domingo, 11 de maio de 2014

Finanças travam classificação de imóveis para os poderem vender


Finanças travam classificação de imóveis para os poderem vender
Classificação de dois imóveis do Estado como monumentos nacionais já foi bloqueada. Uma delas chegou a ser agendada para Conselho de Ministros, mas não avançou porque impediria negócios futuros
José António Cerejo / 12-5-2014 / PÚBLICO

A austeridade chegou às decisões sobre o nível de protecção a atribuir aos bens patrimoniais que são propriedade do Estado. Isto é: o risco de as classificações que protegem esses bens vir a dificultar a sua rentabilização passou a ser tido em conta na hora de os classificar. Para já, há dois casos em que a classificação de propriedades do Estado como monumentos nacionais foi travada pelo Ministério das Finanças, graças a esse tipo de considerações: um em Oeiras e outro em Vila do Conde.
Fundada na segunda metade do século XVIII, a quinta do Marquês de Pombal, no centro de Oeiras, tem a sua área nobre, a chamada Quinta de Baixo, onde se encontram os jardins e o palácio, classificada como monumento nacional desde 1953. Adquirida em 2004 à Fundação Gulbenkian pela Câmara de Oeiras, esta parcela da propriedade acolheu até há poucos anos o antigo Instituto Nacional de Administração.
Os restantes 80% da quinta, a chamada Quinta de Cima, que é totalmente murada e ocupa perto de 200 hectares, tinham uma vocação essencialmente agrícola, que estão há muito na posse do Estado, sem qualquer classificação patrimonial. É lá que está instalado o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária — que absorveu a antiga Estação Agronómica Nacional —, mas é lá também que permanecem inúmeras marcas da exploração agrícola setecentista e das áreas de recreio que ali existiam, incluindo o sistema hidráulico criado por Carlos Mardel, o arquitecto que projectou o palácio do marquês.
Face aos riscos resultantes da pressão imobiliária que atinge este enclave verde rodeado de urbanizações, foi a própria Câmara de Oeiras a propor ao Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, em 2003, a ampliação a toda a quinta da classificação como Monumento Nacional que protege apenas a Quinta de Baixo.
A proposta partiu de Teresa Zambujo, que ocupava o lugar de Isaltino Morais, então ministro do Ambiente, e levou a que também a Câmara de Cascais, em 2007, solicitasse a inclusão na zona classificada de vários ele-
Finanças impediram a classificação da parte agrícola da Quinta do Marquês, em Oeiras mentos do sistema de abastecimento de água à quinta situados extramuros, em território do seu concelho.
Concluída a instrução do processo de ampliação da classificação, o Conselho Nacional de Cultura emitiu em 2012 um parecer onde afirma que “a extensão da classificação a todos os elementos constitutivos do imóvel (...) enquadra-se numa atitude de reconhecimento do valor cultural da criação arquitectónica e paisagística portuguesa setecentista, constituindo-se o bem a classificar como valor cultural e patrimonial de enorme relevância não apenas ao nível da vivência palaciana, mas ainda à sua consumada expressão através da quinta de recreio que caracterizava a vida de Setecentos, nomeadamente no entorno de Lisboa”.
Quem também achou que o Monumento Nacional devia abranger os 200 hectares da Quinta de Cima e não apenas a zona do palácio foi o actual secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que em Maio do ano passado aprovou um projecto de decreto-lei preparado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para formalizar a ampliação da classificação.
Agendado para a reunião do Conselho de Ministros de 27 de Junho daquele ano, o projecto acabou por não ser objecto de qualquer decisão. Motivo: o Ministério das Finanças, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), emitiu um parecer na véspera da reunião do Conselho de Ministros em que se opõe à proposta do secretário de Estado da Cultura.
De acordo com a DGTF, a classificação de toda a propriedade como Monumento Nacional implicaria a sua integração no domínio público do Estado (ver caixa) e entraria em conflito com os interesses deste “no que diz respeito à disposição e utilização não condicionada daquele património”.
Para ultrapassar os entraves das Finanças e assegurar a protecção da possível quinta, ainda que inferior, a DGPC avançou, entretanto, com uma alternativa. Essa solução já foi aceite pelo secretário de Estado da Cultura e vai no sentido de a propriedade ser classificada já não como Monumento Nacional, mas como Conjunto de Interesse Público. O respectivo processo foi iniciado no mês passado.
No caso de Vila Conde verificouse uma situação em tudo idêntica, na medida em que, com os mesmos argumentos, a DGTF se opôs à ampliação da classificação da Igreja de Santa Clara, que é Monumento Nacional desde 1910, ao convento a que está ligada.

O convento albergou durante muitos anos um reformatório de rapazes e encontra-se fortemente degradado, tendo fracassado em 2008 um projecto do grupo Pestana que visava a sua transformação em pousada. A inclusão do convento no conjunto classificado como Monumento Nacional foi proposta no início deste ano pela Direcção-Geral do Património Cultural, mas a DGTF travou o processo.

Sem comentários: