sexta-feira, 17 de julho de 2020

VIDEO:EU leaders discuss pandemic recovery plan: What's at stake? | DW News / “Todos de acordo menos um” na governança do fundo de recuperação / Líderes com margem mínima e pressão máxima para um acordo político




The European Union is at a crossroads, with member states looking for leadership and cash to bolster economies that have been hard hit by the coronavirus pandemic and lockdowns. Leaders are in Brussels for their first face-to-face meeting in months. Germany's Chancellor Angela Merkel is chairing the summit, and she wants to persuade the bloc's richer nations to allow grants for countries like Italy, Spain and Portugal to help them overcome the worst of the pandemic. But those richer members, including Austria, Sweden, Finland and the Netherlands, want to see tightly-controlled loans instead, and all eyes are on Dutch Prime Minister Mark Rutte, who is taking a tough stance. Merkel has admitted that finding a compromise will be difficult.


CORONAVÍRUS
“Todos de acordo menos um” na governança do fundo de recuperação

Países Baixos mantêm-se intransigentes: quem vai receber subsídios tem de cumprir um programa estrito de reformas; qualquer desvio das metas implica a suspensão dos pagamentos.

Rita Siza
Rita Siza , Bruxelas 17 de Julho de 2020, 21:44

Não é só politicamente que a proposta do primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, de ter o Conselho Europeu a votar por unanimidade os pagamentos dos planos de recuperação e resiliência de cada Estado-membro, é problemática. A solução reclamada pelo líder holandês para a governança do futuro fundo de recuperação da economia europeia, de 750 mil milhões de euros, vai contra as disposições dos tratados, concluíram os serviços jurídicos da Comissão e do Conselho Europeu.

Segundo o PÚBLICO apurou, a base jurídica em que assenta o futuro instrumento de recuperação e resiliência é a mesma da política de coesão: o artigo 175.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que diz respeito aos fundos e demais instrumentos “com finalidade estrutural”, isto é, que contribuem para promover a coesão económica, social e territorial.

O que esse artigo prevê é que, sempre que houver “necessidade de acções específicas não inseridas no âmbito dos fundos”, esta seja aprovada pelo Parlamento Europeu e Conselho, numa deliberação “de acordo com o processo legislativo ordinário”, que não exige a unanimidade. Para introduzir essa votação no regulamento, como pretende Rutte, seria preciso redesenhar todo o edifício jurídico do fundo de recuperação — ou então, alterar os tratados para que as decisões da política de coesão passem a ser por maioria reforçada e não qualificada, o que é impensável.

Mas os pareceres jurídicos não puseram um ponto final nas pretensões do governante holandês, que esta sexta-feira à entrada para a reunião extraordinária do Conselho Europeu, em Bruxelas (a primeira cimeira presencial entre os 27 chefes de Estado e governo desde Fevereiro) insistiu que sem a condicionalidade às reformas estruturais, e a vigilância reforçada pelo veto na aplicação dos fundos, não aprovaria a constituição do fundo “Próxima Geração UE” para apoiar o relançamento e a transformação da economia europeia após a crise do coronavírus.

“Não vim aqui para bloquear ou vetar, mas para argumentar e negociar”, afirmou o líder dos Países Baixos, e porta-voz do grupo dos chamados “frugais”, todos do Norte da Europa. “Estamos completamente a favor da solidariedade, mas em troca de reformas [estruturais]. Para nós é muito importante que os países que querem aceder a subsídios tenham que comprometer-se com reformas. E precisamos de garantias de que essas reformas são efectivamente implementadas”, declarou, reconhecendo que existem muitas resistências a esta ideia e colocando, por isso, as hipóteses de um acordo “abaixo dos 50%”.

Dúvidas alemãs
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, também refreou as expectativas criadas de uma conclusão pacífica da cimeira. “Não consigo prever se vamos ter acordo ou não. As negociações vão ser muito difíceis”, disse, elogiando o trabalho preparatório feito pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

“Agora tudo depende da vontade dos líderes para chegar a um compromisso”, notou, lembrando que da última vez que os 27 se juntaram para debater o próximo quadro financeiro plurianual 2021-27, antes da crise do coronavírus, não conseguiram entender-se. “A nossa cimeira em Fevereiro foi um fracasso. Mas agora a situação é completamente diferente”,

À chegada, o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, evocou as previsões macroeconómicas de Verão apresentadas pela Comissão para pintar um quadro de devastação económica e social. “Não devemos perder de vista este panorama: estamos a viver a nossa maior depressão económica desde a Segunda Guerra Mundial. Precisamos de uma resposta ambiciosa”, defendeu, repetindo o que Merkel tem vindo a dizer há meses.

