quarta-feira, 1 de julho de 2020

Acordo na 25ª hora. TAP escapa à nacionalização /EDITORIAL: O pesadelo de uma TAP nacionalizada / Neeleman aceita 55 milhões para sair da TAP, mas Estado quer garantia da Azul


EDITORIAL
O pesadelo de uma TAP nacionalizada

Na TAP, o Governo esticou a corda, as suas exigências revelaram mais um carácter de imposição do que uma abertura negocial e, como prémio, vai obter uma vitória de Pirro.

MANUEL CARVALHO
2 de Julho de 2020, 6:07

A solução para a TAP continua a desenrolar-se na turbulência, mas o destino da companhia e as negociações entre o Estado e os privados hão-de decidir-se, como já aqui escrevemos, pela aplicação da lei do mais forte. Mais milhão, menos milhão, David Neeleman acabará fora da estrutura accionista; com mais ou menos jogos de cintura, Humberto Pedrosa continuará para provar ao mundo que a TAP não é uma empresa pública; com mais dez ou menos dez por cento do capital, o Estado acabará por mandar na companhia. E é aqui que a situação se vai complicar. No meio de uma crise terrível como a que vivemos, o Governo ficar no comando de uma empresa falida e sujeita a uma reestruturação dolorosa é meio caminho andado para o desastre.

Não está agora em discussão a estratégia que o Governo deve seguir depois de os privados, leia-se David Neeleman, terem recusado o seu caderno de encargos. Como disse, e bem, o ministro Pedro Nuno Santos, o Estado não podia ceder às pressões dos privados em matérias como a transformação de créditos em capital caso a TAP não pagasse o empréstimo, no reforço do seu poder no conselho executivo ou na exigência de que os empréstimos feitos pelos accionistas privados fossem transformados em capital. Mas se estes pomos da discórdia tornaram a saída de Neeleman inevitável, não é claro que o desfecho tivesse de ser este. O Governo esticou a corda, as suas exigências revelaram mais um carácter de imposição do que uma abertura negocial e, como prémio, vai obter uma vitória de Pirro.

Mesmo que Humberto Pedrosa sirva como peninha no chapéu para mostrar a natureza privada da TAP, o dono da companhia será o Estado – mesmo que por interposto gestor privado, como no tempo de Fernando Pinto. Por imposição europeia, o Governo vai ter de dar a cara por despedimentos, venda de aviões, renúncia a slots, desistência de rotas e outras medidas dolorosas. Vai ter de o fazer perante a pressão de sindicatos, o desconforto dos cidadãos e a pressão dos partidos da esquerda que apoiam o Governo. E mesmo que a gestão nomeada pelo Estado seja um primor de competência, nada garante que 1200 milhões sejam suficientes para acudir aos problemas.

Não vai ser bonito de se ver. A TAP, que é há décadas uma ferida aberta na vida do país, está a caminho de se transformar numa pústula. Estamos de acordo que, do ponto de vista estratégico, nos faz falta. Saberemos um dia se essa necessidade justificou o sacrifício político e económico que vamos ter de pagar por essa visão.  


Acordo na 25ª hora. TAP escapa à nacionalização
António Costa
4:58

As negociações prolongaram-se pela madrugada desta quinta-feira, mas a Azul abdicou da opção de converter 90 milhões de empréstimo à TAP em capital. Nacionalização afastada na 25ª hora.


Na 25ª hora, depois de longas horas de negociações pela noite e madrugada desta quinta-feira, o Governo e a companhia aérea Azul já têm um acordo de princípio que permite evitar a nacionalização da TAP, faltando apenas os últimos pormenores para o anúncio formal. A Azul, participada por David Neeleman, já terá abdicado de uma exigência do Governo, a extinção do direito de converter de 90 milhões de euros de um empréstimo feito à TAP em capital social.

Com esta condição ultrapassada, e sem nacionalização, o Estado vai passar a ter 70% da companhia, Humberto Pedrosa 25% e os trabalhadores os outros 5%. E vão chegar os 1.200 milhões de euros de ajuda pública à TAP, essenciais para a retoma da operação.

