quarta-feira, 1 de julho de 2020

A TAP em três anos: da tensão com os prémios ao cenário da nacionalização



A TAP em três anos: da tensão com os prémios ao cenário da nacionalização

Passaram três anos desde que o Estado assumiu 50% do capital da TAP. De 2017 para cá, a relação do Governo com os privados nem sempre foi pacífica. Sobrevoamos os principais episódios.

Pedro Crisóstomo
Pedro Crisóstomo 2 de Julho de 2020, 6:10

10 de Junho de 2017
O ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, à data líder do PSD, contesta a escolha de Diogo Lacerda Machado, advogado e amigo pessoal de António Costa, como vogal (administrador não executivo) do conselho de administração da TAP, indicado pelo Estado. Passos argumenta com o facto de Machado ter participado, enquanto consultor do Governo do PS, nas negociações da reorganização accionista da TAP.

30 de Junho de 2017
É concluída a recompra da TAP SGPS. Com a privatização de 2015, o consórcio privado Atlantic Gateway adquirira 61% das acções, tendo o Estado ficado com uma posição de 39% (através da Parpública). Depois das negociações de 2017, o Estado sobe a participação para 50%. O consórcio formado pelos empresários Humberto Pedrosa e David Neeleman baixa para 45%. Os restantes 5% pertencem a trabalhadores que entretanto haviam participado na Oferta Pública de Venda (OPV). O Estado passa a nomear seis dos 12 membros do conselho de administração, mas não está representado na comissão executiva. Miguel Frasquilho é presidente (não executivo) do conselho de administração.

31 de Janeiro de 2018
Antonoaldo Neves, ex-presidente executivo da Azul (de David Neeleman), assume a liderança da transportadora, depois de cerca de meio ano como administrador executivo.

20 de Junho de 2018
Uma auditoria do Tribunal de Contas à “reprivatização e recompra da TAP” (de 2015 e de 2017) conclui que as “sucessivas alterações contratuais” agravaram as responsabilidades do Estado com a companhia.

6 de Junho de 2019
A atribuição de prémios de 1,17 milhões a 180 trabalhadores da companhia, que registara em 2018 prejuízos de 118 milhões de euros, abre um conflito na praça pública entre os privados e o Governo. O Ministério das Infra-estruturas, liderado por Pedro Nuno Santos, acusa a gestão de Antonoaldo Neves de ter tomado uma decisão à revelia, invoca “quebra de confiança” e fala mesmo em “desrespeito”. António Costa toma posição no mesmo sentido. Os membros da administração indicados pelo Estado convocam uma reunião extraordinária para analisar a atribuição dos prémios.

7 de Junho de 2019
Os representantes do Estado afirmam que fizeram saber à comissão executiva, numa reunião a 21 de Março, que “se opunham em absoluto à atribuição de prémios”.

8 de Junho de 2019
Marcelo Rebelo de Sousa afirma: “O Estado tem metade do capital da TAP, deve acompanhar atentamente a gestão da TAP.” Horas depois, a companhia reconhece que houve um “mal-entendido” sobre a deliberação da reunião de Março.

30 de Março de 2020
Em plena pandemia, com a suspensão de ligações aéreas a afectar as contas das companhias aéreas por todo o mundo, a TAP avança para layoff de pilotos. Já antes decidira não renovar contratos.

29 de Abril de 2020
O ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, vai ao Parlamento e troca argumentos com o deputado do CDS João Gonçalves Pereira sobre o futuro da transportadora e as consequências do modelo de intervenção na estrutura accionista. Admite uma intervenção na companhia de “elevadíssima dimensão”, dizendo que 350 milhões de euros (o valor das garantias que a TAP pedira ao Estado para possíveis operações de financiamento) “não resolvem o problema”. Aí, endurece as palavras para com o deputado do CDS. O episódio corre nas redes sociais: “E se a empresa não puder pagar, o empréstimo é de quem? O empréstimo é de quem? Não precisa de lá ir, que eu digo-lhe… É o povo português que paga. É o povo português que paga. Percebe? E se é o povo português que paga, é bom que seja o povo português a mandar. Ou acha que não? Que deve ser o povo português a pagar, mas deve ser o accionista privado a fazer o que quer com o dinheiro do povo português?”, afirma Pedro Nuno Santos.

2 de Maio de 2020
João Gonçalves Pereira atira-se às “declarações agressivas” do ministro, apontando “contradições” entre as posições de Costa e as de Pedro Nuno Santos.

7 de Maio de 2020
Depois do eco da intervenção do ministro, Costa toma a palavra. O assunto chega ao debate quinzenal. O primeiro-ministro afirma: “O Estado não meterá — nem sob a forma de garantia, injecção de capital ou empréstimo — um cêntimo que seja na TAP sem que isso signifique mais controlo e uma relação de poderes adequada a esse apoio que vier a conceder”.

13 de Maio de 2020
O Governo pede à administração da TAP SGPS que reforce até ao final desse mês a “fundamentação técnica” do pedido de auxílio ao Estado.

26 de Maio de 2020
O plano de retoma de parte da operação gera descontentamento entre os autarcas do Norte, obrigando a companhia a rever o plano dos voos. Costa reage à decisão da administração. “Só me posso regozijar que quem erra emende o erro. Isso não merece censura; pelo contrário, merece regozijo”, diz, citado pela Lusa.

10 de Junho de 2020
A Comissão Europeia aprova o plano apresentado pelo Governo para conceder à TAP SGPS um empréstimo de emergência de 1200 milhões de euros, para a companhia “fazer face às necessidades imediatas de liquidez, com vista a preparar um plano para a viabilidade da empresa a longo prazo”. Bruxelas lembra que a companhia “já estava confrontada com dificuldades financeiras antes do surto de coronavírus, ou seja, em 31 de Dezembro de 2019”.

20 de Junho de 2020
A Associação Comercial do Porto anuncia que apresentou em tribunal uma providência cautelar para travar a injecção.

29 de Junho de 2020
Os seis administradores do consórcio privado abstêm-se na votação da proposta apresentada pelo Estado (impedindo, na prática, a sua aprovação) para a companhia aceder ao empréstimo. O desfecho seria conhecido na manhã seguinte, com o cenário da nacionalização a ser ventilado pela imprensa.

30 de Junho de 2020
Pedro Nuno Santos está no Parlamento para ser ouvido na comissão parlamentar. É o tema do dia, incontornável, com o governante a abrir a porta àquela possibilidade. “Se o privado não aceitar as condições do Estado português, nós teremos de intervencionar a empresa, nacionalizar a empresa”, afirma, dizendo que “deixar cair” a companhia “seria um desastre económico e social”.

tp.ocilbup@omotsosirc.ordep

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