terça-feira, 23 de junho de 2020

O estado de alarme está de volta / Coimas de 120 a 350 euros a quem participar em ajuntamentos além do permitido

IMAGEM DE OVOODOCORVO


EDITORIAL
O estado de alarme está de volta

Foi pena esta reacção do Governo não ter acontecido há um mês, quando os números de Lisboa mostravam já sem margem para dúvidas que algo estava a correr mal. Mas pior do que um erro de avaliação é virar a cara à realidade e persistir nele.

MANUEL CARVALHO
23 de Junho de 2020, 5:30

O Governo voltou a olhar com olhos de ver o problema da covid-19 e depois da série de medidas que anunciou nesta segunda-feira após uma reunião com autarcas vamos poder recordar algumas das discussões do estado de emergência. Serão as medidas proporcionais? Haverá legitimidade para se imporem medidas severas que restringem direitos básicos dos cidadãos, como o de reunião? Vai ainda ser possível encontrar novos focos de discussão, como o que levanta perguntas sobre a inexistência de cercas sanitárias como a que houve em Ovar ou sobre os custos políticos para o Governo, que andou semanas a virar a cara à realidade e agora tem de correr atrás do prejuízo. Mas por muito atendíveis ou complexas que sejam todas estas perguntas, dúvidas ou opiniões, o Governo fez o que tinha de fazer: reconheceu que a situação na região de Lisboa é grave e adoptou medidas para a debelar.

Vivemos tempos duros, ansiosos e novos. Temos de estar preparados para lidar com um vírus e com uma crise que não vêm nos livros, em que tudo exige experiência, aprendizagem e erros. Mas entre o confinamento rigoroso e o desconfinamento relaxado, sentiu-se por parte dos poderes públicos uma descontinuidade que denunciava uma óbvia falta de coerência. Numa semana, o primeiro-ministro avisava que a experiência da abertura podia ser revertida a qualquer momento, na seguinte pedia às pessoas para virem para a rua; num momento, o Governo alertava para os perigos das concentrações, no seguinte as televisões mostravam António Costa e o Presidente na praia. Com o anúncio desta segunda-feira, o Governo regressa à sua primeira narrativa.

Faz bem. Porque ao disponibilizar meios para reforçar as condições de transporte das pessoas das zonas mais afectadas, ao mobilizar as forças da autoridade para operações dissuasórias, ao dar as mãos às autarquias para aumentar a protecção nos bairros ou ao restringir os horários do comércio obriga a comunidade a reflectir sobre a dimensão do problema com que se confronta e a reforçar as precauções. Não está em causa o desconfinamento, mas sim a forma como o país tem de o encarar. Não em estado de lassidão, mas em estado de alarme.

Foi pena esta reacção não ter acontecido há um mês, quando os números de Lisboa mostravam já sem margem para dúvidas que algo estava a correr mal. Mas pior do que um erro de avaliação é virar a cara à realidade, que aqui criticámos, e persistir nele. Com o regresso de medidas de excepção para acudir a uma situação de excepção, será mais fácil consciencializar todas as pessoas para uma evidente e infeliz realidade: ainda é cedo para vivermos como gostaríamos de de poder viver.

Coimas de 120 a 350 euros a quem participar em ajuntamentos além do permitido

Em alguns concelhos e freguesias da zona de Lisboa, o acompanhamento da pandemia pelos serviços de saúde será presencial. Em toda a área metropolitana há retrocesso e horários restritos no comércio, sobretudo de bebidas alcoólicas. Em todo o país as forças de segurança vão passar da pedagogia à notificação e autuação.

São José Almeida e Liliana Borges 23 de Junho de 2020, 0:17

As coimas variam entre 120 e 350 euros para quem for detectado pelas forças de segurança, em todo o território nacional, a desrespeitar as normas de saúde pública de prevenção e combate à covid-19, soube o PÚBLICO. A medida entra em vigor a partir de domingo e ficará estipulada no decreto que irá extinguir a situação de calamidade em todo o país, à excepção de concelhos e freguesias da Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Já às zero horas desta terça-feira, entram em vigor normas específicas para alguns concelhos e freguesias da AML. Em causa estão os concelhos de Amadora, Loures, Odivelas, Sintra e Lisboa, cujos presidentes de câmara se reuniram nesta segunda-feira de manhã com o primeiro-ministro, que no final da reunião afirmou, em conferência de imprensa, ter sido “consensual entre todos que a situação de calamidade irá continuar em determinadas freguesias e concelhos”.

Em causa estão dois concelhos na íntegra e freguesias que pertencem a outros três concelhos da AML. O primeiro-ministro assumiu que Amadora e Odivelas continuarão em regime de situação de calamidade. O PÚBLICO sabe que esta decisão foi exigida pelos próprios autarcas, devido à densidade populacional e às características da malha urbana.

Em declarações ao PÚBLICO, a presidenta da Câmara da Amadora, Carla Tavares, elogiou os resultados das decisões tomadas no encontro, que considera indispensáveis para o sucesso do combate ao aumento de casos. “Estamos muito satisfeitos com as conclusões da reunião de trabalho”, resumiu a autarca socialista. Carla Tavares considerou que o encontro com o primeiro-ministro foi “profícuo” e disse ter a expectativa de que o reforço das medidas, “absolutamente necessárias”, ajude a reduzir o nível de contágio.

Em Sintra, são seis as freguesias que se mantêm em situação de calamidade. A medida obedece à lógica do eixo da mobilidade ferro-rodoviária, ou seja, da linha de comboio e do IC19. De fora fica a Sintra litoral, rural e histórica. Assim, ficam com medidas de excepção as freguesias de Queluz-Belas, Massamá-Monte Abraão, Agualva-Mira Sintra, Algueirão-Mem Martins, Rio de Mouro e Cacém-São Marcos.

No fundo, são zonas residenciais de muitas pessoas que andam de transportes públicos e que trabalham em limpezas ou obras de construção civil. Daí que o primeiro-ministro tenha anunciando a intensificação da fiscalização em estaleiros da construção civil e no transporte de trabalhadores deste sector.

Esta conclusão está associada a uma outra, a de que o padrão de contaminação identificado nos últimos dias na AML, e assumido na reunião, consiste em que, em primeiro lugar está a contaminação em casa, por alguém que contrai o vírus no trabalho ou nos transportes, só depois vêm os comportamentos de convívio social, mesmo entre jovens.

A prioridade dada aos transportes colectivos rodoviários na AML foi assumida pelo primeiro-ministro na conferência de imprensa, na qual lembrou estar inscrita no Orçamento Suplementar uma verba destinada a reforçar a contratação de transportes rodoviários. Quando a maioria do sector é de empresas privadas, que aderiram praticamente todas ao layoff -embora tenham reduzido o serviço, nalguns casos, em perto de 50%, como garantiu ao PÚBLICO um presidente de câmara -, o Governo espera que haja “sentido de interesse nacional” por parte dos operadores. Ou seja, que aceitem negociar e reforçar as rotas desde já, para reduzir lotações, mesmo que só recebam do Estado o pagamento após o Orçamento Suplementar estar em vigor.

O caso que ficou em aberto na reunião da manhã foi o de Lisboa. Uma freguesia da capital que estará certamente incluída é a de Santa Clara (antiga Musgueira e Ameixoeira), no fundo uma zona que é contigua à cintura periférica onde os surtos persistem. Já o Lumiar deverá ficar de fora, uma vez que o surto que aí existe está limitado ao Lar dos Inválidos do Comércio.

Como sublinhou o primeiro-ministro na conferência de imprensa após a reunião, “em algumas freguesias, o número de casos tem que ver em locais já em si confinados, como são os lares”. E justificou: “Temos de pensar se vale a pena adoptar uma restrição para a freguesia, tendo em conta que se deve a um surto localizado”.

Mais presença
Para melhorar o acompanhamento dos casos, o Governo irá também apostar na georreferenciação, de modo a monitorizar melhor a situação de potenciais contágios. Este método tem sido utilizado pela Câmara de Loures, desde que o seu presidente, Bernardino Soares, foi a isso autorizado a 1 de Junho, na reunião que manteve com a ministra da Saúde Marta Temido. Aliás, Loures, tem diminuído as zonas de contaminação e reduziu-as a duas freguesias.


Neste plano de acompanhamento das zonas críticas da AML, o primeiro-ministro, anunciou o programa Bairros Saudáveis, que visa diminuir os prazos de notificação de resultados laboratoriais e dos inquéritos epidemiológicos. Será também assegurada a visita mais assídua e regular de equipas mistas de elementos da autarquia, dos serviços de saúde, da Segurança Social, da Protecção Civil e das Forças de Segurança - ou mesmo das Forças Armadas, afirmou um membro do Governo ao PÚBLICO -, aos domicílios de pessoas contaminadas com covid-19, em confinamento obrigatório ou em quarentena, por estarem inseridas em cadeias de transmissão. Até aqui estas visitas têm sido feitas, pelo menos no município de Loures e Amadora, por decisão das respectivas câmaras, depois da reunião de 1 de Julho com a ministra da Saúde.

O reforço do acompanhamento médico nestas zonas, libertando-os de outras, foi assumido pelo primeiro-ministro, na conferência de imprensa: “Serão adoptadas medidas que permitam libertar os profissionais de saúde pública para visitas domiciliárias a quem está sob confinamento ou em regime de vigilância.”

Depois de ter sido autorizado o ajuntamento de 20 pessoas, com a entrada em vigor da situação de calamidade em todo o país, a AML volta ao limite das dez pessoas.

Também em toda a Área Metropolitana de Lisboa, o comércio vai ter como hora limite de fecho as 20h. Só os restaurantes poderão continuar a servir até as 23h, mas apenas refeições. Ou seja, mesmo nos restaurantes as bebidas alcoólicas só podem ser servidas no contexto do jantar. Isto, porque a venda de bebidas alcoólicas, após as 20h passa a ser proibida em toda a AML.

A interdição de venda está associada à proibição de consumo de bebidas alcoólicas na via pública. Depois das 20h passa a ser proibida. Para garantir que esta medida será respeitada, as forças de segurança, PSP e GNR, serão dotadas de um reforço de poder de autuação.

Reforço das autoridades
A nível nacional os ajuntamentos continuam a poder ter até 20 pessoas. Mas há uma clara afirmação da autoridade do Estado: o reforço da intervenção das forças de segurança, a PSP e a GNR. Os agentes passarão de uma atitude pedagógica, que incentivava o recolhimento em casa e a obediência ao distanciamento social, à atitude mais musculada de identificar, para posterior notificação, dos cidadãos que tiverem comportamentos de risco de contágio da comunidade.

Agravadas medidas de vigilância em 15 freguesias da Área Metropolitana de Lisboa

Daí que o Governo vá aprovar legislação de forma a que as forças de segurança possam aplicar coimas aos prevaricadores. Essas coimas estarão equiparadas às que são aplicadas nos transportes públicos a quem viaje sem máscara. Serão também de 120 a 350 euros. Mas que podem ir até 600 euros em relação a pessoas colectivas. Será mantida a norma de que serão fechados os estabelecimentos públicos que não respeitem as normas de saúde pública e de distanciamento social.

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