Na acusação, o
Ministério Público pede que o ex-presidente do Turismo do Norte se mantenha em
prisão preventiva, uma situação que perdura há mais de um ano. A procuradora
alega que se mantêm os pressupostos da medida de coacção mais gravosa, que foi
inicialmente justificada com o perigo de perturbação do inquérito, devido à
vasta rede de contactos e influências do antigo deputado do PSD.
Fonte ligada à
defesa não se conforma com esta posição e insiste que com a acusação termina a
investigação, não fazendo sentido continuar a alegar o perigo de perturbar o
inquérito. Por isso, a defesa pretende pedir uma alteração da medida de
coacção, devendo nos próximos dias haver uma decisão da juíza de instrução.
Além dos
patrocínios aos clubes, a acusação imputa a vários responsáveis do Turismo
crimes relacionados com procedimentos de contratação de pessoal e de aquisição
de bens, assim como a utilização de meios do turismo para fins pessoais. Em
causa está, por exemplo, um ipad do TPNP encontrado na casa de família de
Melchior Moreira, em Lamego, onde estava instalada a conta do Facebook do filho
mais novo e jogos para a idade deste, além de fotografias da família em
actividades de lazer.
O ex-presidente
do Turismo sempre insistiu que não dera o aparelho ao filho e que apenas o
levava ao fim-de-semana para Lamego e que, por vezes, o filho o usava.
Inicialmente, o Ministério Público imputava-lhe um crime de peculato, com uma
pena que varia entre um e oito anos de prisão, tendo avançado com a acusação
por um crime muito menos gravoso, peculato de uso.
O Ministério
Público insiste que o ex-presidente do Turismo do Norte recebeu indevidamente
ajudas de custo e ofertas provenientes de operadores económicos, como uma
semana numa master suite de um hotel de quatro estrelas, em Santa Eulália, no
Algarve, no final de Agosto de 2017. A oferta foi feita por um empresário do
sector hoteleiro que estava interessado em construir um hotel no Porto e
convidou o então presidente daquela região de turismo para ir conhecer os
hotéis do grupo no Algarve.
ALMADA
Finanças encontram
“despesas ilegais” de câmara do PCP no valor de 1,6 milhões
Compra de
relógios e telemóveis de 162 mil euros considerada “ilegal”. Maioria dos
ajustes era feito com convites a apenas uma empresa.
Liliana Valente
Liliana Valente
28 de Outubro de 2019, 20:47
Uma auditoria da
Inspecção-Geral das Finanças (IGF) à gestão da Câmara Municipal de Almada no
período de 2014 a 2016, quando esta era presidida pelo comunista Joaquim Judas,
encontrou “despesas ilegais” na autarquia de 1,6 milhões de euros. Um valor que
poderia ser maior, uma vez que a auditoria analisou apenas uma amostra de
contratos. A CDU de Almada defende-se dizendo que “há diferentes
interpretações” sobre a aplicação da lei e que as acusações de ilegalidade são
“excessivas”.
Os inspectores da
IGF concluíram que existem “diversas irregularidades e insuficiências de
natureza administrativa, bem como indícios de infracções de natureza penal e
financeira” na gestão da Câmara Municipal de Almada nesse período. Tendo em
conta que há irregularidades que têm natureza penal e de responsabilidade
financeira, o relatório será enviado “às entidades judiciais competentes”, o
que significa que será enviado tanto para o Ministério Público como para o
Tribunal de Contas. As responsabilidades irão recair sobre os chefes de
departamento e não sobre os então eleitos locais, esclarece a auditoria.
No relatório são
apontados problemas administrativos, alguns resultantes da utilização de
sistemas informáticos obsoletos, mas sobretudo problemas de procedimentos e
controlo interno. Dos contratos analisados, em “54% dos procedimentos por
ajuste directo”, “o convite só foi dirigido a uma entidade”. Aliás, o ajuste
directo foi a forma de contratação mais utilizada pelo município, em 85% dos
processos (154 empreitadas), “enquanto o concurso público foi utilizado em 27
empreitadas”.
O caso que tem
sido mais utilizado para ilustrar as irregularidades detectadas prende-se com a
compra de relógios e telemóveis por parte da autarquia para oferecer aos
trabalhadores com mais de 25 anos de casa. Em relação a estes contratos, a IGF
fala em ilegalidades por não terem sido acautelados “os princípios de interesse
público e de legalidade” que tornam a despesa associada, de 163 mil euros,
ilegal.
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