terça-feira, 25 de agosto de 2020

Portugal e o problema da corrupção – parte 1

 

OPINIÃO

Portugal e o problema da corrupção – parte 1

 

Há cada vez mais sinais à nossa volta que indicam o regresso em força do velho PS clientelar, pela mão do próprio António Costa.

 

JOÃO MIGUEL TAVARES

25 de Agosto de 2020, 0:05

https://www.publico.pt/2020/08/25/politica/opiniao/portugal-problema-corrupcao-parte-1-1929107

 

Ao longo dos últimos cinco anos, mesmo sendo crítico da governação socialista, fiz sempre questão de traçar uma linha de demarcação entre José Sócrates e António Costa. Existe uma singularidade própria de Sócrates, da sua personalidade e do seu comportamento, e ganha-se pouco com comparações forçadas. Além do mais, Costa foi muito hábil a isolar Sócrates após a sua detenção, com uma das frases mais assassinas da democracia portuguesa – “ele está a lutar por aquilo que acredita ser a sua verdade” –, e a forma como refreou o PS de atacar a justiça portuguesa em 2014 e 2015 (ao contrário do que acontecera durante o caso Casa Pia) pareceu-me digno de respeito e admiração.

 

Mas o isolamento da figura de José Sócrates também teve consequências perniciosas, que se têm vindo a agravar com o tempo: se a sua reputação e carreira política estão para sempre destruídas, o sistema que o permitiu e o regime que alimentou a sua ascensão continua bem vivo – e, de certa forma, está até em processo de regeneração, após o abalo provocado pela troika. Ao sacrificar Sócrates, António Costa salvou o PS, salvou alguns dos maiores promotores do socratismo, que integraram o seu governo sem quaisquer problemas (Augusto Santos Silva, Vieira da Silva, João Galamba), e salvou o regime português da óbvia obrigação de reflectir sobre um gravíssimo problema de corrupção que culminou na destruição de bancos, de empresas, na prisão de um primeiro-ministro e na falência do país.

 

Como se tal não bastasse, há cada vez mais sinais à nossa volta que indicam o regresso em força do velho PS clientelar, pela mão do próprio António Costa. Antecipando os duríssimos tempos que se aproximam, é como se o primeiro-ministro estivesse já a mover as suas peças para alcançar o máximo controlo sobre a política, a economia, a justiça e os media, com uma série de decisões e de nomeações extremamente preocupantes: a não recondução de Joana Marques Vidal; o investimento monstruoso na nova estratégia nacional para o hidrogénio coordenada por João Galamba; a nomeação de Vítor Escária para a chefia do seu gabinete; a omnipresença do amigo Diogo Lacerda Machado, que nuns dias anda pela TAP, noutros é administrador não executivo no grupo de Mário Ferreira, essa estranha figura que comprou 30% da Media Capital a preço de saldo e apareceu miraculosamente a mandar na estação. Só falta mesmo Arons de Carvalho ir parar à RTP.

 

A acumulação deste conjunto de pequenos e grandes factos desenha um padrão a que o país tem de começar a prestar a atenção devida, para não descobrir apenas em 2023 que a dinâmica do Ministério Público se esfumou, que a EDP conseguiu escandalosas rendas com o negócio do hidrogénio, que a “diplomacia económica” do governo tem uma grande tendência para premiar os amigos do regime ou que a informação da TVI anda a fazer favores ao PS – e, claro, que o Chega é a terceira força política mais votada, porque os regimes podres e incapazes de se renovarem são pasto para todos os demagogos.

 

Este é o primeiro de uma série de três artigos dedicados a Portugal e ao problema da corrupção. Vou procurar explicar de forma mais estruturada do que é costume porque é que esta deveria ser a questão prioritária do país e porque é que é fundamental que comece a ser levada a sério. Muita gente quer convencer-nos de que estar sempre a falar de corrupção é uma forma de populismo. O maior truque do diabo é convencer-nos de que não existe. Tentarei mostrar porquê.

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