Confrontados com um cenário generalizado de crise (ainda que mais profunda nuns países do que noutros), os líderes iniciaram a sessão com um debate sobre o fundo de recuperação. As intervenções iniciais confirmaram aquilo que já se sabia: não há consenso nem quanto ao montante global de 750 mil milhões de euros e ao rácio entre subvenções /500 mil milhões) e empréstimos (250 mil milhões); nem quanto aos critérios para a distribuição das verbas; nem sobre a governança.

Os primeiros dois elementos serão mais fáceis de resolver. “Em nenhuma dessas matérias, as questões levantadas eram intransponíveis. Há margem para negociação nas rondas seguintes”, contou ao PÚBLICO uma fonte europeia, quando os trabalhos foram interrompidos para um curto intervalo (seriam reatados ao jantar).

Já o terceiro tem potencial para fazer estalar o verniz entre os líderes do Norte, adeptos da disciplina orçamental, e os do Sul, traumatizados com as políticas de austeridade — embora, como informou um diplomata, o debate tenha decorrido sem exaltações. “A temperatura da sala ainda não subiu. Talvez os líderes estejam a poupar as suas energias para amanhã”, especulou.

Como se previa, o grande obstáculo a ultrapassar é a questão da governança do fundo de recuperação, em que “todos estão de acordo menos um”. O primeiro-ministro holandês está isolado na sua exigência de veto aos desembolsos das tranches dos planos nacionais, mas vários líderes são sensíveis ao argumento de Mark Rutte de que é essencial garantir uma utilização boa e virtuosa das vastas quantias que a Comissão Europeia vai disponibilizar aos Estados-membros, com base na emissão de dívida conjunta.

Afastada a hipótese da unanimidade, e explicado o “risco de uma infinitude de vetos cruzados”, o presidente do Conselho Europeu avançou uma proposta alternativa: a hipótese de, em situações de “extrema excepcionalidade”, os Estados-membros poderem accionar um “travão de emergência”, e suspender determinados pagamentos até se proceder a uma espécie de auditoria à execução dos programas de reformas.

Numa primeira leitura, Mark Rutte não gostou: achou que a solução ainda era demasiado branda, e que eventuais prevaricadores poderiam escapar a uma penalização.

Segundo explicou fonte europeia, o primeiro-ministro holandês quer certificar-se que o mecanismo para a suspensão dos pagamentos que ficar previsto no regulamento é uma ameaça suficientemente credível para que nenhum Estado-membro arrisque desviar-se das metas fixadas nos respectivos planos. “Ele quer uma garantia de veto, mas não necessariamente o poder para o exercer”, resumiu fonte europeia. A discussão ainda está para durar.

Líderes com margem mínima e pressão máxima para um acordo político

Divergências mantinham-se antes da reunião extraordinária do Conselho Europeu para discutir o plano de recuperação da crise e o próximo quadro financeiro plurianual, que arranca esta sexta-feira em Bruxelas. Acabará no sábado como previsto, ou as negociações irão prolongar-se?

Rita Siza
Rita Siza , Bruxelas 16 de Julho de 2020, 23:34

Pela primeira vez desde Fevereiro, os 27 chefes de Estado e governo da União Europeia, e os presidentes das instituições comunitárias, vão estar todos juntos na mesma sala. Concretamente, a sala EBS5 do Conselho Europeu, de onde se espera saia um acordo político para avançar com o maior pacote de estímulo económico de sempre em resposta à crise provocada pelo novo coronavírus: um fundo extraordinário de 750 mil milhões de euros para acelerar a retoma nos próximos três anos, aos quais se juntam o orçamento plurianual de 1,074 biliões de euros para transformar a economia e reduzir as divergências entre os Estados-membros, até 2027.

O espaço preparado para a discussão dos líderes, no quinto piso do edifício Europa, está habitualmente reservado a grandes eventos, como por exemplo as cimeiras multilaterais da União Europeia com a União Africana que reúnem mais de 60 delegações. Com uma área total de 850 metros quadrados, tem capacidade para sentar 330 pessoas — mas esta sexta e sábado, em cumprimento das regras sanitárias da nova era de pandemia, apenas será ocupada pelos 31 líderes, acompanhados por um máximo de quatro conselheiros, todos devidamente distantes pelo menos dois metros uns dos outros.

