Baldur Thorhallsson. "Nunca
haverá igualdade entre os estados na UE"
Por Pedro Rainho
publicado em 17 Maio
2014 in
(jornal) i online
O investigador
islandês rejeita o julgamento de líderes políticos. Diz que os eleitores também
são responsáveis pela crise
Baldur
Thorhallsson tem estudado as relações de poder entre os países mais pequenos e
os grandes estados na UE e chegou a uma conclusão simples: a relação de
igualdade nunca existirá.
Há 15 anos,
defendia que os estados pequenos da União Europeia conseguiam defender os seus
interesses no seio da UE. Ainda é assim?
Esses países
conseguem defender os seus interesses tão bem como os estados de maior
dimensão. Todos os estados pequenos lidam com determinadas vulnerabilidades.
Penso que é importante, como ponto de partida, que todos os estados de pequena
dimensão reconheçam as suas limitações.
Que limitações
são essas?
Estão
relacionadas com terem um mercado interno pequeno. E isso significa que
dependem mais das importações e exportações que os grandes estados. Os pequenos
precisam de especializar-se, uma vez que estão mais dependentes de variações
económicas externas.
Uma
vulnerabilidade económica. Há outras?
Há a questão da
administração. Os estados mais pequenos têm administrações públicas mais
pequenas que os grandes, o que significa que não vão ter o mesmo conhecimento
que os estados maiores. Estas vulnerabilidades têm de ser compensadas. E se os
pequenos estados não reconhecerem isto não vão conseguir compensar essa
diferença.
Mas alguma vez
estarão todos em pé de igualdade?
Nunca vão ser tão
influentes.
Politicamente
influentes?
Nunca serão
politicamente influentes como a Alemanha, o Reino Unido ou a França. Por terem
um mercado interno mais reduzido, os pequenos estados têm interesses mais
específicos. Portugal tem um leque de interesses mais reduzido na UE que o
Reino Unido, Espanha ou França.
Têm de se
concentrar na defesa de interesses mais concretos?
Sim, daí que a
administração pública destes países seja importante. Porque pode priorizar. A
hierarquização de prioridades é a chave para os estados pequenos. Centrem-se
nos interesses económicos e políticos mais relevantes. Aceitem que terão de
deixar alguns temas de parte, que não podem ter influência em todos os
assuntos.
Isso significa
que não existe uma relação de igualdade entre os estados.
Haverá sempre uma
relação desequilibrada na UE no que toca a estados pequenos e grandes. É um
facto da vida. Os pequenos têm de encontrar uma forma de lidar com isso e
superar essa diferença. Diria mesmo que os pequenos precisam de protecção
económica, política e social.
Devem aceitar a
sua inferioridade e pôr-se sob protectorado?
Têm de lidar com
a realidade, é a Realpolitik. Aceitar a realidade e lidar com ela. Se o
fizerem, terão sucesso. No caso da crise de 2008 na Islândia, os nossos
políticos não reconheceram as nossas limitações, a vulnerabilidade que
representa um mercado interno pequeno e que o nosso governo não podia defender
o grande sector financeiro.
Os pequenos
estados devem abdicar da sua soberania e esperar no canto que lhe seja dada
voz?
Os estados
pequenos e os grandes nunca vão estar em pé de igualdade. Os políticos têm
dificuldades em admiti-lo, não falam nestes termos.
O discurso
oficial é que os estados são iguais entre si. Isso não é verdade?
Não é verdade,
tendo em conta o que tenho estudado. Mas o que descobri também é que, se os
estados pequenos hierarquizarem prioridades, se centrarem a atenção nos temas
mais importantes - económicos, ambientais e outros - e devolverem uma
administração pública competente com uma atenção especial às áreas-chave, podem
ter tanto sucesso como os estados grandes nestes âmbitos particulares. Têm de
encontrar o seu nicho. Se assim for, chega-se a um pé de igualdade com os
estados maiores.
De que forma se
pode reforçar o poder negocial de um país na UE?
Há uma combinação
de factores. Os ministros são muito importantes, mas também as instituições sob
orientação dos ministérios. E a representação permanente de cada país em
Bruxelas desempenha um papel fundamental. Quem defende os interesses do país em
Bruxelas deve estar bem coordenado com os responsáveis do respectivo país.
Falou na crise
islandesa. Portugal, Grécia e Irlanda estiveram na linha da frente desta crise
da zona euro. Culpa própria ou problema sistémico?
Ambos. Creio que
nem nas capitais desses países nem em Bruxelas houve consciência das limitações
de que falava. Em particular no que diz respeito aos fluxos livres de capital.
Uma preocupação
que a Alemanha, por contraste, não tem. Haveria já noção destas diferenças
quando o projecto do euro foi lançado?
Houve um
optimismo geral durante o boom económico - a crença de que os estados pequenos
se sairiam tão bem como os grandes. Isso levou-nos a esquecer a teoria já
existente sobre os estados pequenos e as suas vulnerabilidades. A concepção da
moeda única foi um falhanço desde o início. Os responsáveis políticos
esqueceram-se desta vulnerabilidade, houve uma responsabilidade dos políticos
dos pequenos estados, que não cuidaram dos seus países.
Os países estavam
a crescer, ninguém queria ser a voz incómoda.
Algumas pessoas
chamaram a atenção para estas vulnerabilidades de que lhe falo. Eu passei anos
a fazer este mesmo discurso, mas ninguém queria ouvir falar de fraquezas.
Como era recebido
esse seu alerta?
Fui criticado
pelo presidente e pelo ministro da Cultura por falar da Islândia como sendo um
estado pequeno. Não devíamos dizer que a Islândia é um estado pequeno, isso era
menorizar o país.
A Islândia lidou
com a sua crise de forma muito particular.
Até 2008, os
islandeses nunca tinham saído à rua para protestar. Alguns dos bancos não
seguiram as regras, e por isso fomos atrás deles.
Como se colocaram
os responsáveis políticos perante as situações dos bancos?
Queriam processar
os banqueiros, mas ao mesmo tempo não queriam assumir as suas responsabilidades
no processo.
O
primeiro-ministro acabou por ser julgado também.
Foi considerado
culpado de apenas uma das acusações. A de não ter convocado reuniões
suficientes do governo para discutir o assunto nesse âmbito.
A Islândia é um
exemplo de como estes casos devem ser resolvidos?
Muita gente na
Islândia quis levar os responsáveis políticos a julgamento. E muita gente
continua a querer isso, porque apenas um foi julgado. Sempre fui céptico em
relação a essa solução.
Mesmo com o preço
que os cidadãos têm de pagar?
Os eleitores
votaram por esta situação, eles também são responsáveis. Em Outubro de 2008 a nossa economia
desmoronou-se. O governo caiu em Janeiro de 2009, por isso no início desse ano
tivemos um novo começo. O governo aprovou um plano de 100 medidas para
implementar nos 90 dias seguintes e isso foi extremamente importante para
podermos ter um recomeço.
Um governo de
coligação que atribuiu o poder ao centro-esquerda pela primeira vez.
E em Abril de
2013 voltámos a ter eleições, que deram a vitória precisamente àqueles que
foram responsáveis pela crise com que o país se deparou em 2008.
Que leitura
retira dessa escolha?
O que aconteceu é
que os mais afectados pela crise perderam o emprego ou viram as suas hipotecas
triplicar. E quem esteve no poder até 2008 prometeu livrá--los dessas
hipotecas.
Mas não há
maneira de cumprir essa promessa, ou há?
Ainda estão a
discuti-lo.
Em Portugal
têm-se feito vários apelos de consenso com a oposição para as políticas de
longo prazo. Os consensos são possíveis em tempos de crise?
Uma coisa são
objectivos políticos e outra coisa é a defesa dos principais interesses de
Portugal na UE. A concertação social tem sido extremamente bem sucedida na
Dinamarca, na Suécia e na Noruega.
Em Portugal não.
Vocês não têm
esta estrutura e nós, na Islândia, também não temos. Os países escandinavos
acertaram este modelo para resolver os conflitos e governar através do consenso.
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