OPINIÃO
Portugal e o problema da corrupção – parte 3
A ida de políticos para os conselhos de administração de
grandes empresas está relacionada com o nível de corrupção do país e com a
importância das decisões governamentais em áreas altamente reguladas, como a
energia ou as telecomunicações.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
29 de Agosto de
2020, 0:05
https://www.publico.pt/2020/08/29/opiniao/opiniao/portugal-problema-corrupcao-parte-3-1929592
Há duas semanas,
foi notícia um estudo internacional da Universidade Católica que analisou 12
mil nomeações de antigos detentores de cargos públicos para lugares em grandes
empresas, em 14 países diferentes. Portugal não foi incluído, mas a conclusão é
fácil de extrapolar: a ida de políticos para os conselhos de administração de
grandes empresas está relacionada com o nível de corrupção do país e com a
importância das decisões governamentais em áreas altamente reguladas, como a
energia ou as telecomunicações.
Por isso, de cada
vez que vir ex-ministros, ex-secretários de Estado, ex-deputados,
ex-assessores, ex-embaixadores ou amigos do primeiro-ministro espalhados por
conselhos de administração, geralmente em cargos não-executivos e tantas vezes
em áreas das quais não percebem um caracol, já sabe porque é que estão lá, e
pode até citar o estudo da Católica: ou fizeram bons favores a essas empresas
no passado, ou têm os contactos certos no presente, conseguindo chegar com
rapidez a quem manda e a quem decide.
A maior parte
desses ex-políticos não são corruptos, no sentido criminal do termo. Mas fazem
parte de uma cultura de corrupção, enquanto peças fundamentais de uma economia
extractiva baseada em favores políticos.
Mais uma vez, e
como referi no meu último artigo, a questão moral é a menos interessante.
Embora o senso-comum nos diga hoje que todos os países do mundo deveriam ser
como a Suécia, a verdade é que a maior parte dos países continua a ser como
Angola, e a própria Suécia o foi durante muitos séculos. O grande milagre
político não é a lógica tribal, que leva a abocanhar o que está disponível, mas
o desenvolvimento de sociedades livres orientadas pela “mão invisível” de Adam
Smith. Em sociedades institucionalmente precárias, é óbvio que as elites açambarcam
para comprar influência, pois é isso que permite a sua perpetuação no poder
(seja ela pessoal ou partidária).
Estes problemas
agravam-se em países economicamente frágeis, como Portugal, com empresas
descapitalizadas, um Estado gargantuesco e o maná dos fundos europeus ao dispor
do poder central. Numa sociedade onde é sempre preciso mais um papel, o encosto
das empresas ao Estado é uma forma perfeitamente racional de agir. É a lei do
menor esforço: tal como a natureza é sempre económica nas suas acções, também
uma empresa procura lucrar o máximo com o esforço mínimo – e daí que contratar
um ex-ministro possa compensar vários anos de inovação ou de busca de
alternativas para o negócio.
Enquanto uma
assinatura valer mais do que uma boa ideia, haverá sempre demasiada corrupção.
O regime português promove-a de várias formas: 1) a economia está brutalmente
dependente dos favores do Estado; 2) a justiça tem falta de meios humanos e
legais; 3) o sistema partidário é dominado por grupúsculos de escassos milhares
de militantes; 4) o escrutínio mediático é frágil; 5) a sociedade civil é
demasiado passiva.
Jornalista
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