Opinião
A lição da SRU
Por José Mendes
Por José Mendes
Publicado em
2014-05-11 in
JN online
O folhetim da
Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto (SRU) parece ter chegado ao fim. Pelo
caminho, desde que em 2011 o Governo recusou cumprir com as suas obrigações,
escreveu-se uma longa história de irresponsabilidade e baixa política, em que o
poder central procurou vergar o poder local. O Porto não cedeu e fez-se
justiça. Uma lição para o futuro.
Comecemos pelo
fim. O acordo que sanou o conflito assenta num compromisso entre Governo e
autarquia, que permitirá reequilibrar as contas da SRU e aportar, em partes
iguais, dez milhões de euros nos próximos cinco anos. Nova administração e
algumas alterações no domínio das competências para o licenciamento permitirão,
espera-se, regressar à estabilidade e à missão.
Este final feliz
não deve, contudo, fazer esquecer o que se passou, porque os projetos
estruturantes, desenhados e assumidos por responsáveis eleitos, não devem nem
podem estar sujeitos a arbitrariedades cujas motivações nada têm a ver com o
interesse público.
Ao longo destes
últimos anos, procurando perceber se existia um racional na ação do Governo,
equacionei três questões que, a meu ver, exigiam respostas claras e que passo a
expor.
A missão da SRU
foi cumprida e a sua existência deixou de fazer sentido? A esta primeira
pergunta, a resposta que encontro é "não". O estado e extensão da
degradação do centro histórico do Porto é ainda muito preocupante, apesar do
meritório trabalho já realizado. Foram demasiadas décadas sem investimento, com
a degradação física dos edifícios e do espaço urbano a induzir também fenómenos
de degradação social. Há ainda muito a fazer e o caminho terá sempre de passar
por uma conjugação do investimento público com o investimento privado, pelo que
a SRU é ainda e por muito tempo um veículo necessário.
O papel e a
responsabilidade do Estado na SRU esgotou-se? Também aqui, a resposta é
"não". A ausência de políticas de reabilitação e de instrumentos
financeiros de apoio está no cerne da degradação dos centros históricos das
maiores cidades portuguesas. Convém recordar que a manutenção do congelamento
das rendas, decidida centralmente desde o tempo da ditadura, resultou na total
incapacidade de os proprietários procederem à mais básica manutenção. Até
recentemente, existiam no centro histórico do Porto casas alugadas por valores
absolutamente irrisórios. O Estado não pode fugir às suas responsabilidades.
Havia evidências
de irregularidades ou má gestão? A esta última questão, a resposta é também
"não". Aqui, o poder central recorreu a um dos truques mais infames a
que está habituado. Deixou no ar dúvidas sobre a ação de Rui Moreira,
presidente da SRU até 2012, e mandou fazer uma auditoria às contas, devidamente
acompanhada pelos adiamentos das assembleias gerais da sociedade e mesmo por um
chumbo das contas anuais. Auditoria que, não surpreendentemente, não revelou
nem más contas, nem má gestão.
Face a estes três
"nãos", torna-se difícil compreender a ação do IHRU, acionista
maioritário que representava o Estado. Só mesmo um fundamentalismo doentio, de
um governo que desde 2011 tudo sacrificou em nome da austeridade, pode
justificar tamanha guerra por causa de um par de milhões de euros de
investimento.
Averdade é que,
normalmente, é o elo mais fraco que acaba por ceder, seja uma câmara municipal,
uma junta de freguesia ou qualquer outra entidade "menor" do setor
público. Só que, desta vez, o Porto não cedeu, primeiro por Rui Rio e depois
por Rui Moreira, sendo que este foi alvo de uma retaliação extra quando se deu
a conhecer como candidato a presidente da Câmara. Todos se recordarão que o
relatório da auditoria às contas foi metido na gaveta até depois das
autárquicas de 2013, não fosse o candidato Rui Moreira ganhar as eleições ao
candidato do partido do Governo.
A solução
consensual a que se chegou agora só foi possível porque o Porto não desistiu e
porque mudaram os protagonistas. Assunção Cristas nunca compreendeu o que
estava em causa. Jorge Moreira da Silva, mais político e bem mais letrado nas
matérias do território, percebeu rapidamente que nada disto fazia sentido. Do
lado da autarquia portuense, todo o mérito vai para a persistência e capacidade
de negociação de Rui Moreira, que teve ainda a classe de não manifestar
qualquer ressentimento.
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