À chegada, os líderes serão dispensados dos cumprimentos protocolares, e das habituais declarações aos media. Nas viagens de elevador, terão de observar a lotação máxima de duas pessoas. E até entrar na sala do plenário, deverão utilizar a máscara. As restrições e outros constrangimentos foram debatidos e comunicados com a devida antecedência pelos serviços do Conselho Europeu, que ainda assim cuidaram de deixar várias salas de reuniões preparadas para os inevitáveis encontros bilaterais e trilaterais em que os líderes verdadeiramente negoceiam e acertam posições.

E nos próximos dois dias (que até podem acabar por ser três) há muito para negociar. Na sua reunião anterior, ainda por videoconferência, a 19 de Junho, os líderes deram o seu assentimento ao ambicioso e inovador plano desenhado pela Comissão Europeia, de associar ao orçamento de longo prazo da UE um novo fundo de recuperação temporário, financiado através da emissão de dívida conjunta e canalizado para os programas comunitários.

Mas, agora, além dos princípios gerais desta solução que chegou a ser comparada ao momento “hamiltoniano” que abriu caminho à federalização do tesouro norte-americano, têm também para discutir os montantes financeiros, já devidamente arrumados em envelopes nacionais. A parada está mais alta do que nunca, e a aprovação exige a unanimidade.

A proposta de compromisso que o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pôs em cima da mesa para discussão está repleta de elementos que os diferentes Estados-membros esperam conseguir alterar durante a negociação, tanto no que diz respeito ao volume, modelo e governança do fundo de recuperação (baptizado como “Próxima Geração UE”), como em relação ao valor global do orçamento, a repartição das verbas pelas diferentes prioridades e políticas comunitárias, os descontos ou “compensações” concedidos aos chamados contribuintes líquidos e ainda os novos recursos próprios, isto é, fontes de receita alternativas às transferências nacionais, para acomodar o pagamento do empréstimo dos mercados.


Para que toda a arquitectura do plano de recuperação funcione, os líderes têm de confirmar já o seu acordo à proposta de aumentar o tecto dos recursos próprios do quadro financeiro plurianual para os 2%, uma vez que será nesta margem virtual que a Comissão baseará a operação financeira para constituir o fundo.

Depois da aprovação por unanimidade no Conselho, e da votação por maioria no Parlamento Europeu, essa decisão tem de ser ratificada pelos parlamentos nacionais, o que implica a consulta das 41 câmaras legislativas existentes na União Europeia (a Bélgica, por exemplo, tem seis parlamentos). Basta um chumbo para fazer ruir tudo pela base.

A margem de manobra é mínima, e a pressão do calendário é imensa. “Vai ser preciso muito trabalho e vontade política para chegar a consenso, mas este é o momento. O acordo é essencial”, vincou Charles Michel, na habitual carta de convite para a cimeira. “A pandemia de covid-19, que reclamou tantas vidas em toda a Europa, foi um golpe muito sério para as nossas economias e sociedades. Temos de concentrar todos os nossos esforços e encontrar soluções para que a nossa recuperação seja sustentável”, acrescentou.

Com os líderes ainda bastante afastados nas “grandes linhas” do pacote global, e vários pormenores “horizontais” ainda por acertar, a grande questão é se estarão reunidas as condições para fechar já um acordo, ou se as negociações vão prolongar-se durante mais alguns dias — um prolongamento “técnico” que fontes europeias admitiam poder ser necessário também por causa dos constrangimentos da pandemia.

Como as delegações nacionais foram significativamente reduzidas (em vez dos 19 membros habituais, os líderes poderão fazer-se acompanhar no máximo por seis assessores), será mais difícil refazer todas as contas de cada vez que foram sugeridas alterações nas grelhas da chamada “negotiating box”.

A equipa de Charles Michel acredita que apesar das divergências que persistem, será possível encontrar um consenso ainda este fim-de-semana. “Vamos certamente fazer todos os possíveis”, dizem os responsáveis do Conselho Europeu, que além de todos os líderes dos países do Sul, contam com dois poderosos aliados a fazer “lobby” para a aprovação da actual proposta de compromisso: a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o Presidente de França, Emmanuel Macron, que abriram o caminho para a solução desenhada pela Comissão ao avançar com a proposta de um fundo temporário de 500 mil milhões de euros para apoiar a recuperação dos sectores e regiões mais afectadas pela pandemia.

Condicionalidade incomoda muita gente
O holandês, Mark Rutte é o único que não vê inconvenientes em adiar a decisão para depois do Verão. O primeiro-ministro dos Países Baixos volta a assumir o papel de porta-voz dos chamados “frugais”, que exigem uma maior redução do volume global do próximo QFP e reclamam a revisão da fórmula prevista para a distribuição do dinheiro do fundo de recuperação, com a diminuição da parcela das subvenções de 500 mil milhões euros, o valor pedido por Merkel e Macron e defendido pela Comissão.

