CORONAVÍRUS
Ryanair tenta anular apoio à TAP através do tribunal de
justiça europeu
Companhia aérea irlandesa apresentou um recurso da
decisão da Comissão Europeia, de aprovar o apoio do Estado à TAP, no valor de
1200 milhões, junto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Objectivo é
conseguir anular a decisão, esperando-se um resultado dentro de oito a dez
meses, no âmbito de uma estratégia geral que abrange muitas outras companhias
aéreas, incluindo a açoriana SATA.
Luís Villalobos
Luís Villalobos
27 de Agosto de 2020, 6:38
A Ryanair quer
anular o apoio estatal de 1200 milhões de euros à TAP aprovado pela Comissão
Europeia, e, nesse sentido, apresentou recurso da decisão junto do Tribunal de
Justiça da União Europeia (TJUE).
O processo deu
entrada no dia 22 de Julho junto do tribunal geral, e, segundo afirmou ao
PÚBLICO o responsável pelos assuntos legais da companhia aérea irlandesa,
Juliusz Komorek, a decisão final sobre a queixa deverá ser conhecida “dentro de
oito a dez meses”. “O processo está a decorrer de forma bastante rápida”,
afirmou. Caso o veredicto seja favorável à Ryanair, adianta, a TAP terá de
devolver o dinheiro que tiver recebido.
O apoio estatal
foi aprovado pela Comissão Europeia a 10 de Junho, e implica – uma vez que não
foi no âmbito do enquadramento extraordinário criado por causa da pandemia,
porque a TAP já tinha problemas financeiros anteriores – a devolução do
dinheiro em seis meses ou um plano de reestruturação (sendo a segunda hipótese
a única que está em cima da mesa).
No tribunal, a
Ryanair apresentou cinco fundamentos legais através dos quais espera conseguir
anular o apoio estatal, alegando, nomeadamente, que não ficou devidamente
estabelecido que “o auxílio de emergência contribui para um objectivo bem
definido de interesse comum, adequado e proporcionado, e sem efeitos negativos
indevidos” em termos de mercado.
Mas as duas
principais frentes da batalha legal, de acordo com Juliusz Komorek, são “a
quebra do princípio de não-discriminação”, ao apoiar-se apenas a TAP com os
referidos 1200 milhões “quando todas as companhias [presentes no mercado]
contribuem para a conectividade aérea e para o desenvolvimento do turismo” e do
“direito de livre prestação de serviços”.
Neste último
caso, diz o gestor do grupo liderado por Michael O’Leary, é preciso ter em
conta que uma companhia aérea pode “prestar serviços em qualquer país da União
Europeia”, independentemente do país em que está registada. “É um mercado
liberalizado, não existe licenças nacionais. Um governo não pode dizer que só
apoia companhias registadas no país” em questão, defende Juliusz Komorek.
Uma solução “para
todos”
“O mais natural”,
acrescenta, “seria uma solução para todos”, como através da forte redução das
taxas aeroportuárias e de navegação aérea “na proporção do seu contributo para
a conectividade, durante um ou dois anos”. A TAP, refere o gestor, “continuaria
a ser a principal beneficiária”, mas todas as outras também receberiam algo,
com a Ryanair a surgir no segundo lugar. A medida, aliás, já fora defendida por
Michael O’Leary numa entrevista ao PÚBLICO em Junho.
Os Estados,
aponta Juliusz Komorek, “focaram-se nas antigas companhias de bandeira, como se
fossem estruturalmente indispensáveis para a economia nacional, e esse não é o
caso”. Portugal, defende, “conseguia ficar bem sem a TAP”, com outras
companhias aéreas a assumir “as rotas que são necessárias, e viáveis
comercialmente”.
Essa não é, no
entanto, nem a visão do Governo português, nem a da Comissão Europeia. No
documento onde justifica a autorização ao apoio do Estado à TAP, Bruxelas
conclui que na actual conjuntura de pandemia (com todas as companhias aéreas a
serem afectadas) “seria muito difícil a qualquer concorrente – incluindo os que
já operam no mercado português – avançar e replicar totalmente, ou mesmo de
forma significativa, o papel desempenhado pela TAP, sem o risco de uma
descontinuação significativa da conectividade das rotas operadas de e para
Portugal” que a empresa assegura.
