quarta-feira, 20 de maio de 2020

Remuneração dos gestores do Novo Banco disparou 75% com Lone Star


O estado de excepção do Novo Banco é um escândalo nacional

No dia em que se sabe que o desemprego aumenta e a covid-19 nos coloca à beira de uma nova crise económica, o estado de excepção do Novo Banco é um escândalo nacional.

ANA SÁ LOPES
20 de Maio de 2020, 13:31

Os bancos não aprenderam nada com a crise financeira de 2008. Havia uma esperança, na época, de que o choque obrigasse a uma reforma profunda no sistema financeiro — não aconteceu. Foi preciso mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma, glosando a famosa e repetida frase de O Leopardo. Em geral, os hábitos e o modus operandi pré-2008 prosseguiram, com mais ou menos vergonha.

As classes sociais da Idade Média, antes do advento da burguesia, eram três: clero, nobreza e povo. Os bancos pertencem à aristocracia — na nossa sociedade não são tratados como os demais, particulares e empresas. Devem mesmo possuir um direito sobre a terra e os rendimentos atribuídos por um rei que é investido alegadamente por Deus. Os escândalos do BES radicam nesta noção de estar acima de todos.

Foi-se o BES e ficou o “banco bom” — o Novo Banco —, que acabou de receber mais uma tranche de favores do Estado: os famosos 850 milhões que iam provocando uma crise política e que nos demonstraram como o nosso Estado (primeiro-ministro, Presidente da República) é um portento à infantilidade. Os dois defendiam que não fosse feita uma transferência enquanto uma determinada auditoria não estivesse pronta; a transferência foi feita pelo ministro das Finanças porque já estava aprovada; não aconteceu nada. Afinal, segundo o gabinete do primeiro-ministro, auditorias já havia muitas.

O que Cristina Ferreira nos conta nesta quarta-feira no PÚBLICO é de fazer espumar de indignação o mais sóbrio dos portugueses. Apesar de acumular prejuízos em cima de prejuízos e de continuar a ter capital injectado pelo Estado — sim, é um empréstimo, mas qualquer contribuinte adoraria ter um empréstimo daqueles a várias décadas —, os salários dos administradores do Novo Banco subiram 75% com a venda à Lone Star.

Um caso manifesto de hubris. Afinal, o Estado cá está para pagar — ou emprestar durante décadas — a conta. E as auditorias foram todas feitas e devem ter corrido excepcionalmente bem, como nos garantiu o tal comunicado do primeiro-ministro escrito depois das tréguas com Mário Centeno. E vêm aí prémios aos gestores — responsáveis pelo sucesso dos prejuízos — que o Governo e o PS candidamente questionam, sugerindo que se reverta a decisão.

No dia em que se sabe que o desemprego aumenta e a covid-19 nos coloca à beira de uma nova crise económica, o estado de excepção do Novo Banco é um escândalo nacional.

Remuneração dos gestores do Novo Banco disparou 75% com Lone Star

Subida da massa salarial nos últimos dois exercícios completos acompanha prejuízos milionários do banco e injecções do Estado de mais de dois mil milhões.

Cristina Ferreira
Cristina Ferreira 20 de Maio de 2020, 6:58

Os membros da comissão executiva do Novo Banco viram as suas remunerações serem aumentadas em quase um milhão de euros assim que a instituição passou para a esfera do fundo de private equity norte-americano Lone Star e, em três anos, assumiu prejuízos de 3,866 mil milhões, os que sustentaram os pedidos de injecção de dinheiros públicos na instituição que já superaram dois mil milhões. Se a conta incluir o que recebem os membros do Conselho Geral e de Supervisão do Novo Banco, chefiado por Byron Haynes, criado a seguir à venda, então o diferencial, face aos encargos com a gestão em 2016 (em que não havia este órgão), aumenta para quase dois milhões de euros.

Em 2017, a remuneração anual dos seis gestores executivos do Novo Banco cifrou-se em 1.336.000 euros, dos quais 329.600 euros imputados a António Ramalho. Dois anos depois, agora com mais três gestores, a equipa de executivos recebeu 2.345.296 euros, tendo o mesmo presidente executivo auferido 400 mil euros. Uma subida de 75% durante dois exercícios completos e vincadamente negativos.


Neste bolo salarial fixo não está incluído um prémio de assinatura de 320 mil euros pago na contratação de Mark Bourke, um dos novos gestores desta equipa executiva.

Se recuarmos a 2016, um ano antes do Fundo de Resolução ter concretizado o negócio, a remuneração anual de António Ramalho era de 121.285 euros. Portanto, o salário anual deste gestor disparou logo 278.715 euros com a entrada na órbita do fundo norte-americano do Texas, que o reconduziu e à sua equipa executiva em funções antes da alienação. E foi crescendo, sendo que dado o período de reestruturação em que o banco se encontra até 2022 o salário dos gestores tem um tecto, não podendo ser superior a 10 vezes o salário médio anual dos colaboradores.

