OPINIÃO
Lei dos Sefarditas entregou Portugal numa bandeja
Em 1497, alguns judeus sefarditas, por firme convicção
religiosa, abandonaram Portugal, com dignidade. Não permitamos que outros se
aproveitem da sua memória e aviltem os seus sagrados valores.
Paulo de Morais
29 de Junho de
2020, 0:15
A Lei da
Nacionalidade, que veio permitir a descendentes de judeus sefarditas adquirir
nacionalidade portuguesa, sem quaisquer limites, é uma lei bondosa, com
pressupostos generosos; concede a nacionalidade aos “herdeiros” dos judeus
expulsos por D. Manuel I em 1497. Mas, na prática, esta Lei tem-se revelado um
erro crasso, pois transformou-se num incentivo ao tráfico descontrolado de
passaportes.
Quando D. Manuel
expulsou os judeus sefarditas não imaginaria certamente que, mais de 500 anos
volvidos, ainda se sentiriam efeitos dessa sua retumbante decisão. À época,
aquando da publicação do édito de expulsão, a maioria, dezenas de milhar,
optaram por se converter ao cristianismo, tornando-se cristãos-novos. Foram
muto poucos os que abandonaram o reino, segundo Alexandre Herculano. Penso que
terá sido a percepção (errada!) de que estes poucos sefarditas teriam escassos
sucessores que inspirou a alteração à Lei que, desde 2015, atribui a
nacionalidade portuguesa a todos os descendentes dos judeus então expulsos. Foi
um colossal erro de cálculo: os descendentes dos que saíram podem hoje ser da
ordem das centenas de milhões, volvidas que são mais de 15 gerações.
Sendo quase
ilimitado o número de cidadãos em condições de obter a cidadania portuguesa,
pela via da descendência sefardita, é expectável que a cidadania seja atribuída
apenas aos que tenham alguma ligação a Portugal: a quem ostente um apelido
português e possua o domínio do ladino, a língua que nos aproxima, critérios
que a Lei considera factores de conexão efectiva ao país. Mas, na prática, não
tem sido assim! Nos últimos anos, apenas se tem imposto aos candidatos à
nacionalidade a apresentação de um certificado passado pela Comunidade Judaica
Portuguesa. Assim, usando este alçapão, muitos milhares obtiveram a
nacionalidade portuguesa de pleno direito.
Assistiu-se até a
uma agressiva campanha de propaganda, visando a venda de passaportes
portugueses, junto dos muitos milhões de potenciais interessados. A Comunidade
Judaica do Porto anunciou profusamente, nos últimos anos, que atribuiria
certificados “a quem não tivesse apelido português e não conhecesse o ladino”,
anunciando mesmo que “nem sequer seria necessário o candidato vir pessoalmente
a Portugal para obter a nacionalidade”. Esta Comunidade – sob o domínio do
jurista João Roseira Garrett – tornou-se assim um dos maiores prescritores de
passaportes portugueses. Para tal, Garrett muito tem beneficiado do apoio de
sua tia, uma das maiores defensoras da lei vigente, Maria de Belém Roseira. Mas
também algumas sociedades de advogados exploram este verdadeiro filão, como a
Mayer Jardim, em cuja página de abertura de site se publicita precisamente a
venda de nacionalidade portuguesa.
Esta legislação
facilitista foi desvirtuada e transformou-se num instrumento de tráfico de
passaportes, através do qual se mercantiliza a condição de cidadão português
A agressividade
comercial deste negócio acentuou-se nos últimos meses. Porquê? Porque Espanha,
que até 2019 também concedia nacionalidade aos descendentes de sefarditas da
Castela e Aragão (embora em condições muito mais rigorosas), cancelou essa
possibilidade. Tal facto tornou mais apetecível e mais valioso o passaporte
português, agora a única via de obter a condição de cidadão europeu. Não é pois
de admirar que na América Latina, na Turquia e em Israel se tenha intensificado
a “venda” agressiva de passaportes portugueses. Há empresas que vão ao ponto de
os publicitar em anúncios de rua ou até de apresentar Portugal numa bandeja,
como sucede com a israelita Portugalis. Como o passaporte português concede
cidadania europeia, há sites a anunciar que, com este documento oficial, se
“pode obter benefícios fiscais na Europa, entrar nos Estados Unidos sem visto,
trabalhar e viver na Europa indefinidamente e estudar de graça em instituições
de ensino europeias”. Bem valioso!