Por parte do
Governo, o ministro das infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, tem defendido que
o custo de deixar cair a TAP seria superior ao de a apoiar. Entre os argumentos
usados está o facto de a TAP fazer compras a mais de mil empresas nacionais, no
valor de 1,3 mil milhões de euros anualmente, e de ser responsável pela
exportação de 2,6 mil milhões de euros em serviços.
Contactada pelo
PÚBLICO a propósito do recurso da Ryanair, fonte oficial da Comissão Europeia
não quis comentar este caso em concreto, afirmando apenas que vai “defender a
sua decisão junto do tribunal”, tal como o faz sempre que tal é necessário.
O Governo tem
dito também que espera usar apenas 946 milhões do total de 1200 milhões,
funcionando os restantes 254 milhões como envelope de reserva. A primeira
tranche, de 250 milhões, foi transferida a 17 de Julho, e, no próximo dia 3 de
Setembro, os accionistas vão pronunciar-se sobre o aumento de capital do grupo
TAP.
Na prática, a
quem interessa esta assembleia geral extraordinária é ao Estado, a Humberto
Pedrosa e aos pequenos investidores (como trabalhadores), já que David
Neeleman/Azul está de saída no âmbito do acordo fechado com o Governo para
vender os seus 22,5% ao Estado, mas que ainda está por concretizar
oficialmente.
Mais
concretamente, os accionistas vão pronunciar-se sobre as perspectivas de
aumento de capital, dos actuais 15 milhões para “até 1200 milhões de euros”, a
realizar “em espécie, por uma ou mais vezes”, sem datas marcadas. Ou seja, do
encontro sairá uma autorização para que os empréstimos/créditos do Estado
possam depois serem convertidos em capital do grupo, nos momentos em que assim
o Governo entender. Falta depois saber se os privados acompanham os movimentos
ou se diluem a sua presença.
Ligado ao reforço
do Estado para 72,5% do capital e à saída de Neeleman está a mudança na
presidência executiva, mas, quase um mês depois do actual “chief operating
officer” da TAP, Ramiro Sequeira, ter sido escolhido para substituir Antonoaldo
Neves no cargo (de forma interina, e até à selecção do efectivo novo presidente
executivo), ainda está tudo na mesma. Ramiro Sequeira precisa da “luz verde” do
regulador da aviação civil para ocupar o cargo, que ainda não a deu, ligada aos
requisitos para a nomeação de pessoal dirigente do operador aéreo.
Mais concorrentes
na mira, da SAS à SATA
A TAP não é a
única companhia aérea alvo da Ryanair, antes pelo contrário. Até agora, de
acordo com Juliusz Komorek, já foram interpostos seis recursos junto do TJUE,
tendo como alvo empresas como a SAS e a Finnair. Outros estão a caminho,
envolvendo a Air France e a KLM ou a Lufthansa, assim que as decisões da
Comissão Europeia forem publicadas oficialmente.
De acordo com o
levantamento feito pelo PÚBLICO, Bruxelas já autorizou ajudas públicas (entre
aumentos de capital, empréstimos e garantias) na ordem dos 24 mil milhões de
euros, envolvendo 13 companhias aéreas (a esmagadora maioria ao abrigo do
quadro de excepção de ajudas públicas). Entre elas está a açoriana SATA, que
será também alvo da Ryanair.
No dia 18 de
Agosto, a Comissão Europeia aprovou um apoio estatal de 133 milhões de euros,
efectivado através de garantias estatais para a transportadora açoriana
conseguir financiar-se e manter-se operacional (inicialmente a SATA tinha dito
que precisava de 163 milhões). Em preparação está já um plano de reestruturação
da empresa (que perdeu 230 milhões nos últimos seis anos, e aumentou o
endividamento), ao mesmo tempo que a Bruxelas afirmou que vai investigar os
aumentos de capital feitos nos últimos anos.
De acordo com os
fundamentos da decisão agora divulgados, a Comissão Europeia não tem dúvidas de
que os 75,5 milhões de euros injectados pelo governo açoriano (a única
accionista da empresa é a região autónoma) desde 2017 até agora foram ajudas públicas,
não autorizadas.
