OPINIÃO
Carta aberta ao primeiro-ministro e às cidadãs e cidadãos
Temos verificado que os poderes e autoridades
responsáveis não se têm revelado capazes de entender o que esta crise veio
ensinar, nem capazes de alterar os procedimentos e a política falaciosa em
termos ambientais que esteve sempre a ser promovida.
António Eloy Fernando
Santos Pessoa João Reis Gomes Jorge Paiva José Carlos Costa Marques Maria
Amélia Martins-Loução Paulo Trancoso
30 de Junho de
2020, 0:30
Os subscritores
desta Carta, na sua já longa vida, têm-se dedicado à defesa do Ambiente, da
Conservação da Natureza e da Qualidade de Vida para os portugueses;
independentemente de partidos políticos, somos cidadãos activos que acreditam
que a gestão da polis compete aos seus habitantes, esses os verdadeiros
políticos. Acreditamos que os partidos são fundamentais à democracia mas que
esta não se esgota neles, por isso a cidadania activa é também um factor
estruturante da mesma democracia.
Neste período
difícil da nossa vida colectiva, em que a pandemia nos atacou subtilmente e
tentou alterar os nossos hábitos quotidianos, também pudemos aprender que é
necessário na verdade alterar muitos dos comportamentos e dos critérios
economicistas que têm presidido à vida dos povos em todo o mundo, para nós com
especial ênfase na Europa e no nosso Portugal. Nenhum país estava na verdade
preparado para enfrentar de súbito uma situação de tão grave pandemia e temos
humildemente que louvar e homenagear o esforço de todos os profissionais que
têm contribuído para tornar menos difícil aquilo que já é de si muito difícil.
Como cidadãos,
temos verificado que os poderes e autoridades responsáveis, quer no plano
central quer no local, não se têm revelado capazes de entender o que esta crise
veio ensinar, nem capazes de alterar os procedimentos e a política falaciosa em
termos ambientais que esteve sempre a ser promovida com beneplácito geral.
O que globalmente
foi exposto pela situação criada pela pandemia, a nível mundial, foi a
gravidade dos problemas ambientais, a perda acelerada de biodiversidade, a
falta de preparação para enfrentar as inevitáveis alterações climáticas, tudo
consequências da globalização e do tipo de economia que esta tem promovido e
que se tem implantado em todo o mundo onde as regras são ditadas pelo mercado e
os governos se pautam pela subserviência aos grandes grupos
económico-financeiros que actuam sem rosto nem alma. E em Portugal não se fugiu
à regra.
A despoluição
trazida ao planeta com a diminuição de certas formas de produção e com a redução dos transportes poluentes
veio também provar que, se houver vontade política mundial, é possível salvar a
vida na Terra. E cada um de nós, por si e como povo, pode e deve fazer o que
for capaz para atingir esse objectivo. Com o confinamento e a enorme redução de
actividade humana, ficou patente que é preciso redefinir a economia,
transformando-a de força cega ao serviço de minorias poderosas e sem escrúpulos
perante a situação humanitária e a pilhagem desenfreada de recursos da Terra,
em uma economia assente nos princípios ecológicos e a estes subordinada, e não
o contrário.
A Política de
Ambiente como matriz
Entendemos que um
governo democrático, nesta época de alterações climáticas, perda de
biodiversidade, extinção em massa de espécies causada pelos seres humanos e de
degradação geral do ambiente, deve essencialmente eleger a Política de Ambiente
como a matriz de todas as demais políticas sectoriais, um Ministério do
Ambiente deve ser o primeiro a zelar por que os outros ministérios assumam
políticas de respeito pelo território e pela natureza, e a «incomodar» o bastante
para que as directivas ambientais sejam consideradas prioritárias, por muito
que isso desagrade a grupos e a lobbies.
Para isso
defendemos uma lógica de governação e uma prática quotidiana de efectivo
respeito pelos ditames da defesa do Ambiente.
- A Conservação
da Natureza e das Paisagens foi um dos primeiros objectivos da política de
Ambiente institucionalizada em Portugal, que culminou com a criação do Sistema
das Áreas Protegidas e depois com a adesão à Rede Natura 2000, as quais
permitiram salvaguardar um valioso património natural e cultural e defender a
biodiversidade de ecossistemas muito sensíveis. Desde há anos que as áreas
protegidas têm vindo a perder qualidade
na sua gestão e a divorciarem-se das populações locais que deveriam ser as
primeiras beneficiárias directas de uma boa gestão. Exige-se da governação uma
Política de Ambiente que reponha a dignidade e a importância a que as Áreas
Protegidas têm jus.
Avaliação de
Impacte Ambiental deve ser independente
- Não podemos
continuar a pactuar com simulações de decisões que afectam o Ambiente e a
qualidade de vida bem como o fundo de fertilidade do território, com usos e
abusos de Estudos de Impacte Ambiental que são repetidos até que um dê a
decisão que convém aos interesses económicos em causa. Esses estudos, quase
sempre, e as decisões neles baseadas, têm revelado desprezo pelos valores
ecológicos, naturais e paisagísticos em vez de os defenderem, sujeitos que
estão aos interesses dos promotores dos empreendimentos a que se referem; as
avaliações de impacte ambiental a que dão origem não têm de modo geral revelado
nem independência nem imparcialidade e já ninguém pode seriamente acreditar que
respeitam e defendem aqueles valores.
