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EDITORIAL
SNS e o prémio da Champions
Se uma nova vaga do vírus aparecer no Outono, vai o país
dar-se ao luxo de voltar a “fechar” os hospitais? Como lidar com a covid-19 e
aguentar o SNS?
ANA SÁ LOPES
20 de Junho de
2020, 5:30
Não há coisa mais
deprimente no sistema político português que o ar basbaque dos nossos
responsáveis a lidarem com o tema futebol, nomeadamente com “desígnios
nacionais” como a realização da Champions em Lisboa. A cerimónia pomposa no
Palácio de Belém, com Presidente da República, primeiro-ministro, presidente da
Câmara de Lisboa e presidente da Federação Portuguesa de futebol não deixou de
ser um acto com travo terceiro-mundista. Outra pérola foi o Presidente a
relatar a excitação do primeiro-ministro a comunicar-lhe a notícia. É verdade
que vivemos tempos bipolares (vírus, confinamento, medo, pânico,
desconfinamento, desconfinamento à bruta, início da fase “quero lá saber” em
alguns sectores, mais casos em Lisboa), e em tempos bipolares é preciso alguma
paciência.
Obviamente que se
reconhece a importância de, nesta conjuntura em que o sector vital do turismo
está afogado numa crise, se realizar em Portugal uma prova desportiva como
esta. É bom, traz gente, “normaliza” qualquer coisa num Verão que parece
perdido em termos de turismo externo. Mas daí a classificar o feito como
“irrepetível, é uma vez na vida”, como o fez um sobreexcitado Marcelo, ou uma
espécie de “prémio ao SNS”, como disse António Costa, é ir um bocadinho para
fora de pé. A realização da Champions é também um “prémio merecido para
profissionais do Serviço Nacional de Saúde”. A sério? Os médicos e enfermeiros
que dão o tudo por tudo na crise da covid-19 – e que já davam num Serviço
Nacional de Saúde sobrelotado e subfinanciado – dispensam como “prémios” que um
organismo internacional escolha Portugal para a realização de uma grande prova
futebolística. O que a pandemia veio ensinar é que o SNS tem escassos recursos
e que para gerir a crise da covid-19 teve de adiar uma quantidade gigante de
exames de diagnóstico, nomeadamente de cancro, que podem significar a prazo a
vida ou a morte de cada doente. Se uma nova vaga do vírus aparecer no Outono –
e a presente vaga ainda não acabou, como provam os números, particularmente de
Lisboa –, vai o país dar-se ao luxo de voltar a “fechar” os hospitais? Como
lidar com a covid-19 (que deverá ficar pelo menos ano e meio entre nós, fazendo
contas optimistas à descoberta de uma vacina) e aguentar o SNS? Ora, o “prémio”
para os profissionais de saúde e para os portugueses no seu todo é arranjar
forma de dar resposta a estas questões. Para já, não se está a ver como, apesar
das melhorias orçamentais. Uma Champions é uma Champions é uma Champions. É
preciso ter noção, se de mais nada, do ridículo.


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