EDITORIAL
Quem ganha com uma “questão racial”?
A extrema-direita será mais facilmente combatida e a
discriminação enfrentada se a causa anti-racismo for capaz de se tornar uma
causa cívica de todos, como deve e tem de ser, e não um exclusivo radical de
alguns.
MANUEL CARVALHO
13 de Agosto de
2020, 21:41
https://www.publico.pt/2020/08/13/sociedade/editorial/ganha-questao-racial-1928043
Os grupúsculos de
extrema-direita que se alimentam do ódio nas redes sociais tiveram um dia em
cheio: o país que volta a assistir a um preocupante número de casos de
covid-19, ou que enfrenta a maior crise económica da sua história recente,
colocou os seus maiores dramas entre parêntesis para discutir as suas ameaças,
a sua existência e o seu protagonismo. Uma frase na parede da sede da SOS
Racismo, seguida de uma parada de uma dúzia de mascarados empunhando tochas,
rematada por um email anónimo enviado a uma dezena de deputadas e figuras
associadas à luta anti-racismo bastou para que o país ficasse em alvoroço. Os
partidos, as organizações, o Governo, o Presidente e, como não podia deixar de
ser, a imprensa dedicaram-se a analisar as causas e consequências de uma
escalada dos grupúsculos da extrema-direita. A atenção justifica-se, como se
justifica reflectir sobre o ponto aonde chegámos.
Não vale a pena
ser nem cínico nem inocente: há um problema a grassar entre nós e nós não
sabemos bem como lhe reagir. Nesse problema, não interessa saber que o racismo,
ou qualquer outra forma de discriminação, é recusado pela Constituição e pelas
leis que configuram o nosso modelo de existência em sociedade. Não interessa
saber se o número de crimes motivados pelo ódio racial aumentou o diminuiu. Não
interessa saber se o Estado está ou não a fazer o que está ao seu alcance para
garantir aos portugueses de ascendência africana, brasileira ou asiática as
mesmas condições de vida que proporciona aos outros. Uma discussão séria,
civilizada e empenhada em resolver os problemas de pessoas ou de comunidades
específicas tornou-se difícil. Uns dizem que temos de viver com a culpa de
sermos um país racista, ou por sermos herdeiros de uma história esclavagista,
outros afirmam que quem produz semelhantes afirmações não cabe entre nós. Até o
bárbaro assassínio de Bruno Candé dá origem a divergências contaminadas pelo
ódio e pela intolerância.
Passividade é cumplicidade
O Presidente da
República pediu esta quinta-feira para estarmos atentos às “campanhas e
escaladas” que levam à “instrumentalização” de temas que fragilizam a
democracia. E pediu que se use inteligência nesse combate. É nesta questão que
vale a pena concentrar energias. A condescendência normaliza o racismo e
confere-lhe direito de cidade. Mas o radicalismo estimula o radicalismo,
exacerba os ânimos e não resolve problemas. A extrema-direita será mais
facilmente combatida e a discriminação enfrentada se a causa anti-racismo for
capaz de se tornar uma causa cívica de todos, como deve e tem de ser, e não um
exclusivo radical de alguns. A causa indispensável da inclusão racial deve
regressar ao clima moderado, reformista e progressivo da democracia.
tp.ocilbup@ohlavrac.leunam

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