É a democracia que está em causa
Não há um movimento populista forte. O trabalhinho é feito pelo mainstream
Por Ana Sá Lopes
publicado em 12
Maio 2014 in
(jornal) i online
Está na rua uma
campanha eleitoral para as eleições europeias - duas semanas inteirinhas que
deveriam servir para os cidadãos discutirem e escolherem o rumo da União para
os próximos anos. Mas nem com a maior crise depois da Segunda Guerra Mundial,
que está longe de estar resolvida por muito optimismo que transpire dos
discursos oficiais, é possível prever que a abstenção vá diminuir. Alguns
estudos admitem mesmo que possa aumentar ao inacreditável nível de 70%.
As
"culpas" sobre este divórcio litigioso entre as instituições
europeias e os cidadãos nacionais são repartidas. Mas a questão vem de longe:
as elites portuguesas - e as outras - decidiram que a Europa deveria ser
tratada como uma espécie de segredo de Estado, de que as multidões ululantes
deveriam ficar à margem. Isto foi feito de várias maneiras, a começar pela
linguagem. O discurso europeu foi sempre transformado num impossível esperanto
- de dificílima apreensão para o cidadão comum. A complicadíssima burocracia
europeia e o desinteresse da comunicação social fizeram o resto. Sobre os
deputados ao Parlamento Europeu, aquilo que o cidadão comum sabe é que ganham
vencimentos elevadíssimos em comparação com os módicos 700 euros que são o
ordenado médio português.
Mas as elites que
decidiram tudo sobre a União Europeia nas costas das populações (de Maastricht
ao Tratado de Lisboa, sendo o maior dos passos a adesão ao euro), perseguem
numa cegueira que está a transformar a Europa num sítio cada vez menos democrático
- se a definição de democracia continuar a ser o direito dos cidadãos a eleger
quem os governa.
No que a isto diz
respeito, a campanha do PSD tem sido de uma pobreza avassaladora, ignorando as
causas da crise europeia e, como ontem voltou a insistir Paulo Rangel,
invocando como "adversário" comum da coligação e do PP espanhol
"o despesismo socialista". É penoso ouvir Rangel atribuir a crise do
euro ao facto de Portugal e Espanha terem tido "governações basicamente
erradas até 2011". Do lado do PS, Seguro promete o céu - menos austeridade
- se os socialistas europeus forem maioritários, ignorando o essencial. Todos
os socialistas europeus estão comprometidos com o Tratado Orçamental e
cumpri-lo não vai diminuir num avo a austeridade em curso. Em Portugal não há
nenhum movimento populista a sério. O trabalhinho vai sendo feito pelo
maintream e corrói a democracia, aqui e em Bruxelas.
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