Seduzidos por
estes apelos, só em 2019, solicitaram passaporte, através deste sistema, mais
de 25.000 candidatos, a maioria dos quais não conhece Portugal; já nos
primeiros quatro meses deste ano, os pedidos de nacionalidade por via da
descendência de judeus sefarditas foi o dobro dos pedidos de nacionalidade por
todos os outros motivos. Esta legislação facilitista foi assim desvirtuada e
transformou-se num instrumento de tráfico de passaportes, através do qual se
mercantiliza a condição de cidadão português.
Em 1497, alguns
judeus sefarditas, por firme convicção religiosa, abandonaram Portugal, com
dignidade. Não permitamos que outros, cuja religião é apenas o dinheiro, se
aproveitem da sua memória e aviltem os seus sagrados valores.
OPINIÃO
A nacionalidade por naturalização dos descendentes de
judeus sefarditas: em busca de um equilíbrio de valores e princípios
Dá-se plena expressão ao nobre objetivo da Lei de 2013,
de promover o regresso dos descendentes de judeus sefarditas ao seio do povo
português.
Constança Urbano
de Sousa
20 de Maio de
2020, 0:50
Muito se tem
escrito e dito sobre proposta do PS que visa alterar o regime especial de
naturalização dos descendentes de judeus sefarditas, adjetivando-a,
incompreensivelmente, de antissemita ou qualificando-a como um erro histórico.
O primeiro
equívoco reside logo na perceção de que se trata de dar a nacionalidade
portuguesa a judeus sefarditas, ou seja, judeus originários da Península
Ibérica. Tal não é assim, pois a lei aplica-se aos seus descendentes,
independentemente de serem, hoje, judeus, cristãos, muçulmanos ou simplesmente
não terem nenhuma religião. Em segundo lugar, não se pretende revogar este
regime especial (o que seria um erro histórico), mas tão só densificar o seu
objetivo que é e sempre foi “promover o retorno dos descendentes dos judeus expulsos
ou dos que fugiram do terror da Inquisição ao seio do seu povo e da sua nação
portuguesa”, como se lê no projeto de Lei do PS que deu origem a este regime,
em 2013. Ou, como pretendeu o CDS-PP, concretizar o genuíno desejo dos
descendentes de judeus sefarditas de recuperar a nacionalidade portuguesa dos
antepassados, que esbarrava no facto de a Lei prever uma forma de naturalização
puramente discricionária de descendentes de portugueses, para além da
dificuldade inerente a uma prova documental que teria de recuar mais de 500
anos.
Por isso, em
2013, PS e CDS-PP propuseram, em nome de uma reabilitação ou justa reparação
histórica, um regime especial que permite conceder a nacionalidade portuguesa
aos que descendem de judeus sefarditas com base em elementos de prova objetivos
como o apelido, o idioma familiar (ladino), a genealogia ou a memória familiar.
E foi este regime
que permitiu a milhares de descendentes de judeus originários da Península
Ibérica adquirir a nacionalidade portuguesa, pouco importando se, hoje, são
judeus, se alguma vez visitaram Portugal ou se falam uma palavra de português,
já que a lei a este respeito não faz qualquer exigência.
Por outro lado,
ninguém pode ignorar que, muitas vezes, a mais nobre das intenções corre o
risco de ser desvirtuada. O facto de Portugal estar integrado na União Europeia
dá à nacionalidade portuguesa uma dimensão adicional inerente à Cidadania
Europeia, permitindo a livre circulação e direito de residência em qualquer
Estado-Membro e a isenção de vistos para entrar em cerca de 185 países do
Mundo. E esta é uma vantagem inegável de quem tem um passaporte português, mas
da qual também decorrem obrigações adicionais perante estes nossos parceiros.
