quinta-feira, 15 de maio de 2014

Foto de assessor de Erdogan a pontapear manifestante choca a Turquia. Erdogan, um político em pânico. Erdoğan's self-defence over Soma's mining disaster was badly misjudged





Foto de assessor de Erdogan a pontapear manifestante choca a Turquia

PÚBLICO
15/05/2014 - 20:36

Reacção da comitiva do primeiro-ministro turco aos protestos na cidade mineira de Soma causa polémica.
As fotografias de um assessor do primeiro-ministro turco a dar pontapés a um manifestante que está no chão, já a ser espancado pela polícia, na cidade de Soma, onde aconteceu o grave acidente numa mina de carvão onde morreram pelo menos 282 mineiros, chocou e indignou a Turquia.

As imagens de Yusef Yerkel, apanhadas sob diversos ângulos pelos fotógrafos, foram partilhadas vezes incontáveis nas redes sociais. Yerkel reconheceu que era ele, e prometeu que daria explicações. O primeiro-ministro, Recep Tayyop Erdogan, marcou a sua distância – afirmou que se tratava de um problema do seu assessor.

A ida de Erdogan a Soma correu bastante mal. O primeiro-ministro foi obrigado a refugiar-se num supermercado para se refugiar da fúria dos manifestantes, que pontapearam o seu carro, depois de ter dito que acidentes e mortes em minas “são acontecimentos vulgares”, e ter enumerado todas as catástrofes mineiras no mundo desde o século XIX, procurando mostrar que Soma era apenas mais uma.

No Twitter, que Erdogan detesta, e no YouTube, que continua a ser de acesso proibido na Turquia, fervilharam as fotos e os vídeos relativos a este incidente.

“Ele agrediu-me e insultou-me, tal como ao primeiro-ministro. Devia eu ficar silencioso?”, disse Yusef Yerkel, numa curta declaração citada pelo jornal Hürriyet.

No Facebook circula um vídeo em que se vê o primeiro-ministro, conhecido pelos seus ataques de cólera, enfurecer-se contra alguém, no meio da confusão, diz a AFP. Os sites da oposição fizeram circular a história de que Erdogan teria dado uma bofetada a uma rapariga que lhe chamou “assassino” em Soma – mas logo a seguir a história mudou, e o que se diz é que tinha agarrado um mineiro pelo pescoço. Ou, mais recentemente, surgiu um homem que diz ter sido esbofeteado “sem querer” pelo primeiro-ministro” quando estava a ser arrastado pelos seguranças para dentro do supermercado, ao mesmo tempo que gritava aos manifestantes “venham cá apupar-me à minha frente”, relata a versão em inglês do jornal Hürriyet.

A verdade é que nenhuma destas histórias tem qualquer confirmação, ao contrário da do seu assessor.

Opinião
Erdogan, um político em pânico

Jorge Almeida Fernandes

15/05/2014/ PÚBLICO
As minas, sobretudo as de carvão, foram sempre cenas de tragédias e comoções. A tragédia de Soma tem, no entanto, contornos próprios. Não foi apenas o mais grave acidente industrial de todos os tempos na Turquia. Transformou-se numa acusação directa ao Governo e ao primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Na quinta-feira, numa manifestação, um sindicalista empunhava uma bandeirola dizendo: “Isto não é um acidente nem é o destino, é um massacre.”

Era uma resposta a Erdogan cuja primeira reacção foi banalizar a tragédia. Durante a tensa visita ao local, disse que acidentes e mortes fazem parte da profissão. “São acontecimentos vulgares.” Enumerou, perante jornalistas estupefactos, todas as catástrofes mineiras no mundo desde o século XIX, procurando mostrar que Soma não foi uma excepção. Não soube transformar o resgate das dezenas de mineiros ainda soterrados numa epopeia redentora, como os chilenos fizeram em 2010. A sua reacção foi a de um político em pânico.

A falta de segurança nas minas turcas, em que os acidentes se repetem, é objecto de denúncia desde há anos. A Turquia recusa-se a ratificar as normas de segurança da Organização Internacional do Trabalho. Diz um dirigente sindical que 80% dos acidentes poderiam ser evitados com medidas de segurança mais rigorosas. Pior: há três semanas, o seu partido, o AKP, rejeitou a realização de um inquérito urgente à segurança nas minas, proposto pela oposição. Os media governamentais tentam desvalorizar o acidente.

Um jornal da oposição, Zaman, denuncia o poder pessoal: “Massacre na mina, sintoma de um regime de um só homem.” Lembra que a privatização das minas, tal como a dos estaleiros e outras indústrias, foi feita em benefício de investidores amigos do AKP. E lembra ainda que, numa entrevista recente, o administrador de Soma se vangloriou de ter reduzido drasticamente o custo da mineração: passou de 140 dólares por mil toneladas para cerca de 30. A imprensa turca põe em relevo o êxito da China em reduzir os acidentes nas minas.

