A TAP em três anos: da tensão com os prémios ao cenário
da nacionalização
Passaram três anos desde que o Estado assumiu 50% do
capital da TAP. De 2017 para cá, a relação do Governo com os privados nem
sempre foi pacífica. Sobrevoamos os principais episódios.
Pedro Crisóstomo
Pedro Crisóstomo
2 de Julho de 2020, 6:10
10 de Junho de
2017
O
ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, à data líder do PSD, contesta a
escolha de Diogo Lacerda Machado, advogado e amigo pessoal de António Costa,
como vogal (administrador não executivo) do conselho de administração da TAP,
indicado pelo Estado. Passos argumenta com o facto de Machado ter participado,
enquanto consultor do Governo do PS, nas negociações da reorganização
accionista da TAP.
30 de Junho de
2017
É concluída a
recompra da TAP SGPS. Com a privatização de 2015, o consórcio privado Atlantic
Gateway adquirira 61% das acções, tendo o Estado ficado com uma posição de 39%
(através da Parpública). Depois das negociações de 2017, o Estado sobe a
participação para 50%. O consórcio formado pelos empresários Humberto Pedrosa e
David Neeleman baixa para 45%. Os restantes 5% pertencem a trabalhadores que
entretanto haviam participado na Oferta Pública de Venda (OPV). O Estado passa
a nomear seis dos 12 membros do conselho de administração, mas não está
representado na comissão executiva. Miguel Frasquilho é presidente (não
executivo) do conselho de administração.
31 de Janeiro de
2018
Antonoaldo Neves,
ex-presidente executivo da Azul (de David Neeleman), assume a liderança da
transportadora, depois de cerca de meio ano como administrador executivo.
20 de Junho de
2018
Uma auditoria do
Tribunal de Contas à “reprivatização e recompra da TAP” (de 2015 e de 2017)
conclui que as “sucessivas alterações contratuais” agravaram as
responsabilidades do Estado com a companhia.
6 de Junho de
2019
A atribuição de
prémios de 1,17 milhões a 180 trabalhadores da companhia, que registara em 2018
prejuízos de 118 milhões de euros, abre um conflito na praça pública entre os
privados e o Governo. O Ministério das Infra-estruturas, liderado por Pedro
Nuno Santos, acusa a gestão de Antonoaldo Neves de ter tomado uma decisão à
revelia, invoca “quebra de confiança” e fala mesmo em “desrespeito”. António
Costa toma posição no mesmo sentido. Os membros da administração indicados pelo
Estado convocam uma reunião extraordinária para analisar a atribuição dos
prémios.
7 de Junho de
2019
Os representantes
do Estado afirmam que fizeram saber à comissão executiva, numa reunião a 21 de
Março, que “se opunham em absoluto à atribuição de prémios”.
8 de Junho de
2019
Marcelo Rebelo de
Sousa afirma: “O Estado tem metade do capital da TAP, deve acompanhar
atentamente a gestão da TAP.” Horas depois, a companhia reconhece que houve um
“mal-entendido” sobre a deliberação da reunião de Março.
30 de Março de
2020
Em plena
pandemia, com a suspensão de ligações aéreas a afectar as contas das companhias
aéreas por todo o mundo, a TAP avança para layoff de pilotos. Já antes decidira
não renovar contratos.
29 de Abril de
2020
O ministro das
Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, vai ao Parlamento e troca argumentos com o
deputado do CDS João Gonçalves Pereira sobre o futuro da transportadora e as
consequências do modelo de intervenção na estrutura accionista. Admite uma
intervenção na companhia de “elevadíssima dimensão”, dizendo que 350 milhões de
euros (o valor das garantias que a TAP pedira ao Estado para possíveis
operações de financiamento) “não resolvem o problema”. Aí, endurece as palavras
para com o deputado do CDS. O episódio corre nas redes sociais: “E se a empresa
não puder pagar, o empréstimo é de quem? O empréstimo é de quem? Não precisa de
lá ir, que eu digo-lhe… É o povo português que paga. É o povo português que
paga. Percebe? E se é o povo português que paga, é bom que seja o povo
português a mandar. Ou acha que não? Que deve ser o povo português a pagar, mas
deve ser o accionista privado a fazer o que quer com o dinheiro do povo
português?”, afirma Pedro Nuno Santos.
2 de Maio de 2020
João Gonçalves
Pereira atira-se às “declarações agressivas” do ministro, apontando
“contradições” entre as posições de Costa e as de Pedro Nuno Santos.
7 de Maio de 2020
Depois do eco da
intervenção do ministro, Costa toma a palavra. O assunto chega ao debate
quinzenal. O primeiro-ministro afirma: “O Estado não meterá — nem sob a forma
de garantia, injecção de capital ou empréstimo — um cêntimo que seja na TAP sem
que isso signifique mais controlo e uma relação de poderes adequada a esse
apoio que vier a conceder”.
13 de Maio de
2020
O Governo pede à
administração da TAP SGPS que reforce até ao final desse mês a “fundamentação
técnica” do pedido de auxílio ao Estado.
26 de Maio de
2020
O plano de retoma
de parte da operação gera descontentamento entre os autarcas do Norte,
obrigando a companhia a rever o plano dos voos. Costa reage à decisão da
administração. “Só me posso regozijar que quem erra emende o erro. Isso não
merece censura; pelo contrário, merece regozijo”, diz, citado pela Lusa.
10 de Junho de
2020
A Comissão
Europeia aprova o plano apresentado pelo Governo para conceder à TAP SGPS um
empréstimo de emergência de 1200 milhões de euros, para a companhia “fazer face
às necessidades imediatas de liquidez, com vista a preparar um plano para a
viabilidade da empresa a longo prazo”. Bruxelas lembra que a companhia “já
estava confrontada com dificuldades financeiras antes do surto de coronavírus,
ou seja, em 31 de Dezembro de 2019”.
20 de Junho de
2020
A Associação
Comercial do Porto anuncia que apresentou em tribunal uma providência cautelar
para travar a injecção.
29 de Junho de
2020
Os seis
administradores do consórcio privado abstêm-se na votação da proposta
apresentada pelo Estado (impedindo, na prática, a sua aprovação) para a
companhia aceder ao empréstimo. O desfecho seria conhecido na manhã seguinte,
com o cenário da nacionalização a ser ventilado pela imprensa.
30 de Junho de 2020
Pedro Nuno Santos
está no Parlamento para ser ouvido na comissão parlamentar. É o tema do dia,
incontornável, com o governante a abrir a porta àquela possibilidade. “Se o
privado não aceitar as condições do Estado português, nós teremos de
intervencionar a empresa, nacionalizar a empresa”, afirma, dizendo que “deixar
cair” a companhia “seria um desastre económico e social”.
tp.ocilbup@omotsosirc.ordep
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