Os seus homólogos da Áustria, Dinamarca e Suécia foram suavizando posições e mostrando abertura para negociar, enquanto a Finlândia se mantém uma incógnita: a primeira-ministra, Sanna Marin, chega a Bruxelas fortemente condicionada pela posição de força do seu parlamento, que recusa transigir na questão dos empréstimos (“loans for loans” em vez de transferências directas).

Em Haia, Mark Rutte deu a entender que até poderia engolir o valor previsto para as subvenções, desde que pudesse ter uma palavra a dizer na governança do fundo de recuperação, isto é, na forma como cada país vai gastar o dinheiro que lhe for atribuído. E essa palavra pode ser “não”: o que os Países Baixos defendem é que além da aprovação dos planos nacionais de recuperação e resiliência, também o processo de desembolso dos fundos exija a unanimidade do Conselho — e não apenas a confirmação pelo executivo que as metas estão a ser cumpridas.

A proposta original da Comissão já tinha um elemento de condicionalidade, ao ligar os planos às metas do Semestre Europeu. O compromisso de Charles Michel já reforça a vigilância do Conselho, na aprovação dos planos e na autorização dos pagamentos, após consulta ao Comité Económico e Financeiro. Mas Mark Rutte exige mais, e recusa financiar o fundo de recuperação sem condições exigentes em termos de reformas para o desembolso do dinheiro e sem o poder de veto sobre as despesas dos outros países.

Nenhum outro país exige ir tão longe, mas o isolamento não incomoda Rutte (mais incómodo é o parecer dos serviços jurídicos do Conselho, que disse que a proposta holandesa não é aplicável à luz do artigo 175.º do tratado). “Pelas respostas que tenho recebido, a ideia não está a ser muito bem aceite. Mas subsídios só com condições muito restritas, não pode ser de outra maneira. Por isso não sei dizer se vai ser possível chegarmos a acordo”, admitiu no parlamento holandês.

A governança é o maior obstáculo a ultrapassar, mas não é o único. Como diz a cantiga, se uma condicionalidade incomoda muita gente, duas condicionalidades incomodam muito mais. Além de Rutte, também o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, ameaça usar o veto e bloquear o processo se não for eliminada da proposta uma nova regra que condiciona a atribuição das verbas do orçamento comum ao respeito pelo estado de Direito.

Países como a Hungria e a Polónia, a braços com procedimentos de infracção ao abrigo do artigo 7.º do Tratado de Lisboa, por violações do estado de Direito, correm o risco de uma redução ou suspensão das transferências financeiras. Charles Michel procurou acalmar a fúria do líder húngaro, sugerindo que a aplicação das medidas correctivas mais drásticas seja decidida numa votação do Conselho por maioria qualificada — uma enorme concessão política e que torna inviabiliza qualquer penalização, uma vez que uma minoria de bloqueio pode sempre ser formada. Mas Orbán não cede: nem mesmo uma regra impraticável pode ser tolerada.

Em declarações à saída de uma reunião com Viktor Orbán em Budapeste, e que sentiu necessidade de clarificar no dia seguinte, o primeiro-ministro António Costa tentou deitar água na fervura, afirmando que a discussão sobre as violações das normas do Estado de Direito não deve contaminar o debate do Conselho Europeu sobre o próximo QFP e o plano de recuperação económica. A “posição de princípio” repetida pelo primeiro-ministro, de que os valores europeus são inegociáveis, não configura, porém, uma oposição de Portugal à proposta da Comissão (e mantida por Charles Michel) de introduzir um mecanismo de vigilância do Estado de Direito como condicionalidade para o acesso aos fundos de Bruxelas. “Portugal aceita e apoia o que está na proposta da Comissão”, esclareceu Costa, à chegada a Bruxelas.

O primeiro-ministro disse que apesar das diferentes preocupações e perspectivas que existem em múltiplas matérias, já não sobra “nenhuma questão que não seja susceptível de ser ultrapassada com vontade política” — e acrescentou que mesmo as objecções levantadas por Rutte e Orbán “podem ser satisfeitas por outras vias”.


“Não há problemas insuperáveis”, garantiu, pelo que acredita que a cimeira possa ser conclusiva e o plano de relançamento aprovado. Pela sua parte, revelou, está “em condições de entrar no Conselho e aprovar a proposta”, que garante ao país o maior envelope financeiro de sempre: cerca de 48,5 mil milhões de euros nos próximos sete anos.



Sem comentários: