quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Ryanair tenta anular apoio à TAP através do tribunal de justiça europeu // Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas. Oportunidade única para impor condições ambientais, por ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO

 


CORONAVÍRUS

Ryanair tenta anular apoio à TAP através do tribunal de justiça europeu

 

Companhia aérea irlandesa apresentou um recurso da decisão da Comissão Europeia, de aprovar o apoio do Estado à TAP, no valor de 1200 milhões, junto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Objectivo é conseguir anular a decisão, esperando-se um resultado dentro de oito a dez meses, no âmbito de uma estratégia geral que abrange muitas outras companhias aéreas, incluindo a açoriana SATA.

 

Luís Villalobos

Luís Villalobos 27 de Agosto de 2020, 6:38

https://www.publico.pt/2020/08/27/economia/noticia/ryanair-tenta-anular-apoio-tap-atraves-tribunal-justica-europeu-1929374

 

A Ryanair quer anular o apoio estatal de 1200 milhões de euros à TAP aprovado pela Comissão Europeia, e, nesse sentido, apresentou recurso da decisão junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

 

O processo deu entrada no dia 22 de Julho junto do tribunal geral, e, segundo afirmou ao PÚBLICO o responsável pelos assuntos legais da companhia aérea irlandesa, Juliusz Komorek, a decisão final sobre a queixa deverá ser conhecida “dentro de oito a dez meses”. “O processo está a decorrer de forma bastante rápida”, afirmou. Caso o veredicto seja favorável à Ryanair, adianta, a TAP terá de devolver o dinheiro que tiver recebido.

 

O apoio estatal foi aprovado pela Comissão Europeia a 10 de Junho, e implica – uma vez que não foi no âmbito do enquadramento extraordinário criado por causa da pandemia, porque a TAP já tinha problemas financeiros anteriores – a devolução do dinheiro em seis meses ou um plano de reestruturação (sendo a segunda hipótese a única que está em cima da mesa).

 

 

No tribunal, a Ryanair apresentou cinco fundamentos legais através dos quais espera conseguir anular o apoio estatal, alegando, nomeadamente, que não ficou devidamente estabelecido que “o auxílio de emergência contribui para um objectivo bem definido de interesse comum, adequado e proporcionado, e sem efeitos negativos indevidos” em termos de mercado.

 

Mas as duas principais frentes da batalha legal, de acordo com Juliusz Komorek, são “a quebra do princípio de não-discriminação”, ao apoiar-se apenas a TAP com os referidos 1200 milhões “quando todas as companhias [presentes no mercado] contribuem para a conectividade aérea e para o desenvolvimento do turismo” e do “direito de livre prestação de serviços”.

 

Neste último caso, diz o gestor do grupo liderado por Michael O’Leary, é preciso ter em conta que uma companhia aérea pode “prestar serviços em qualquer país da União Europeia”, independentemente do país em que está registada. “É um mercado liberalizado, não existe licenças nacionais. Um governo não pode dizer que só apoia companhias registadas no país” em questão, defende Juliusz Komorek.

 

Uma solução “para todos”

“O mais natural”, acrescenta, “seria uma solução para todos”, como através da forte redução das taxas aeroportuárias e de navegação aérea “na proporção do seu contributo para a conectividade, durante um ou dois anos”. A TAP, refere o gestor, “continuaria a ser a principal beneficiária”, mas todas as outras também receberiam algo, com a Ryanair a surgir no segundo lugar. A medida, aliás, já fora defendida por Michael O’Leary numa entrevista ao PÚBLICO em Junho.

 

Os Estados, aponta Juliusz Komorek, “focaram-se nas antigas companhias de bandeira, como se fossem estruturalmente indispensáveis para a economia nacional, e esse não é o caso”. Portugal, defende, “conseguia ficar bem sem a TAP”, com outras companhias aéreas a assumir “as rotas que são necessárias, e viáveis comercialmente”.

 

Essa não é, no entanto, nem a visão do Governo português, nem a da Comissão Europeia. No documento onde justifica a autorização ao apoio do Estado à TAP, Bruxelas conclui que na actual conjuntura de pandemia (com todas as companhias aéreas a serem afectadas) “seria muito difícil a qualquer concorrente – incluindo os que já operam no mercado português – avançar e replicar totalmente, ou mesmo de forma significativa, o papel desempenhado pela TAP, sem o risco de uma descontinuação significativa da conectividade das rotas operadas de e para Portugal” que a empresa assegura.