- É necessário
assumir compromissos éticos e fazer chegar à população uma certeza permanente
de actuação conforme à salvaguarda da qualidade de vida.
- É preciso
assumir uma posição firme face a Espanha e obter sem mais adiamentos o
encerramento da central nuclear de Almaraz a qual, a 100 km da nossa fronteira,
constitui uma autêntica bomba atómica pronta a rebentar sem aviso. Quando
ocorrer o previsível acidente – não se trata de se mas de quando – as lágrimas
depois serão derramadas em vão. A Espanha não tem o direito de ignorar Portugal
no caso de uma central nuclear que já ultrapassou em muito o seu tempo de vida e
o governo português não pode limitar-se a esperar silenciosamente que os
espanhóis decidam como entendem.
Aeroporto no
Montijo, um erro crasso?
- É preciso ter a
coragem de mandar executar uma Avaliação Estratégica Ambiental para definir a
mais correcta localização para um aeroporto definitivo de que Lisboa precisa. O
tráfego aéreo não voltará a ser o mesmo, irá em decrescendo; no Japão já rolam
comboios a 600 km/hora, sem poluição alguma, o futuro vem aí sem muitos aviões.
A urgência de um novo aeroporto afigura-se menos premente agora – continuar a
insistir na opção Montijo é um erro crasso. Acresce que a zona em questão é um
local de grande presença da avifauna. Ora já várias vezes se registou a entrada
de aves para os motores de aviões e em caso de aproximação à pista podem
acontecer situações fatais.
- O Governo e os
demais poderes instituídos estão a assumir uma tremenda responsabilidade pelos
acidentes que venham a ocorrer no Montijo se esta opção de aeroporto for por
diante. E perante a Europa, que cada vez mais se preocupa com o Ambiente e a
Conservação da Natureza, a construção dum aeroporto internacional no estuário
do Tejo dará de Portugal uma péssima imagem. Haja a coragem – porque sabemos
que é necessária coragem – para romper com possíveis compromissos que amarram o
Governo a uma opção por motivos meramente comerciais e dos interesses de uma
empresa hegemónica.
Da ignissilva à
floresta nativa
- A situação da
gestão florestal complica-se de ano para ano, e são investidos milhões e
milhões de euros todos os anos para tentar reparar os estragos que resultaram,
pura e simplesmente, de terem sido desmantelados os Serviços Florestais e a
estrutura implantada no território, como existe em praticamente todo o mundo,
com administrações florestais e postos e casas de guardas florestais.
Reconhecer que foi errado é honroso, pois além de ter sido uma sujeição à
indústria da celulose e aos promotores da eucaliptação (que se baseou numa
espécie invasora, cuja expansão se fez
sem critério seguro, não favorável à biodiversidade e inibidora do
desenvolvimento da flora autóctone), foi uma decisão profundamente lesiva do
interesse nacional – reconhecer isso seria um passo de grande dignidade que o
Governo poderia dar para preparar de vez uma solução para futuro, face ao
desastre que está a ser a gestão e a defesa das áreas florestais.
- Agora que as
autoridades lançam um Programa de Transformação da Paisagem, chegou a hora de
reconhecer o papel nefasto da «ignissilva», uma «floresta» assente em duas
espécies grandemente vulneráveis ao fogo e amontoadas em territórios
extensíssimos e em realidade quase sempre ao abandono. É necessário caminhar
para a reconstituição gradual e faseada de largos trechos de floresta
autóctone, assente em espécies nativas, com destaque para o sobreiro e para
diversos tipos de carvalho, com rendimentos que podem ser superiores aos de
outras espécies mais inflamáveis. Esse ressurgimento florestal nativo terá
consequências positivas também no domínio da água, da resistência à
desertificação, da qualidade de vida, do turismo equilibrado, que são
monetariamente incalculáveis mas reais. Essa orientação deverá constituir um
dos eixos de qualquer política destinada ao interior, juntamente e em simbiose
com o renascimento da actividade agrícola de qualidade e ambientalmente não
agressiva, o que lamentavelmente é quase sempre silenciado e marginalizado face
a programas que não conseguem conceber o interior senão como uma réplica
envergonhada das zonas mais urbanizadas e industrializadas.
- Grande parte do
abandono do interior português e, de modo geral, do mundo rural, deve-se a não
ter sido implementado o devido apoio à pequena e média agricultura, tendo sido
extintos os serviços de Extensão Rural que poderiam ter criado o incentivo para
a chegada de novos agricultores; ninguém mais se interessou de forma empenhada
pela valorização da investigação e da experimentação agrícolas que são
indispensáveis à revitalização do sector agroflorestal ameaçado pelas
alterações climáticas, como temos esperado em vão de um Governo que se quer
democrático e progressista.
Os signatários
propõem às autoridades e à sociedade portuguesas estas pistas e orientações,
como um contributo para tornar Portugal um país mais universalista,
ambientalmente mais equilibrado e saudável, no qual seja possível atenuar e
superar as circunstâncias que levaram às fragilidades e incapacidades reveladas
pela actual crise sanitária.
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