João Miguel
Tavares
OPINIÃO
O despedimento de Ventura e o apoio aos media
Qual foi o critério para a atribuição daqueles valores?
Onde está a fórmula mágica? Como se explica que a Global, com 538 funcionários
em layoff, seja premiada com um milhão de euros?
João Miguel
Tavares
20 de Maio de
2020, 22:20
André Ventura foi
despedido, embora do sítio errado: saiu do Correio da Manhã e da CMTV,
continuando com lugar assegurado no Parlamento, e por muitos anos, a acreditar
nas sondagens. Octávio Ribeiro, director-geral da Cofina, justificou a sua
dispensa com o facto de o deputado do Chega ter ultrapassado “algumas linhas
vermelhas” nos últimos tempos. Não explicou que linhas foram essas, e para o
caso também não interessa, porque este texto não é sobre André Ventura.
Este texto é
sobre uma coincidência que rapidamente se transformou numa teoria da
conspiração. O despedimento de André Ventura foi conhecido precisamente no dia
em que o governo publicou a lista de apoio aos media, com uma distribuição de
11,25 milhões de euros pelas principais empresas de comunicação social. À
Cofina coube perto de 1,7 milhões. A teoria da conspiração é daquelas de unir
pelos pontinhos: os milhões foram uma prenda do governo à Cofina em troca da
cabeça mediática de Ventura.
Pergunta: é uma
boa teoria? Resposta: não, é péssima. Essa seria a forma mais canhestra de correr
com André Ventura do Correio da Manhã, e só com uma leitura muito primária dos
equilíbrios políticos é que alguém pode achar que o Chega prejudica o Partido
Socialista ao ponto de valer a pena envolver-se numa jogada de roleta russa por
causa da cabeça do André. O Chega é muito mais prejudicial à direita e a partes
da extrema-esquerda, e os inimigos dos teus inimigos teus amigos são. Seria um
absurdo António Costa querer impedir Ventura de comentar foras de jogo na CMTV.
José Manuel Fernandes explicou a estratégia socialista no Observador:
“Enfraquecer os partidos da direita moderada, criar uma espécie de ‘cordão
sanitário’ que torne o Chega infrequentável, e assim afastar a direita por
longos anos de qualquer veleidade de recuperar uma maioria que lhe permita
voltar a governar.”
É exactamente
isso, e é por ser isso que a coincidência do dia do despedimento de Ventura com
o dia do apoio à Cofina é argumento muito fraco como teoria da conspiração.
Contudo, é argumento bastante forte como justificativo das razões por que não
deve o Estado subsidiar órgãos de comunicação social, e por que não devem os
órgãos de comunicação social aceitar subsídios do Estado. Bem pode o governo
pregar que se tratou apenas de um adiantamento de contratos de publicidade
institucional; e bem podem os meios de comunicação garantir a sua imunidade às
pressões governamentais – pouco importa. Aquilo que a comunicação social perde
em danos reputacionais por apoios deste tipo é muito mais do que aquilo que ela
ganha em contratos de publicidade que o Estado, provavelmente, acabaria por
assinar, mas sem este arzinho de mão estendida.
Neste ponto, o
povo estará sempre ao lado de Rui Rio, que depois de comparar, com a elegância
habitual, empresas de media a empresas de sapatos, declarou no Twitter: “15
milhões de € de impostos para ajudar a pagar os programas da manhã e o Big
Brother.” Demagógico? Sim. Eficaz? Sem dúvida. Sobretudo por isto: qual foi o
critério para a atribuição daqueles valores? Onde está a fórmula mágica? Como
se explica que a Global, com 538 funcionários em layoff, seja premiada com um
milhão de euros? É suposto a covid-19 ser a melhor notícia que a dupla
Proença/Camões recebeu no último ano? Isto não faz qualquer sentido. Há muitas
formas de apoiar a comunicação social. Subsídios directos com critérios
arbitrários e inescrutáveis é a pior de todas elas.
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