Cabe agora a
Portugal, diz Bruxelas, provar que não foram ajudas públicas, ou então que os
aumentos de capital se realizaram “em circunstâncias excepcionais e imprevistas
das quais a SATA não é responsável” e que isso deve ser tido em conta na
avaliação da compatibilidade das ajudas de Estado. Isto porque, de acordo com
as regras europeias, não podem ocorrer dois apoios públicos no espaço de dez
anos, o que pode pôr em causa o actual auxílio de 133 milhões.
OPINIÃO
Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas.
Oportunidade única para impor condições ambientais
É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a
imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de
crescimento massificado e sem limites.
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
2 de Julho de
2020, 7:00
No tumulto das
“negociações” e troca de “mensagens” entre privados e interesse público,
resultantes das condições, impostas à TAP pelo Governo (leia-se Comissão
Europeia), a muitos terão passado despercebidas as atrevidas e provocadoras
insinuações de Michael O’Leary da Ryanair.
Com a mesma
ligeireza, transformando o culto assumido da irresponsabilidade, em arma de
arremesso, tal como já revelado anteriormente na atitude durante a greve,
O’Leary afirmou que o dinheiro da TAP devia ser distribuído por companhias low
cost como a Ryanair, que têm demonstrado um desprezo absoluto pelos direitos
fundamentais dos seus empregados, uma atitude oportunista e escapista tipo
offshore pelo mundo fiscal, assim como, uma pose militantemente trocista por
todas as preocupações e exigências ambientais.
Assim, O’Leary
considerou todas e quaisquer preocupações à volta do impacto crescente da
pegada de carbono da aviação nas alterações climáticas como “lixo completo e
absoluto” (“complete and utter rubbish”). Além de confirmar que tenciona
utilizar, em plena crise da covid-19 os seus aviões completamente cheios, tipo
transporte de periferia. Isto, perante a realidade da pegada de carbono da
Ryanair que a põe ao nível da lista negra das carvoeiras polacas, levou Andrew
Murphy, o manager da European Federation for Transport and Environment, a
concluir: “When it comes to climate, Ryanair is the new coal.”
Claro que O’Leary
não é o único a tentar jogar neste binómio paradoxal: privatização maximalizada
do lucro/socialização do risco. Outros, como o famoso multimilionário e playboy
“Sir” Richard Branson, 7.ª fortuna do Reino Unido (4.7 mil milhões de libras),
dono da Virgin Atlantic, veio pedir ao Governo inglês 500 milhões de libras,
oferecendo como garantia a sua ilha privada Necker Island (destruída pelo tufão
Irma em 2017). O seu pedido foi recusado.
No meio do
devastador coronavírus, temos casos onde os dois factores que mais têm
contribuído para a alienação das cidades, o low-cost flying e as plataformas de
aluguer a turistas, se encontram. Assim, em Amesterdão, onde a Booking.com se
encontra sediada com 5500 empregados, esta plataforma, também perita em
oportunismo fiscal, veio pedir dinheiro dos contribuintes, enquanto tinha investido
14 mil milhões de dólares em buybacks das próprias acções.
Enquanto isto, a
Sibéria atinge os 38 graus centigrados e apresenta um aumento de cinco vezes do
número de incêndios permanentes, com a ameaça directa e incalculável da
libertação de gases como o metano, através do degelo do permafrost.
É totalmente
insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com
este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites. As
ajudas estatais devem ser acompanhadas de claras exigências ambientais:
impostos sobre a querosene. Desenvolvimento de combustíveis “verdes” e técnicas
alternativas. Limitação do número de voos. Limitação da expansão de aeroportos.
Taxas sobre utilizadores frequentes. Substituição dos voos domésticos e voos
até 2 horas e meia de duração por bons serviços de transportes ferroviários a
preços compatíveis. Fim de subsídios facilitadores de laxismo da consciência
ambiental.
Pois chegou a
altura de António Costa e o seu Governo fazerem um pouco de “trabalho de casa”
para dar conteúdo à pedinchice, e pensarem estrategicamente o futuro do
transporte ferroviário (que se encontra na Idade da Pedra) de passageiros no
interior do país e respectivas ligações à Europa. Dando assim uma resposta
esclarecedora às perguntas concretas e ansiedades expressas nos artigos
sucessivos de Carlos Cipriano neste jornal, que só têm obtido o mais absoluto
silêncio.
Historiador de Arquitectura
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