CÂMARA DO PORTO
“Triste história” do Bolhão só comparável à do Palácio de
Cristal, diz arquitecto
A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) deu esta
semana luz verde à alteração do projecto de requalificação do Mercado do
Bolhão.
Lusa 19 de Maio
de 2020, 14:36
O arquitecto
Joaquim Massena, autor de um projecto de requalificação do Bolhão, disse hoje
que a “triste história” daquele mercado só é comparável à demolição do Palácio
de Cristal, no Porto, criticando o aval dado à demolição das galerias.
Na segunda-feira,
a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) deu luz verde à alteração do
projecto de requalificação do Mercado do Bolhão, cujo método construtivo
implica a demolição das galerias.
A entidade que
tutela o património justificou a decisão com o elevado estado de degradação dos
elementos metálicos e das lajes de betão.
“A matéria sobre
toda esta triste história do Mercado do Bolhão, só comparável com a demolição
do (verdadeiro) Palácio Cristal, é já muito extensa e não pode ser
individualmente avaliada, sob pena da verdade sobre esta barbárie ficar
circunscrita à demolição da galeria, quando do que se trata é do fecho e a
perda total do património da cidade do Porto, o Mercado do Bolhão”, afirma
Joaquim Massena, numa reflexão partilhada hoje com a Lusa.
Num texto
intitulado “Interesse Difuso”, o arquitecto salienta que durante todo este
processo, a obra do Bolhão foi classificada de várias formas pela entidade
responsável, que se referiu “ora como “restauro”, outra vez “restauro
profundo”, depois “reabilitação” ou “requalificação”, também “reinterpretação”
e, agora “demolição” da galeria que será substituída por uma nova”.
“Preocupante, é
pouco para manifestar a repulsa!”, assinala o arquitecto que critica o actual
estado de coisas, cujo código de conduta ética e administrativa não está a ser
devidamente aplicado, pelos agentes ou entidades.
De acordo
Massena, no caso do património, o diploma legal que rege a intervenção refere
claramente que, em edifícios classificados, como o Mercado do Bolhão, “a Lei
107/2001 de 8 de Setembro, define claramente o objectivo, o conceito e o âmbito
do património e, no seu “artigo 49º demolição”, impede inequivocamente, nos
pontos 1,2,3 e 4, qualquer “demolição"”.
Este artigo
ressalva “que só serão aceites demolições desde que esteja em causa a
preservação do “bem maior”, mas, mesmo assim, só serão autorizadas as
demolições estritamente necessárias”, assinala, acrescentando que no ponto 5,
do artigo 49.º, refere-se ainda que são nulos os actos administrativos que
infrinjam o disposto nos números anteriores.
Massena vê com
preocupação as emissões de pareceres, as contratações públicas e dualidade de
atitudes e critica a demolição das galerias do Mercado do Bolhão cuja laje de
betão armado, para além de estar “em perfeita condição de suporte, faz parte da
história do betão armado e da prefabricação em Portugal”.
O arquitecto
critica ainda o desvio do braço do Rio-da-Vila sem qualquer estudo de impacto
ambiental, provocando uma alteração profunda no solo que, com a perda de água
do rio no aterro (centenário), e que “irá provocar patologias nas edificações,
de forma heterogénea, dado o aterro possuir o desenvolvimento da bacia
hidrográfica do referido rio”.
“Basta, Basta,
Basta! Julgo, que todo este procedimento é arrepiante para qualquer cidadão,
sem formação especifica nesta área, mais para mim, que estudei profundamente
todo este processo de efectiva reabilitação, sem o desactivar, durante os dois
anos e por um custo de obra cerca de 12,5 milhões de euros, em vez dos cerca de
50 milhões [de euros]”, defende, questionando se o Bolhão “tornar-se-á na nova
Casa da Música ou no dito Edifício Transparente que mascarou, negativamente, um
acontecimento importantíssimo da cidade como foi o Porto 2001”.
Massena termina
afirmando-se como um “Homem do Norte” que não se acorrenta nem ocupa os espaços
de cultura, mas que não deixará de “estabelecer o saudável contraditório sempre
na perspectiva de um Portugal livre e democrático”.
No dia 20 de
Dezembro de 2019, a Câmara do Porto anunciou que as obras de requalificação do
Mercado do Bolhão, cujo término estava previsto para maio deste ano, iriam ser
prolongadas por mais um ano, devido à necessidade de alterar “o método
construtivo”, que implicaria a demolição e reconstrução total das galerias
superiores, cujo estado de degradação, afirmava a autarquia, “era, afinal
bastante mais grave do que era possível apurar a partir dos estudos
preliminares”.
O Ministério
Público (MP) está a investigar desde Agosto de 2016 “a existência de um
eventual crime no processo de reabilitação” daquela estrutura, na sequência de
uma participação que o arquitecto Joaquim Massena, autor de um projecto de
requalificação de 1998, apresentou no Departamento de Investigação e Acção
Penal (DIAP) do Porto.
A empreitada de
restauro e modernização do Mercado do Bolhão foi adjudicada ao agrupamento
Alberto Couto Alves S.A. e Lúcio da Silva Azevedo & Filhos S.A. por mais de
22 milhões de euros, tendo sido “consignada oficialmente” a 15 de Maio de 2018,
prevendo-se, à data, um prazo de dois para a conclusão dos trabalhos.
A necessidade de
uma reabilitação profunda do Mercado do Bolhão começou a ser equacionada em
meados de 1984, quando os serviços municipais detectaram patologias
construtivas graves nos pavimentos do mercado.
Sem comentários:
Enviar um comentário