sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Portugal e o problema da corrupção – parte 3

 



OPINIÃO

Portugal e o problema da corrupção – parte 3

 

A ida de políticos para os conselhos de administração de grandes empresas está relacionada com o nível de corrupção do país e com a importância das decisões governamentais em áreas altamente reguladas, como a energia ou as telecomunicações.

 

JOÃO MIGUEL TAVARES

29 de Agosto de 2020, 0:05

https://www.publico.pt/2020/08/29/opiniao/opiniao/portugal-problema-corrupcao-parte-3-1929592

 

Há duas semanas, foi notícia um estudo internacional da Universidade Católica que analisou 12 mil nomeações de antigos detentores de cargos públicos para lugares em grandes empresas, em 14 países diferentes. Portugal não foi incluído, mas a conclusão é fácil de extrapolar: a ida de políticos para os conselhos de administração de grandes empresas está relacionada com o nível de corrupção do país e com a importância das decisões governamentais em áreas altamente reguladas, como a energia ou as telecomunicações.

 

Por isso, de cada vez que vir ex-ministros, ex-secretários de Estado, ex-deputados, ex-assessores, ex-embaixadores ou amigos do primeiro-ministro espalhados por conselhos de administração, geralmente em cargos não-executivos e tantas vezes em áreas das quais não percebem um caracol, já sabe porque é que estão lá, e pode até citar o estudo da Católica: ou fizeram bons favores a essas empresas no passado, ou têm os contactos certos no presente, conseguindo chegar com rapidez a quem manda e a quem decide.

 

A maior parte desses ex-políticos não são corruptos, no sentido criminal do termo. Mas fazem parte de uma cultura de corrupção, enquanto peças fundamentais de uma economia extractiva baseada em favores políticos.

 

Mais uma vez, e como referi no meu último artigo, a questão moral é a menos interessante. Embora o senso-comum nos diga hoje que todos os países do mundo deveriam ser como a Suécia, a verdade é que a maior parte dos países continua a ser como Angola, e a própria Suécia o foi durante muitos séculos. O grande milagre político não é a lógica tribal, que leva a abocanhar o que está disponível, mas o desenvolvimento de sociedades livres orientadas pela “mão invisível” de Adam Smith. Em sociedades institucionalmente precárias, é óbvio que as elites açambarcam para comprar influência, pois é isso que permite a sua perpetuação no poder (seja ela pessoal ou partidária).

 

Estes problemas agravam-se em países economicamente frágeis, como Portugal, com empresas descapitalizadas, um Estado gargantuesco e o maná dos fundos europeus ao dispor do poder central. Numa sociedade onde é sempre preciso mais um papel, o encosto das empresas ao Estado é uma forma perfeitamente racional de agir. É a lei do menor esforço: tal como a natureza é sempre económica nas suas acções, também uma empresa procura lucrar o máximo com o esforço mínimo – e daí que contratar um ex-ministro possa compensar vários anos de inovação ou de busca de alternativas para o negócio.

 

Enquanto uma assinatura valer mais do que uma boa ideia, haverá sempre demasiada corrupção. O regime português promove-a de várias formas: 1) a economia está brutalmente dependente dos favores do Estado; 2) a justiça tem falta de meios humanos e legais; 3) o sistema partidário é dominado por grupúsculos de escassos milhares de militantes; 4) o escrutínio mediático é frágil; 5) a sociedade civil é demasiado passiva.

 

 Como é que se abate uma cultura de corrupção? É muito difícil. Mesmo com terramotos políticos, o que costuma acontecer é a troca de uma elite predatória por outra (veja-se Itália ou o Brasil). A luta contra a corrupção ganha-se passo a passo, com melhores leis, maior liberdade económica, uma sociedade civil mais forte, e, claro, vigiando, vigiando, vigiando. Não fechar os olhos às inúmeras alarvidades que são feitas à frente do nosso nariz já é um pequeno passo. É para isso que serve o jornalismo, e é isso que se continuará a fazer por aqui.

 

Jornalista

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