EDITORIAL NOVO
BANCO
O estranho caso dos 850 milhões para o Novo Banco
Um primeiro-ministro que mostra no Parlamento desconhecer
que o seu Governo tinha avançado com um empréstimo de 850 milhões de euros para
acudir aos buracos de um banco não é uma situação normal.
MANUEL CARVALHO
8 de Maio de
2020, 21:48
O
primeiro-ministro habituou-nos a ser fiável na memória e capaz no conhecimento
em sucessivas entrevistas, prestações parlamentares ou em conferências de
imprensa, como as que fez durante a pandemia. Custa por isso entender o que
esteve na origem do desconhecimento que revelou sobre o processo Novo Banco
esta semana na Assembleia. Se fosse um detalhe num gasto com uma ribeira em
Alverca, percebia-se. Se em causa estivesse uma alínea de uma medida para a
pecuária, aceitava-se. O que se passou, porém, é de tal gravidade que constitui
um dos maiores erros políticos de António Costa em anos. Um primeiro-ministro
que mostra no Parlamento desconhecer que o seu Governo tinha avançado com um
empréstimo de 850 milhões de euros para acudir aos buracos de um banco não é
uma situação normal. Expõe um descontrolo que a crise da covid-19 não justifica
ou a existência de correntes subterrâneas no Governo que nenhum chefe pode
tolerar.
A sensibilidade
política a mais uma prestação para cobrir novas perdas do Novo Banco é extrema.
O Bloco e o PCP fazem do escrutínio desse processo um filet mignon suculento e
interminável. Mesmo sabendo que no final do dia o Estado teria de conceder um
novo empréstimo para o Fundo de Resolução salvar o banco, mesmo tendo-o
prevenido com uma dotação de 600 milhões no Orçamento, António Costa tratou de
se resguardar, dizendo na Assembleia no dia 22 de Abril que estava à espera dos
resultados de uma auditoria para tomar “decisões fundamentais”. Ao dizê-lo
publicamente, o primeiro-ministro vinculou-se a si e ao seu Governo. Ao
reiterá-lo, esta quinta-feira, voltou a sugerir que, politicamente, tinha tudo
sob controlo. Horas depois, o Expresso mostrou que o empréstimo tinha sido
feito sem que o primeiro-ministro soubesse. O próprio António Costa admitiu que
“não tinha sido informado”.
Há em toda esta
história elementos de um filme policial. Mas afastemos narrativas suspeitosas e
cinjamo-nos aos factos: ou as Finanças não sabiam que o empréstimo dependia da
auditoria; ou sabiam e esqueceram. Fosse o que fosse, desconhecimento,
descoordenação ou falta de dever de lealdade, o que é indiscutível é que o
primeiro-ministro se estatelou no Parlamento e teve de fazer um pedido de
desculpas a Catarina Martins. Se a gestão da pandemia tinha promovido António
Costa, este episódio é uma nódoa no seu currículo; se Mário Centeno estava de
novo com um pé fora do Governo, agora fica com os dois. Um empréstimo de 850
milhões a um banco problemático, feito à revelia das condições anunciadas pelo
primeiro-ministro, não pode passar sem consequências.
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