 

Por parte do Governo, o ministro das infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, tem defendido que o custo de deixar cair a TAP seria superior ao de a apoiar. Entre os argumentos usados está o facto de a TAP fazer compras a mais de mil empresas nacionais, no valor de 1,3 mil milhões de euros anualmente, e de ser responsável pela exportação de 2,6 mil milhões de euros em serviços.

 

Contactada pelo PÚBLICO a propósito do recurso da Ryanair, fonte oficial da Comissão Europeia não quis comentar este caso em concreto, afirmando apenas que vai “defender a sua decisão junto do tribunal”, tal como o faz sempre que tal é necessário.

 

O Governo tem dito também que espera usar apenas 946 milhões do total de 1200 milhões, funcionando os restantes 254 milhões como envelope de reserva. A primeira tranche, de 250 milhões, foi transferida a 17 de Julho, e, no próximo dia 3 de Setembro, os accionistas vão pronunciar-se sobre o aumento de capital do grupo TAP.

 

Na prática, a quem interessa esta assembleia geral extraordinária é ao Estado, a Humberto Pedrosa e aos pequenos investidores (como trabalhadores), já que David Neeleman/Azul está de saída no âmbito do acordo fechado com o Governo para vender os seus 22,5% ao Estado, mas que ainda está por concretizar oficialmente.

 

Mais concretamente, os accionistas vão pronunciar-se sobre as perspectivas de aumento de capital, dos actuais 15 milhões para “até 1200 milhões de euros”, a realizar “em espécie, por uma ou mais vezes”, sem datas marcadas. Ou seja, do encontro sairá uma autorização para que os empréstimos/créditos do Estado possam depois serem convertidos em capital do grupo, nos momentos em que assim o Governo entender. Falta depois saber se os privados acompanham os movimentos ou se diluem a sua presença.

 

Ligado ao reforço do Estado para 72,5% do capital e à saída de Neeleman está a mudança na presidência executiva, mas, quase um mês depois do actual “chief operating officer” da TAP, Ramiro Sequeira, ter sido escolhido para substituir Antonoaldo Neves no cargo (de forma interina, e até à selecção do efectivo novo presidente executivo), ainda está tudo na mesma. Ramiro Sequeira precisa da “luz verde” do regulador da aviação civil para ocupar o cargo, que ainda não a deu, ligada aos requisitos para a nomeação de pessoal dirigente do operador aéreo.

 

Mais concorrentes na mira, da SAS à SATA

A TAP não é a única companhia aérea alvo da Ryanair, antes pelo contrário. Até agora, de acordo com Juliusz Komorek, já foram interpostos seis recursos junto do TJUE, tendo como alvo empresas como a SAS e a Finnair. Outros estão a caminho, envolvendo a Air France e a KLM ou a Lufthansa, assim que as decisões da Comissão Europeia forem publicadas oficialmente.

 

De acordo com o levantamento feito pelo PÚBLICO, Bruxelas já autorizou ajudas públicas (entre aumentos de capital, empréstimos e garantias) na ordem dos 24 mil milhões de euros, envolvendo 13 companhias aéreas (a esmagadora maioria ao abrigo do quadro de excepção de ajudas públicas). Entre elas está a açoriana SATA, que será também alvo da Ryanair.

 

No dia 18 de Agosto, a Comissão Europeia aprovou um apoio estatal de 133 milhões de euros, efectivado através de garantias estatais para a transportadora açoriana conseguir financiar-se e manter-se operacional (inicialmente a SATA tinha dito que precisava de 163 milhões). Em preparação está já um plano de reestruturação da empresa (que perdeu 230 milhões nos últimos seis anos, e aumentou o endividamento), ao mesmo tempo que a Bruxelas afirmou que vai investigar os aumentos de capital feitos nos últimos anos.

 

De acordo com os fundamentos da decisão agora divulgados, a Comissão Europeia não tem dúvidas de que os 75,5 milhões de euros injectados pelo governo açoriano (a única accionista da empresa é a região autónoma) desde 2017 até agora foram ajudas públicas, não autorizadas.

