Tap provoca apreensão no interior do governo e do partido
JOÃO AMARAL
SANTOS
24/05/2020 10:56
Os papeis do Estado e dos privados no futuro da companhia
aérea está a criar alguma tensão entre membros do Governo e do próprio PS.
Pedro Nuno Santos exclui ajuda do Estado sem intervenção direta nas decisões da
companhia. Costa e Siza Vieira dizem que não é tempo de tomar decisões
estratégicas.
A forma como o processo de auxílio à TAP
culminará e o papel do Estado na companhia se avançar com a injeção de quase
mil milhões de euros está a criar
apreensão no seio do Governo e do próprio partido. Nomeadamente porque
poderá contribuir para uma precipitação de um debate de matriz ideológica, como
decorre das recentes declarações do ministro Pedro Nuno Santos no Parlamento,
que vieram agravar a situação, segundo apurou o SOL.
Embora alinhados
nas intenções de apoiar a companhia aérea nacional - através da injeção de
dinheiro público -, vários membros do Executivo socialista divergem, sobretudo,
em relação ao papel que o Estado e os acionista privados devem assumir no
futuro na estrutura societária da empresa após concluídas as negociações e
injetado o dinheiro.
António Costa e
Pedro Nuno Santos são os principais rostos das partes em confronto nessas
‘opções ideológicas’ - com o líder do partido a polarizar as teses da ala mais
à direita ou social-democrata do partido e o ministro que levantou o Congresso
de Guimarães a liderar a tendência socialista ou mais à esquerda do PS. E, na
última semana foram várias as declarações públicas contraditórias, tanto no tom
como no conteúdo, das teses em confronto no Executivo (onde parece vingar a
tendência mais liberal de Siza Vieira) e do partido (esmagadoramente ao lado da
via socializante de Pedro Nuno Santos. O primeiro-ministro não abdica de
incluir na equação o parceiro privado - a Atlantic Gateway (controlada por
David Neeleman e Humberto Pedrosa) ou outro -, tal como aconteceu até aqui, mas
Pedro Nuno Santos estará mesmo disposto (e até interessado) a abrir uma nova
era na companhia aérea nacional, através da extensão do controlo do Estado
sobre a empresa.
Foi, aliás,
exatamente essa a posição assumida, na terça-feira, pelo ministro das
Infraestruturas e Habitação, quando afirmou, na Assembleia da República, que o
apoio à TAP dependerá sempre do resultado das negociações que decorrem entre o
Estado e o acionista privado. «O Governo está disponível para salvar a TAP, mas
não a qualquer preço», disse, acrescentando que tal só acontecerá «se as nossas
condições forem aceites, por respeito ao povo português e na defesa do
interesse coletivo».
Neste momento,
ainda falta chegar a acordo - quanto ao valor e à forma de fazer chegar o
dinheiro -, mas uma das condições desejadas por Pedro Nuno Santos será mesmo
que a Atlantic Gateway consiga acompanhar o investimento público a ser
efetuado, numa lógica de repartição dos encargos. Se tal não acontecer, o
ministro considera que o Estado deve poder ‘colher’ a parte da empresa que,
para já, ainda lhe pertence: «Se o [acionista] privado não tiver como
acompanhar, há créditos que eles têm sobre a empresa que têm de ser convertidos
em capital». Na prática, esta seria uma forma do Estado português recuperar a
maioria da TAP. Na mesma sessão, Pedro Nuno Santo optou, inclusive, por
dramatizar a questão, colocando em cima da mesa um possível cenário de
«insolvência» da empresa, caso não se alcance um acordo entre as partes.
Estas declarações
causaram espanto, e até mesmo desconforto, entre membros do Governo, uma vez
que o próprio António Costa admite outros cenários e rejeita qualquer
possibilidade de insolvência.
O distanciamento
do Governo em relação ao partido em matéria de TAP parece no entanto ser
factual.
O SOL ouviu
vários socialistas que sublinharam que as bases do partido se aproximam muito
mais da posição de Pedro Nuno Santos do que da de António Costa e do
independente Siza Vieira, que tem vindo a ganhar ascendência no Governo -
sobretudo com o esfriamento das relações entre o primeiro-ministro e o ministro
das Finanças, Mário Centeno.
Por outro lado, a
maioria dos membros do Governo mantém-se com António Costa. As divergências,
nesta matéria, têm afastado assim o Governo
do próprio partido que o apoia.
Negociações prosseguem
Entretanto, as
reuniões entre o Estado e a TAP sucedem-se, mas ainda sem que as partes tenham
chegado a um entendimento.