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Quando ainda estava no perímetro do Fundo de Resolução, o Novo Banco não dispunha de administradores não executivos, sendo gerido pelos sete elementos encabeçados por Ramalho, a maioria dos quais ainda se mantém em funções. Na altura, foram indicados pelo Fundo de Resolução e agora são pelo Lone Star (e sem intervenção directa do Fundo de Resolução, apesar de manter 25% do capital do Novo Banco).

A partir do momento em que passou a ser gerido integralmente pelo accionista privado, foi criado um Conselho Geral e de Supervisão (CGS) presidido por Byron Haynes, que recebe pela função 378 mil euros, quase tanto quanto o CEO, apesar de não estar presente na instituição no dia-a-dia, como reconheceu o próprio numa entrevista ao Expresso. Já o vice-presidente, Karl Eick, recebe 250 mil euros.

Com nove membros, todos indicados pelo investidor do Texas, as responsabilidades do Novo Banco com o Conselho Geral e de Supervisão cifram-se em 878 mil euros. Apenas um dos elementos é português – Carla Alexandra Antunes da Silva –, que aufere 60 mil euros como não executiva e que tem origem em bancos norte-americanos como Haynes confirmou na mesma entrevista.

Somando as remunerações dos executivos e dos não executivos, os encargos do Novo Banco com o conselho de administração e com o Conselho Geral e de Supervisão totalizam 3.180.332 euros.

O detalhe está no facto de os salários dos administradores executivos do Novo Banco terem subido assim que o banco foi vendido e os prejuízos disparado para 3,866 mil milhões: em 2017, 1,395 mil milhões (valor que em 2016 foi de apenas 788 milhões); em 2018, 1,412 mil milhões; em 2019, 1,058 mil milhões.

Foi no exercício do ano passado que a gestão de António Ramalho garantiu um prémio de dois milhões de euros, condicionado ainda ao cumprimento de determinados critérios, como a solidez da instituição e um desempenho operacional positivo de forma consecutiva.

Foi neste período que a gestão começou a “descobrir” uma sucessão de créditos mal provisionados no Novo Banco, que atribuiu ao “antigamente”, numa menção de António Ramalho a Ricardo Salgado. E foi o que possibilitou ao Lone Star, passados apenas quatro meses de ter assumido o controlo da instituição, começar a accionar o mecanismo de capital contingente, uma almofada de 3,8 mil milhões de euros, que constituía a protecção dada pelas autoridades portuguesas ao negócio.

Uma almofada de segurança que podia ser accionada caso a gestão do Novo Banco descobrisse novas imparidades ou tivesse de reconhecer perdas resultantes de vendas de activos a desconto. E são estas as razões que justificaram as injecções de 2,7 mil milhões de euros no Novo Banco por parte do Fundo de Resolução, com financiamento público.

Tudo isto se passou num ciclo de maior crescimento económico em Portugal, quando os activos sofrem valorizações, pelo que, em regra, as contas dos bancos até melhoram. E sabe-se que, na fase que antecedeu a venda do Novo Banco ao Lone Star, os relatórios e contas de 2014 (de Agosto a Dezembro), de 2015 e de 2016, assinados por António Ramalho, auditados pela PwC e aprovados pela equipa do Banco de Portugal (BdP), encabeçada por Carlos Costa, consideraram que as carteiras de crédito herdadas do BES estavam correctamente provisionadas. As tais que agora a gestão veio dizer que tinham muitos buracos.

As contas anteriores à venda, como as seguintes, foram todas validadas pelo Fundo de Resolução, que tem à frente o vice-governador Luís Máximo dos Santos, que reporta ao Ministério das Finanças, o seu credor.

Outras informações que se retiram dos relatórios e contas, neste caso do documento relativo a 2019, é que o Novo Banco é totalmente monitorizado pelo Lone Star, que ocupa todos os lugares nos comités de controlo interno. O comité de risco é formado por Byron Haynes (presidente do Novo Banco), Karl-Gerhard Eick (vice-presidente), Kambiz Nourbakhsh e Benjamin Dickgiesser, que, entre outras coisas, tem competências “no que respeita a certas operações de crédito e a alterações de políticas de risco.”

Por seu turno, Byron Haynes, Karl-Gerhard Eick e Benjamin Dickgiesser integram o comité de remunerações, cabendo-lhes aprovar a contratação de colaboradores com remuneração anual superior a 200 mil euros. John Herbert, Robert Sherman, Donald Quintin e Mark Coker decidem todas as nomeações que o banco faz.

Já o comité para as matérias financeiras, o que faz o “acompanhamento e a supervisão da performance financeira”, das “políticas e processos de reporte de contas e no acompanhamento do auditor externo” é composto pelo presidente do CGS, Haynes, pelo vice-presidente do banco, Eick, e por Kambiz Nourber. No comité de compliance estão Robert Sherman, John Herbert e Mark Coker.

Esta terça-feira, em entrevista ao Eco, António de Sousa, o ex-governador do Banco de Portugal, e fundador do fundo de recuperação de crédito vendido pela banca, ECS, defendeu: “dar bónus numa empresa com prejuízos não é necessariamente mau, desde que já se saiba que a empresa não vai ter bons resultados, mas pode melhorá-los bastante.” O ex-presidente da CGD sublinhou ainda que “só não sabemos se é o caso no Novo Banco”.

tp.ocilbup@arierrefc

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