 

Cabe agora a Portugal, diz Bruxelas, provar que não foram ajudas públicas, ou então que os aumentos de capital se realizaram “em circunstâncias excepcionais e imprevistas das quais a SATA não é responsável” e que isso deve ser tido em conta na avaliação da compatibilidade das ajudas de Estado. Isto porque, de acordo com as regras europeias, não podem ocorrer dois apoios públicos no espaço de dez anos, o que pode pôr em causa o actual auxílio de 133 milhões.

 

tp.ocilbup@sobolalliv.siul

 



OPINIÃO

Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas. Oportunidade única para impor condições ambientais

 

É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites.

 

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO

2 de Julho de 2020, 7:00

https://www.publico.pt/2020/07/02/opiniao/opiniao/covid19-ajudas-estado-companhias-aereas-oportunidade-unica-impor-condicoes-ambientais-1922722

 

No tumulto das “negociações” e troca de “mensagens” entre privados e interesse público, resultantes das condições, impostas à TAP pelo Governo (leia-se Comissão Europeia), a muitos terão passado despercebidas as atrevidas e provocadoras insinuações de Michael O’Leary da Ryanair.

 

Com a mesma ligeireza, transformando o culto assumido da irresponsabilidade, em arma de arremesso, tal como já revelado anteriormente na atitude durante a greve, O’Leary afirmou que o dinheiro da TAP devia ser distribuído por companhias low cost como a Ryanair, que têm demonstrado um desprezo absoluto pelos direitos fundamentais dos seus empregados, uma atitude oportunista e escapista tipo offshore pelo mundo fiscal, assim como, uma pose militantemente trocista por todas as preocupações e exigências ambientais.

 

Assim, O’Leary considerou todas e quaisquer preocupações à volta do impacto crescente da pegada de carbono da aviação nas alterações climáticas como “lixo completo e absoluto” (“complete and utter rubbish”). Além de confirmar que tenciona utilizar, em plena crise da covid-19 os seus aviões completamente cheios, tipo transporte de periferia. Isto, perante a realidade da pegada de carbono da Ryanair que a põe ao nível da lista negra das carvoeiras polacas, levou Andrew Murphy, o manager da European Federation for Transport and Environment, a concluir: “When it comes to climate, Ryanair is the new coal.”

 

Claro que O’Leary não é o único a tentar jogar neste binómio paradoxal: privatização maximalizada do lucro/socialização do risco. Outros, como o famoso multimilionário e playboy “Sir” Richard Branson, 7.ª fortuna do Reino Unido (4.7 mil milhões de libras), dono da Virgin Atlantic, veio pedir ao Governo inglês 500 milhões de libras, oferecendo como garantia a sua ilha privada Necker Island (destruída pelo tufão Irma em 2017). O seu pedido foi recusado.

 

No meio do devastador coronavírus, temos casos onde os dois factores que mais têm contribuído para a alienação das cidades, o low-cost flying e as plataformas de aluguer a turistas, se encontram. Assim, em Amesterdão, onde a Booking.com se encontra sediada com 5500 empregados, esta plataforma, também perita em oportunismo fiscal, veio pedir dinheiro dos contribuintes, enquanto tinha investido 14 mil milhões de dólares em buybacks das próprias acções.

 

Enquanto isto, a Sibéria atinge os 38 graus centigrados e apresenta um aumento de cinco vezes do número de incêndios permanentes, com a ameaça directa e incalculável da libertação de gases como o metano, através do degelo do permafrost.

 

É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites. As ajudas estatais devem ser acompanhadas de claras exigências ambientais: impostos sobre a querosene. Desenvolvimento de combustíveis “verdes” e técnicas alternativas. Limitação do número de voos. Limitação da expansão de aeroportos. Taxas sobre utilizadores frequentes. Substituição dos voos domésticos e voos até 2 horas e meia de duração por bons serviços de transportes ferroviários a preços compatíveis. Fim de subsídios facilitadores de laxismo da consciência ambiental.

 

Pois chegou a altura de António Costa e o seu Governo fazerem um pouco de “trabalho de casa” para dar conteúdo à pedinchice, e pensarem estrategicamente o futuro do transporte ferroviário (que se encontra na Idade da Pedra) de passageiros no interior do país e respectivas ligações à Europa. Dando assim uma resposta esclarecedora às perguntas concretas e ansiedades expressas nos artigos sucessivos de Carlos Cipriano neste jornal, que só têm obtido o mais absoluto silêncio.

 

Historiador de Arquitectura

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