Tal como adiantou
o SOL, na sua última edição, o grupo de trabalho criado pelo Governo para
conduzir as negociações apenas se sentou à mesa das negociações na condição
irrevogável de os representantes do Estado que integram o conselho de
administração da TAP passarem a ter uma participação direta na validação das
decisões da comissão executiva da empresa. Na prática, isto significa que os
administradores da TAP designados pelo Estado (através da Parpública) - Miguel
Frasquilho, presidente do conselho de administração, e os vogais Diogo Lacerda
Machado, Esmeralda Dourado, Bernardo Trindade, Ana Pinho Silva e António Gomes
de Menezes - , antes membros não executivos do conselho de administração,
passaram, no imediato, a ter uma participação direta e voz ativa nas decisões
da comissão executiva, mesmo antes de se ter alcançado qualquer acordo.
O grupo de
trabalho é liderado por João Nuno Mendes, antigo secretário de Estado do
Planeamento no segundo Governo de António Guterres e ex-presidente da Águas de
Portugal, e inclui ainda o próprio Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado do
Tesouro, Álvaro Novo (representante do ministério das Finanças), a Parpública e
ainda a sociedade Vieira da Almeida, como conselheira jurídica, e a consultora
Deloitte, como auditora financeira.
Em causa, e tal
como já havia adiantado o SOL na última edição, estará a injeção de um valor
que poderá superar os mil milhões de euros, um número que, nesta fase das
negociações, parece ‘agradar’ a ambas as partes, embora ultrapasse largamente
os 350 milhões de euros estimados, em meados de abril, pela Atlantic Gateway.
O valor final
deverá ter em consideração o rácio entre o número de aviões e o número de
passageiros transportados no ano passado pela companhia aérea, seguindo, desta
forma, a fórmula utilizada por outras companhias aéreas que também já
recorreram a auxílios públicos. A TAP tem uma frota de 105 aviões e transportou
17,1 milhões de passageiros em 2019; a título de exemplo, a Swiss Air (com 107 aviões e
21,5 milhões de passageiros transportados o ano passado) recebeu ajudas
públicas no valor de 1,4 mil milhões de euros; por sua vez, a Ibéria (107
aviões e 22,5 milhões de passageiros em 2019) teve uma injeção de capital no
valor de 750 milhões de euros.
O secretário de
Estado do Tesouro, Álvaro Novo, chegou mesmo a confirmar um calendário
previsível para a conclusão deste processo, apontando para um acordo «até final
de maio» e uma injeção de dinheiro a ser concretizada até «meados de junho».
Mas, se quanto ao
valor as partes parecem próximas, o mesmo não se poderá dizer, para já, quanto
à forma como o dinheiro chegará à empresa. Em equação, estará um aumento de
capital em parcelas iguais, dividido Estado e privado, opção preferida de Pedro
Nuno Santos, mas que, neste momento, não será do agrado da Atlantic Gateway,
impossibilitada de investir de forma avultada. Outra opção é a contratualização
de um empréstimo público ou privado, que, em ambos os casos, se converteria em
ações para o Estado, em caso de incumprimento por parte da empresa.
Bruxelas ‘emagrece’ TAP
À exceção do
aumento de capital, a última palavra caberá sempre à Comissão Europeia, que,
além de ter de autorizar a injeção de dinheiro público, só o deverá fazer na
condição de se verificar uma reestruturação da empresa, que incluiria sempre a
redução de rotas e frota e inevitáveis despedimentos. Os primeiros números
surgiram esta semana e dão conta de uma redução de 25% a frota (menos oito
aviões de longo curso e 23 de médio) e do despedimento de 1.700 trabalhadores, avançou a Rádio
Renascença.
Entretanto, ontem
a TAP decidiu prolongar o layofff até final de junho.
Milhares de despedimentos no setor
O setor da
aviação terá ainda um longo (e duro) caminho pela frente até à recuperação. E,
ainda assim, a nova ‘normalidade’ obrigará sempre a redimensionar as companhias
aéreas, através da redução da frota, de rotas e de trabalhadores. A Associação
Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês), embora preveja
uma recuperação já a partir do final deste ano, e acelerada em 2021, admite que
apenas em 2023 será possível atingir os níveis de tráfego aéreo registado em
2019. Estas previsões vão ter consequências práticas, que se fazem sentir,
sobretudo, na onda de despedimentos anunciados. O grupo IAG (que também detém a
Ibéria e a Vueling) prevê despedir 12 mil trabalhadores da British Airways. A
que se somam 5.000 na SAS, 2.000 na IcelandAir, 3.500 na United Airlines e
cerca de 3.000 na Virgin Atlantic. Exatamente os mesmos 3.000 que Michael
O’Leary, CEO da Ryanair, prevê dispensar na companhia irlandesa de baixo custo.
Uma nova realidade que, porém, não terá ainda conhecido o seu capítulo final.
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