Foto de assessor de Erdogan a pontapear manifestante choca a
Turquia
PÚBLICO
15/05/2014 - 20:36
Reacção da comitiva do primeiro-ministro turco aos protestos
na cidade mineira de Soma causa polémica.
As fotografias de um assessor do primeiro-ministro turco a
dar pontapés a um manifestante que está no chão, já a ser espancado pela
polícia, na cidade de Soma, onde aconteceu o grave acidente numa mina de carvão
onde morreram pelo menos 282 mineiros, chocou e indignou a Turquia.
As imagens de Yusef Yerkel, apanhadas sob diversos ângulos
pelos fotógrafos, foram partilhadas vezes incontáveis nas redes sociais. Yerkel
reconheceu que era ele, e prometeu que daria explicações. O primeiro-ministro,
Recep Tayyop Erdogan, marcou a sua distância – afirmou que se tratava de um
problema do seu assessor.
A ida de Erdogan a Soma correu bastante mal. O
primeiro-ministro foi obrigado a refugiar-se num supermercado para se refugiar
da fúria dos manifestantes, que pontapearam o seu carro, depois de ter dito que
acidentes e mortes em minas “são acontecimentos vulgares”, e ter enumerado
todas as catástrofes mineiras no mundo desde o século XIX, procurando mostrar
que Soma era apenas mais uma.
No Twitter, que Erdogan detesta, e no YouTube, que continua
a ser de acesso proibido na Turquia, fervilharam as fotos e os vídeos relativos
a este incidente.
“Ele agrediu-me e insultou-me, tal como ao
primeiro-ministro. Devia eu ficar silencioso?”, disse Yusef Yerkel, numa curta
declaração citada pelo jornal Hürriyet.
No Facebook circula um vídeo em que se vê o
primeiro-ministro, conhecido pelos seus ataques de cólera, enfurecer-se contra
alguém, no meio da confusão, diz a AFP. Os sites da oposição fizeram circular a
história de que Erdogan teria dado uma bofetada a uma rapariga que lhe chamou
“assassino” em Soma – mas logo a seguir a história mudou, e o que se diz é que
tinha agarrado um mineiro pelo pescoço. Ou, mais recentemente, surgiu um homem
que diz ter sido esbofeteado “sem querer” pelo primeiro-ministro” quando estava
a ser arrastado pelos seguranças para dentro do supermercado, ao mesmo tempo
que gritava aos manifestantes “venham cá apupar-me à minha frente”, relata a
versão em inglês do jornal Hürriyet.
A verdade é que nenhuma destas histórias tem qualquer
confirmação, ao contrário da do seu assessor.
Opinião
Erdogan, um político em pânico
Jorge Almeida Fernandes
15/05/2014/ PÚBLICO
As minas, sobretudo as de carvão, foram sempre cenas de
tragédias e comoções. A tragédia de Soma tem, no entanto, contornos próprios.
Não foi apenas o mais grave acidente industrial de todos os tempos na Turquia.
Transformou-se numa acusação directa ao Governo e ao primeiro-ministro, Recep
Tayyip Erdogan. Na quinta-feira, numa manifestação, um sindicalista empunhava
uma bandeirola dizendo: “Isto não é um acidente nem é o destino, é um
massacre.”
Era uma resposta a Erdogan cuja primeira reacção foi
banalizar a tragédia. Durante a tensa visita ao local, disse que acidentes e
mortes fazem parte da profissão. “São acontecimentos vulgares.” Enumerou,
perante jornalistas estupefactos, todas as catástrofes mineiras no mundo desde
o século XIX, procurando mostrar que Soma não foi uma excepção. Não soube
transformar o resgate das dezenas de mineiros ainda soterrados numa epopeia
redentora, como os chilenos fizeram em 2010. A sua reacção foi a de um político
em pânico.
A falta de segurança nas minas turcas, em que os acidentes
se repetem, é objecto de denúncia desde há anos. A Turquia recusa-se a
ratificar as normas de segurança da Organização Internacional do Trabalho. Diz
um dirigente sindical que 80% dos acidentes poderiam ser evitados com medidas
de segurança mais rigorosas. Pior: há três semanas, o seu partido, o AKP,
rejeitou a realização de um inquérito urgente à segurança nas minas, proposto
pela oposição. Os media governamentais tentam desvalorizar o acidente.
Um jornal da oposição, Zaman, denuncia o poder pessoal:
“Massacre na mina, sintoma de um regime de um só homem.” Lembra que a
privatização das minas, tal como a dos estaleiros e outras indústrias, foi
feita em benefício de investidores amigos do AKP. E lembra ainda que, numa
entrevista recente, o administrador de Soma se vangloriou de ter reduzido
drasticamente o custo da mineração: passou de 140 dólares por mil toneladas
para cerca de 30. A imprensa turca põe em relevo o êxito da China em reduzir os
acidentes nas minas.