A caça às bruxas
O clima político turco está envenenado desde que um tribunal de Istambul acusou, em Dezembro, familiares de vários ministros de corrupção em concursos públicos. Quatro ministros demitiram-se. A seguir, estaria no alvo do juiz a família do próprio Erdogan. Ele reagiu acusando o movimento Hizmet, do pensador sufi Fetullah Gülen, residente nos Estados Unidos, de ter criado um “Estado paralelo” e de conspiração para o derrubar. Foram sumariamente “saneados” milhares de polícias e juízes. A censura à imprensa foi dobrada e algumas redes sociais foram bloqueadas.

Erdogan prometeu “erradicar” o movimento Gülen. No domingo, declarou num discurso: “Clamam frequentemente que a luta contra o ‘Estado paralelo’ se transformou numa ‘caça às bruxas’. Se perseguir indivíduos que traem este país se deve chamar ‘caça às bruxas’, nós levaremos a cabo esta ‘caça às bruxas’.”

Em meados de Agosto, haverá eleições presidenciais. Erdogan quer ser Presidente da República e fazer adoptar um sistema presidencialista de modo a poder concentrar todos os poderes. Sob suspeita de corrupção, acusado de autoritarismo e de vocação de despotismo, a sua vitória não está automaticamente assegurada. Mas a vitória nas eleições municipais de 30 de Março reabriu-lhe o caminho para o poder supremo. Deverá em breve formalizar a sua candidatura.

A tragédia de Soma provocou uma comoção nacional. Os sindicatos convocaram uma greve geral de 24 horas. Estudantes e operários manifestaram-se em Istambul e Ancara. Dentro de dias celebra-se o primeiro aniversário da revolta na Praça Taksim.

A três meses das presidenciais, o fantasma de uma nova revolta e de mais uma quebra no seu prestígio são o pior cenário para a sua ambição. Por isso é um político em pânico.



Erdoğan's self-defence over Soma's mining disaster was badly misjudged
No wonder people in Turkey are angry - the prime minister seemed less focused on finding justice than listing old mining disasters
    Alev Scott      

In the devastated Turkish town of Soma yesterday, a crowd of angry mourners mobbed the prime minister's convoy as it drove slowly through the streets. Boos and jeers threatened to drown out Recep Tayyip Erdoğan's words as he addressed the families of those who died in the blast. When he attempted – briefly – to walk among the crowds, their hostile reaction forced his anxious bodyguards to hustle him into a nearby supermarket, where he became embroiled in a scuffle. This was a far cry from the welcoming flowers, smiles and cheers that Erdoğan usually receives on official visits.

The prime minister has badly misjudged the Soma disaster by delivering an insensitive speech bristling with self-defence. Telling the relatives of dead and dying miners that "these types of incidents are ordinary things" was his way of deflecting any kind of responsibility for the blast in the wake of reports that the government ignored safety concerns about the privately owned mine, which were raised as recently as two weeks ago by opposition MPs.

The anger was echoed in cities across Turkey as thousands of people with coal-smeared faces took to the streets, carrying placards that read: "Soma was not an accident, it was a massacre." They called for the resignation of the energy minister, Taner Yıldız, and of Erdoğan himself.

There is anger at a blase attitude to worker safety that prevails nationwide, and a strong sense that this blast in particular could have been prevented. Twitter has yet again proved itself to be Erdoğan's bete noir by facilitating the spread of several damning photographs relating to the government's response to Soma, pre- and post-blast. One of these shows an opposition minister speaking in parliament on 29 April, brandishing a miner's hard hat and warning of poor conditions in the mine, as two AKP ministers chat among themselves in the background. Another, taken yesterday, shows the prime minister's adviser Yusuf Yerkel appearing to enthusiastically kick a protester in Soma who was on the ground, already overpowered by a couple of gendarmes.

The government and its media mouthpieces have jumped into self-defence mode, and Erdoğan's speech was typical of the belligerence that marks his response to any kind of criticism. Yesterday, he chose to recount a long list of mining disasters which have occurred abroad, stretching back to a British disaster in 1862 and lingering on accidents which have occurred in America, "which has every kind of technology". His advisers seemed to have spent precious hours researching foreign mining history instead of coming up with a detailed course of action to assure the public of Erdoğan's commitment to finding those both directly and indirectly responsible for the blast.

To many people, the insensitive tone of this speech and the irrelevance of much of its content needs no spelling out. However, when I spoke to an AKP supporter this morning about it, he was keen to explain the speech to me in its best possible light. Erdoğan expressed deep sorrow, he pointed out. It was quite right to remind the public of similar disasters – what fault was there in that?

The instinctively protective reaction of this AKP supporter explains, in a nutshell, why Erdoğan will survive what in most countries would be a serious PR disaster. He has survived more personally targeted attacks in the past six months, and his prickly self-defence is unlikely to fail him now, when he enjoys the fanatic support of almost half the population. He is rattled, however, and the protests yesterday had a raw anger that was missing from recent, more political protests. Soma is now the biggest mining disaster in Turkey's history, and people want answers.

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