domingo, 11 de maio de 2014

É a democracia que está em causa

As "culpas" sobre este divórcio litigioso entre as instituições europeias e os cidadãos nacionais são repartidas. Mas a questão vem de longe: as elites portuguesas - e as outras - decidiram que a Europa deveria ser tratada como uma espécie de segredo de Estado, de que as multidões ululantes deveriam ficar à margem. Isto foi feito de várias maneiras, a começar pela linguagem. O discurso europeu foi sempre transformado num impossível esperanto - de dificílima apreensão para o cidadão comum. A complicadíssima burocracia europeia e o desinteresse da comunicação social fizeram o resto. Sobre os deputados ao Parlamento Europeu, aquilo que o cidadão comum sabe é que ganham vencimentos elevadíssimos em comparação com os módicos 700 euros que são o ordenado médio português.

É a democracia que está em causa
Não há um movimento populista forte. O trabalhinho é feito pelo mainstream
Por Ana Sá Lopes
publicado em 12 Maio 2014 in (jornal) i online

Está na rua uma campanha eleitoral para as eleições europeias - duas semanas inteirinhas que deveriam servir para os cidadãos discutirem e escolherem o rumo da União para os próximos anos. Mas nem com a maior crise depois da Segunda Guerra Mundial, que está longe de estar resolvida por muito optimismo que transpire dos discursos oficiais, é possível prever que a abstenção vá diminuir. Alguns estudos admitem mesmo que possa aumentar ao inacreditável nível de 70%.

As "culpas" sobre este divórcio litigioso entre as instituições europeias e os cidadãos nacionais são repartidas. Mas a questão vem de longe: as elites portuguesas - e as outras - decidiram que a Europa deveria ser tratada como uma espécie de segredo de Estado, de que as multidões ululantes deveriam ficar à margem. Isto foi feito de várias maneiras, a começar pela linguagem. O discurso europeu foi sempre transformado num impossível esperanto - de dificílima apreensão para o cidadão comum. A complicadíssima burocracia europeia e o desinteresse da comunicação social fizeram o resto. Sobre os deputados ao Parlamento Europeu, aquilo que o cidadão comum sabe é que ganham vencimentos elevadíssimos em comparação com os módicos 700 euros que são o ordenado médio português.

Mas as elites que decidiram tudo sobre a União Europeia nas costas das populações (de Maastricht ao Tratado de Lisboa, sendo o maior dos passos a adesão ao euro), perseguem numa cegueira que está a transformar a Europa num sítio cada vez menos democrático - se a definição de democracia continuar a ser o direito dos cidadãos a eleger quem os governa.


No que a isto diz respeito, a campanha do PSD tem sido de uma pobreza avassaladora, ignorando as causas da crise europeia e, como ontem voltou a insistir Paulo Rangel, invocando como "adversário" comum da coligação e do PP espanhol "o despesismo socialista". É penoso ouvir Rangel atribuir a crise do euro ao facto de Portugal e Espanha terem tido "governações basicamente erradas até 2011". Do lado do PS, Seguro promete o céu - menos austeridade - se os socialistas europeus forem maioritários, ignorando o essencial. Todos os socialistas europeus estão comprometidos com o Tratado Orçamental e cumpri-lo não vai diminuir num avo a austeridade em curso. Em Portugal não há nenhum movimento populista a sério. O trabalhinho vai sendo feito pelo maintream e corrói a democracia, aqui e em Bruxelas.

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