A caça às bruxas
O clima político turco está envenenado desde que um tribunal
de Istambul acusou, em Dezembro, familiares de vários ministros de corrupção em
concursos públicos. Quatro ministros demitiram-se. A seguir, estaria no alvo do
juiz a família do próprio Erdogan. Ele reagiu acusando o movimento Hizmet, do
pensador sufi Fetullah Gülen, residente nos Estados Unidos, de ter criado um
“Estado paralelo” e de conspiração para o derrubar. Foram sumariamente
“saneados” milhares de polícias e juízes. A censura à imprensa foi dobrada e
algumas redes sociais foram bloqueadas.
Erdogan prometeu “erradicar” o movimento Gülen. No domingo,
declarou num discurso: “Clamam frequentemente que a luta contra o ‘Estado
paralelo’ se transformou numa ‘caça às bruxas’. Se perseguir indivíduos que
traem este país se deve chamar ‘caça às bruxas’, nós levaremos a cabo esta
‘caça às bruxas’.”
Em meados de Agosto, haverá eleições presidenciais. Erdogan
quer ser Presidente da República e fazer adoptar um sistema presidencialista de
modo a poder concentrar todos os poderes. Sob suspeita de corrupção, acusado de
autoritarismo e de vocação de despotismo, a sua vitória não está
automaticamente assegurada. Mas a vitória nas eleições municipais de 30 de
Março reabriu-lhe o caminho para o poder supremo. Deverá em breve formalizar a
sua candidatura.
A tragédia de Soma provocou uma comoção nacional. Os
sindicatos convocaram uma greve geral de 24 horas. Estudantes e operários
manifestaram-se em Istambul e Ancara. Dentro de dias celebra-se o primeiro
aniversário da revolta na Praça Taksim.
A três meses das presidenciais, o fantasma de uma nova
revolta e de mais uma quebra no seu prestígio são o pior cenário para a sua
ambição. Por isso é um político em pânico.
Erdoğan's self-defence over Soma's mining disaster was
badly misjudged
No wonder people in Turkey
are angry - the prime minister seemed less focused on finding justice than
listing old mining disasters
Alev Scott
theguardian.com,
Thursday 15 May 2014 / http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/may/15/erdogan-turkey-mining-disaster-turkish-prime-minister
In the devastated Turkish town of Soma yesterday, a crowd of
angry mourners mobbed the prime minister's convoy as it drove slowly through
the streets. Boos and jeers threatened to drown out Recep Tayyip Erdoğan's
words as he addressed the families of those who died in the blast. When he
attempted – briefly – to walk among the crowds, their hostile reaction forced
his anxious bodyguards to hustle him into a nearby supermarket, where he became
embroiled in a scuffle. This was a far cry from the welcoming flowers, smiles
and cheers that Erdoğan usually receives on official visits.
The prime minister has badly misjudged the Soma disaster by
delivering an insensitive speech bristling with self-defence. Telling the
relatives of dead and dying miners that "these types of incidents are
ordinary things" was his way of deflecting any kind of responsibility for
the blast in the wake of reports that the government ignored safety concerns
about the privately owned mine, which were raised as recently as two weeks ago
by opposition MPs.
The anger was echoed in cities across Turkey as thousands of
people with coal-smeared faces took to the streets, carrying placards that
read: "Soma was not an accident, it was a massacre." They called for
the resignation of the energy minister, Taner Yıldız, and of Erdoğan himself.
There is anger at a blase attitude to worker safety that
prevails nationwide, and a strong sense that this blast in particular could
have been prevented. Twitter has yet again proved itself to be Erdoğan's bete noir
by facilitating the spread of several damning photographs relating to the
government's response to Soma, pre- and post-blast. One of these shows an
opposition minister speaking in parliament on 29 April, brandishing a miner's
hard hat and warning of poor conditions in the mine, as two AKP ministers chat
among themselves in the background. Another, taken yesterday, shows the prime
minister's adviser Yusuf Yerkel appearing to enthusiastically kick a protester
in Soma who was on the ground, already overpowered by a couple of gendarmes.
The government and its media mouthpieces have jumped into
self-defence mode, and Erdoğan's speech was typical of the belligerence that
marks his response to any kind of criticism. Yesterday, he chose to recount a
long list of mining disasters which have occurred abroad, stretching back to a
British disaster in 1862 and lingering on accidents which have occurred in
America, "which has every kind of technology". His advisers seemed to
have spent precious hours researching foreign mining history instead of coming
up with a detailed course of action to assure the public of Erdoğan's
commitment to finding those both directly and indirectly responsible for the
blast.
To many people, the insensitive tone of this speech and the
irrelevance of much of its content needs no spelling out. However, when I spoke
to an AKP supporter this morning about it, he was keen to explain the speech to
me in its best possible light. Erdoğan expressed deep sorrow, he pointed out.
It was quite right to remind the public of similar disasters – what fault was
there in that?
The instinctively protective reaction of this AKP supporter
explains, in a nutshell, why Erdoğan will survive what in most countries would
be a serious PR disaster. He has survived more personally targeted attacks in
the past six months, and his prickly self-defence is unlikely to fail him now,
when he enjoys the fanatic support of almost half the population. He is
rattled, however, and the protests yesterday had a raw anger that was missing
from recent, more political protests. Soma is now the biggest mining disaster
in Turkey's history, and people want answers.
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