ARTES
Críticas à intervenção nos Painéis de São Vicente são
ridículas, dizem os conservadores-restauradores
Profissionais da área acusam os signatários da carta
aberta recentemente divulgada de porem em causa o bom nome de pessoas e de
instituições, assim como o estatuto do conservador-restaurador em Portugal.
Lucinda Canelas
28 de Maio de 2020, 19:53
Sendo os Painéis
de São Vicente terreno fértil para controvérsia e debate há mais de 100 anos,
não é de estranhar que a intervenção de conservação e restauro em curso já
esteja a dar azo a trocas de argumentos nos jornais, apesar de mal ter
começado.
Esta
quinta-feira, foi a vez de os conservadores-restauradores responderem a uma
carta aberta datada de 21 de Maio em que um grupo de cidadãos se mostrava
preocupado com a “integridade patrimonial” desta importante pintura portuguesa
do século XV face ao restauro anunciado há já um ano e que o Museu Nacional de
Arte Antiga (MNAA), que a tem no seu acervo, prepara há mais de dois.
Na sua página na
rede social Facebook, o Fórum de Conservadores-restauradores, um grupo informal
que reúne quase mil profissionais da área, constituído para debater temas
relevantes para esta classe e para a sua actividade, publicou um texto em que
explica por que razões considera de “elevado grau difamatório” a carta aberta
em que 24 signatários, entre os quais historiadores, jornalistas, professores
de Direito, escritores, ensaístas e editores, dizem temer que a intervenção
venha a apagar elementos essenciais à interpretação dos Painéis atribuídos a
Nuno Gonçalves, pintor de Afonso V.
Garantindo que
esta carta pôs em causa “o bom nome de pessoas e instituições, mas também o
estatuto profissional do Conservador-restaurador em Portugal”, o referido Fórum
vem agora lembrar que os profissionais deste sector têm hoje formação
universitária e que se regem por rigorosos princípios éticos, estando a sua
actividade balizada por “directrizes internacionais muito exigentes”.
“A carta aberta
revela um desconhecimento absoluto da Conservação e Restauro e da actividade do
conservador-restaurador”, dizem os membros deste grupo informal, sublinhando
ainda a “competência técnica incontestável” da direcção do museu, encabeçada
pelo historiador de arte Joaquim Caetano, e dos colegas envolvidos, tanto os do
quadro do MNAA como os contratados para o efeito ou pertencentes ao Laboratório
José de Figueiredo e a outras entidades de referência nacionais e
internacionais.
Recorde-se que
entre os parceiros reunidos pelo museu para este projecto estão também o
Laboratório Hércules da Universidade de Évora, historiadores de arte
portugueses como José Alberto Seabra Carvalho, antigo subdirector do MNAA, e
uma vasta equipa de especialistas internacionais de instituições de grande prestígio,
muitos deles envolvidos em importantes projectos de conservação e restauro no
estrangeiro nos últimos anos: José de la Fuente (Museu do Prado), Maryan
Ainsworth e Michael Gallager (Metropolitan de Nova Iorque), Hélène Dubois
(Instituto Central de Restauro da Bélgica), Ashok Roy (National Gallery de
Londres) e Maximiliaan Martens (Universidade de Gent).
“Os
conservadores-restauradores portugueses, nomeadamente os das duas instituições
referidas [MNAA e Laboratório José de Figueiredo] e outros contratados para o
efeito, são dos mais competentes existentes no país, pelo que os medos
expressos [na carta aberta] não fazem qualquer sentido”, continua o Fórum,
lamentando em seguida que naquele documento dirigido ao Presidente da
República, ao primeiro-ministro e à ministra da Cultura a intervenção que
decorrerá à vista de todos os visitantes do museu da Rua das Janelas Verdes
seja descrita como uma “repintura”: “Afirmar que o ‘restauro é susceptível de
ser afinal uma repintura’” [… e que] ‘o ethos actual da restauração de pinturas
antigas a óleo autoriza os restauradores a repintarem o quadro baseando-se em princípios
que excluem o respeito pela obra’ […] é simplesmente ridículo.”
Nesta primeira
fase dos trabalhos, os Painéis serão intervencionados pelas
conservadoras-restauradoras Susana Campos e Teresa Serra e Moura, ambas do
MNAA, e por Rita Oliveira (independente).
Os
conservadores-restauradores concluem a sua resposta a esta carta aberta
lembrando que nenhum dos 24 signatários (entre os quais se incluem a
historiadora Irene Pimentel, o especialista em relações internacionais Carlos
Gaspar ou o escritor Nuno Júdice) é profissional da área, e deixam uma
sugestão: “Se os conservadores-restauradores não interferem no jornalismo, na
literatura, na história, no direito, nas relações internacionais, no cinema, na
fotografia ou na economia, o contrário também devia acontecer.”
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