sexta-feira, 16 de maio de 2014

A banalização do mal, por ssru



A banalização do mal, por ssru

E pur si muove!1

1 No entanto ela (a Terra) move-se

 Do ponto de vista simbólico, esta frase sintetiza a teimosia das provas científicas contra a censura ou a quintessência da rebelião científica contra as convenções de autoridade e dos interesses dos maus poderes em cada circunstância. Conta-se que foi pronunciada por Galileu Galilei para reafirmar o seu conhecimento científico de que a terra gira em volta do sol e não o contrário, como queriam obrigá-lo a reconhecer.

A intervenção no quarteirão das Cardosas (no centro histórico do Porto) o maior exemplo de destruição e demolição intencional em património classificado e protegido ao mais alto nível (património mundial da UNESCO) em Portugal, foi sintomaticamente premiado pela Revista Vida Imobiliária como bom exemplo de Reabilitação.

Esta intervenção no quarteirão das Cardosas, agora premiada, e reprovável a todos os títulos, foi realizada sob o slogan: “Cardosas, construímos hoje o património do futuro”. Um júri constituído quase exclusivamente por pessoas vindas de sectores que não o do património ou o da REABILITAÇÃO, e, portanto, longe de serem especialistas, entendeu premiar esta intervenção. Existe um pudor e uma ética que nos deve inibir de avaliar publicamente aquilo para o qual não temos conhecimento específico reconhecido. Existe também uma regra, além das questões éticas e da praxis. Assim funciona a avaliação de mérito em instituições sérias e rigorosas, nacionais e internacionais, respeitadoras do estado do conhecimento e das boas práticas adoptadas internacionalmente relativas às matérias em apreço. Os prémios geralmente destinam-se a premiar o que se distingue positivamente e não o contrário. Estamos pois perante uma inversão perigosa de valores e uma manipulação grave dos conceitos e do léxico da conservação e da reabilitação das cidades históricas, sem reação ou contraditório visível, o que nos confirma talvez que vivemos de novo em tempos sombrios. Os tempos sombrios, definidos por Hannah Harendt são aqueles em que se perdeu a capacidade de pensar criticamente e de exercer a capacidade de julgar, dando assim lugar à possibilidade da banalidade do mal. O mal na pujança da sua normalidade, o que permite tudo sem um julgamento, como se fosse banal. A incapacidade de estabelecer juízo crítico é um atributo dos tempos sombrios que amesquinham o interesse público, que o corroem por dentro com as faltas de credibilidade, com governos invisíveis, com discursos que não revelam o que são, degradando a verdade. Tudo isto se passa agora nas nossas cidades históricas e no património arquitectónico e urbano. Esta incapacidade ou negação objectiva para exercer o julgamento ou o juízo crítico permite que tudo seja reduzido ao discurso promocional imobiliário e tudo vale! Eis a banalidade do mal no domínio da conservação e da reabilitação das cidades históricas. O prémio imobiliário agora atribuído à intervenção realizada no quarteirão das Cardosas, não é um prémio para distinção de boas práticas em reabilitação de cidades históricas porque justamente esta intervenção viola todas, mas todas, as regras e boas práticas nacionais e internacionais reconhecidas pelos especialistas, universidades, e pelo ICOMOS e UNESCO e às quais o Estado português está obrigado por força dos seus compromissos e da legislação em vigor no nosso país. O ICOMOS Portugal promoveu de resto em Outubro de 2013 um encontro nacional sobre este assunto, com uma participação institucional e cívica alargada, e onde se demonstrou que há alternativas a este modelo imobilista, velho e errado, técnica e cientificamente, que se insiste em aplicar na gestão das cidades históricas, o que ainda é mais grave quando elas, as cidades, são um património da humanidade.

E pur si muove: A verdade do conhecimento científico e das boas práticas reconhecidas a nível internacional contra a banalidade do mal dos nossos tempos sombrios.

O Conselho de Administração

ICOMOS Portugal




O comunicado que o ICOMOS Portugal teve a simpatia de nos remeter, aqui acima exposto, veio reforçar a nossa percepção que, da sua parte não desistirá tão facilmente de cumprir as suas responsabilidades na defesa do Centro Histórico do Porto, em particular e na salvaguarda do património classificado, em geral. Julgamos tratar-se do único organismo que o tem feito publicamente, de forma sistemática e responsável, apresentando os argumentos que corroboram o seu discurso directo, em confronto claro com as práticas que se instituíram nos últimos doze anos, esta forma medíocre de ver e transformar a cidade.


Por várias vezes relatamos aqui neste sítio, a morbidez que nos assalta ao assistirmos a este silêncio ensurdecedor, que quer colectiva como individualmente, insiste em permanecer. Não se ouve um qualquer Pritzker, uma qualquer ordem profissional, um professor ou qualquer uma das Faculdades da cidade, ou qualquer Universidade, não se sente um historiador ou um arqueólogo, alguém com elevação suficiente de voz que conteste publicamente as intervenções que abalroaram o CHP nos últimos anos. Dizem-nos que na FAUP se tem falado, mas em surdina. Os interesses particulares de toda esta gente parecem ser superiores ao interesse público que está aqui em causa.




A Porto Vivo, a maior responsável por este crime patrimonial, julgou ensaiar o discurso da descredibilização do ICOMOS (se isso fosse sequer possível!), talvez como único recurso para refutar a transparente evidência do mal por este apontado e logo com os dedos enfiados pela ferida adentro. Em resposta ao primeiro relatório de 2012 sobre o quarteirão das cardosas, enviado à UNESCO, a SRU preferiu defender-se recorrendo à catedrática sabedoria de Hélder Pacheco (?), que coadjuvou a elaboração de uns desconexos e miseráveis cartazes, expostos na passagem para o interior da nova praça, precisamente onde antes existia um edifício saudável, que foi totalmente destruído. Para além de ter sido bem pago por tal trabalhinho, Hélder Pacheco tem tido assento num lúgubre conselho consultivo da Porto Vivo, do qual não há memória, chegando ao ponto de numa das suas crónicas do JN (que havemos de recuperar), ter comparado Rui Rio e a sua gestão, ao período de ditadura da transformação urbanística do Porto, imposta pelos Almadas.


E pur si muove: A verdade é que o mal se banaliza, porque a cidade está carregada de “homens pequeninos”!

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