Oficialmente, nenhuma das partes faz comentários, mas diversas fontes contactadas pelo ECO já na madrugada de quinta-feira garantem que já existe um acordo de princípio. Ainda faltavam os últimos pormenores para as partes assumirem que o acordo está totalmente seguro, Mas, tudo indica, só mesmo uma rutura de última hora poderá impedir a assinatura de um acordo que evita o que estava anunciado para esta quinta-feira em conselho de ministros: A aprovação do decreto-lei de nacionalização da TAP.

Como o ECO tinha revelado em primeira mão, na sequência do acordo com a Azul, o Estado vai assim comprar 20% das ações que a Atlantic Gateway tem hoje na TAP (45%) e, em simultâneo, Pedrosa compra a participação de David Neeleman naquela sociedade, e passa a ser o acionista privado de referência. O empresário receberá 55 milhões de euros para sair da TAP e, com esta reestruturação acionista, o Estado passa a controlador da companhia, mas isso tem outra consequência. A TAP volta a ser uma empresa pública por ter mais de 50% do capital nas mãos do Estado, e passa por isso a ter impacto no défice público se o Eurostat considerar que, neste quadro, o Estado tem a gestão da empresa. Neste momento, como referiu já a Parpública nos seus relatórios, apesar do Estado ter 50%, não tem a gestão e isso permite evitar o impacto das contas da TAP no défice, mas ‘apenas’ na dívida pública.

(Em atualização)

AVIAÇÃO
Neeleman aceita 55 milhões para sair da TAP, mas Estado quer garantia da Azul

Acordo com Neeleman depende de que accionistas da Azul renunciem ao direito de converter obrigações em acções da TAP. Nacionalização não está excluída.

Ana Brito 1 de Julho de 2020, 15:48

Os accionistas da TAP já se puseram de acordo quanto à saída de David Neeleman do capital, por 55 milhões de euros, mas o Estado não abdica de que a Azul, empresa que é obrigacionista da transportadora, renuncie ao direito de converter em acções o empréstimo de 90 milhões, feito em 2016.

Assim, segundo informação recolhida pelo PÚBLICO, a solução para fazer chegar à TAP a ajuda de emergência de 1200 milhões de euros sem uma nacionalização (mas com uma reconfiguração de capital em que o Estado é maioritário e Humberto Pedrosa fica como minoritário) depende não só do acordo de Neeleman, mas daquilo que os accionistas da Azul, que é obrigacionista da TAP, decidam.

“O Estado está intransigente e não vai dar um passo atrás”, disse ao PÚBLICO fonte próxima das negociações. “A situação entre os accionistas está resolvida, mas só terá efeito se houver a garantia da Azul de que renuncia à conversão”.

O prazo é curto, atendendo a que o primeiro-ministro, António Costa, já disse esta quarta-feira que “hoje será o dia para a solução para a TAP" -  e que espera que seja uma solução “negociada com os sócios privados” - e que no capital da Azul estão, além de Neeleman e da United Airlines, fundos de investimento internacionais, geralmente pouco sensíveis às urgências de Estados soberanos.

Se o Estado chegou a pretender que a Azul convertesse em capital os 90 milhões de euros que emprestou à TAP, para ajudar à capitalização da empresa, hoje a postura é bem diferente – é a de cortar definitivamente os laços com essa companhia ligada a David Neeleman quando o empréstimo obrigacionista atingir a maturidade.

A emissão obrigacionista de 120 milhões – de que o Estado subscreveu 30 milhões de euros – vence em 2026 e o Governo quer garantir que, daqui a uns anos, se por acaso a TAP estiver em melhor situação financeira, não acaba preso a parceiros indesejados.

Na informação enviada pela Azul ao regulador do mercado de capitais norte-americano – está cotada nas bolsas de Nova Iorque e São Paulo – a companhia aérea fundada por David Neeleman nota que, a suceder, a conversão das obrigações em acções lhe garantirá uma posição de 6% na TAP e 41,25% dos dividendos que eventualmente venham a ser distribuídos.

Hoje, o Estado tem 50% da TAP, enquanto o consórcio Atlantic Gateway, formado por David Neeleman e Humberto Pedrosa, tem 45%. Os outros 5% estão nas mãos de trabalhadores da empresa.

No figurino agora acordado, e que depende da posição da Azul, o Estado poderia ficar com 70% da empresa, Pedrosa com 25%, mantendo os trabalhadores os actuais 5%.

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