Que o diga Blaise
Baquiche, jovem britânico, que contou, recentemente, a sua “jornada pessoal
para recuperar o passaporte europeu” ao The New European. Filho de mãe
católica, educado numa escola anglicana, sabia que a família do pai era
sefardita oriunda do Egipto. Como confessa, até ao “Brexit” nunca se sentiu
judeu sefardita, mas foi esta sua condição de descendente que lhe permitiu
alcançar o seu objetivo, manter-se cidadão da UE. Preferiu pedir a
nacionalidade portuguesa, “por ser mais fácil que a espanhola”, pois o processo
especial de naturalização de descendentes de judeus sefarditas em Espanha, que
terminou em outubro de 2019, impunha requisitos adicionais, como a aprovação
num teste de conhecimento de língua espanhola e prova de integração na
sociedade espanhola, que ele não poderia cumprir. Assim, provou que era
descendente de judeus sefarditas através da Ketuba (certificado matrimonial
adornado em estilo sefardita, usado na comunidade do Cairo) dos seus avós
paternos, originários do Egipto. Confessa que sentiu estranheza por pedir a
nacionalidade de um país com o qual não tem qualquer conexão cultural ou
emocional, mas esta foi a única via que encontrou para manter todos os seus
direitos de cidadão da UE. Se Blaise fosse neto de um emigrante português
originário de Bragança, do Porto ou dos Açores não teria, hoje, o seu desejado
passaporte europeu, pois teria de ter provado uma efetiva ligação à comunidade
nacional, materializada no conhecimento da língua portuguesa e em contactos
regulares com Portugal, o que só é obrigatoriamente reconhecido se residir aqui
5 anos ou, sendo estudante, residir três anos (artigo 1.º e artigo 10.º-A do
Regulamento da Nacionalidade).
A história de
Blaise é semelhante à de várias pessoas que pedem a nacionalidade portuguesa
por esta via. Porém, sendo a nacionalidade a expressão de um qualquer vínculo
entre uma pessoa e a comunidade a que se pertence (porque se nasceu no
território, porque o progenitor é português, porque se é membro de uma família
portuguesa, porque aqui se reside e se partilham as venturas e desventuras de
um Povo, porque com a comunidade se tem uma qualquer ligação efetiva e genuína)
não deixa de causar apreensão que a nacionalidade portuguesa seja representada
principalmente como um vantajoso passaporte europeu. Naturalmente existe também
a história de muitos descendentes de judeus sefarditas, que sentem uma ligação
afetiva e genuína a Portugal e à pátria dos seus ancestrais antepassados. E foi
para eles que esta Lei foi pensada, tendo-lhes permitido, durante um período de
sete anos, a possibilidade de concretizarem o seu desejo genuíno de recuperar a
nacionalidade dos antepassados, sem necessidade de falar português ou sequer de
visitar Portugal. Mas a verdade é que
tal como está formulada, a Lei também permite dar a nacionalidade portuguesa a
quem não tem qualquer ligação efetiva ou mesmo afetiva ao País. Basta fazer
como o Blaise ou pagar os serviços de alguém que o faça.
Pedir a
demonstração de elementos que comprovem uma ligação atual a Portugal e,
portanto, um interesse genuíno em fazer parte integrante do Povo português, não
me parece ser um sacrifício, antes é uma consequência lógica de tal sentimento
de pertença. E não se diga que a exigência de uma tal ligação, aferida de forma
objetiva, anula o objetivo da lei, ou que a medida é antissemita. Por um lado,
preserva-se um regime especial e mais vantajoso que permite a um descendente de
judeu sefardita aceder à nacionalidade, fazendo, assim, uma discriminação
positiva, em nome da conciliação histórica. Por outro lado, dá-se plena
expressão ao nobre objetivo da Lei de 2013, iniciada em boa hora por Maria de
Belém e José Ribeiro e Castro, de promover o regresso dos descendentes de
judeus sefarditas ao seio do povo português e retomar com eles um laço de
ligação genuína e efetiva, que terá expressão na nacionalidade portuguesa que
não é, nem nunca poderá ser, apenas um passaporte europeu.
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