AMBIENTE
A “outra emergência”: jovens ambientalistas exigem
“recuperação sustentável pós covid-19”
Numa carta aberta, centenas de jovens portugueses tentam
chamar a atenção para a outra crise a “acontecer em paralelo” com a pandemia
provocada pelo novo coronavírus. As alterações climáticas não desapareceram e
eles exigem uma “recuperação sustentável pós covid-19”. Têm encontro marcado
com o Ministério do Ambiente na próxima semana.
Renata Monteiro 6
de Maio de 2020, 8:11
Passada a
primeira vaga da crise da covid-19, centenas de jovens portugueses tentam
chamar a atenção para uma outra crise a “acontecer em paralelo” — e ainda longe
de estar sob controlo. Numa carta aberta, o movimento Lidera aponta uma
possível direcção “para uma recuperação sustentável pós covid-19”, desde a
criação de empregos verdes à preservação de ecossistemas e ao fim dos subsídios
aos combustíveis fósseis. “Não podemos esperar mais”, escreve o grupo formado
por jovens cientistas, empreendedores, activistas, dirigentes educativos,
deputados.
Têm reunião
marcada no Ministério do Ambiente, na próxima quarta-feira, 13 de Maio, às 10h.
“Os últimos relatórios para a saúde a nível global da Organização Mundial de
Saúde (OMS) e sobre os maiores riscos económicos globais (WEF), lançados antes
da pandemia, têm duas coisas em comum: alterações climáticas e doenças
infecciosas. E nunca iremos ter uma vacina para as alterações climáticas”, diz
Catarina Alves, porta-voz da iniciativa. “Ou esta vai ser a altura certa para
tomar as medidas capazes de trazer a mudança que necessitamos, ou então a
covid-19 será a desculpa perfeita para desistir de objectivos que tínhamos
delineados.”
Eles estão
decididos a exigir a primeira opção. E se antes dos estados de emergência a
palavra de ordem nos cartazes era “revolução verde”, agora os activistas pelo
clima e pela sustentabilidade ambiental querem falar de “recuperação verde”.
“Se nada mudarmos, para além do risco de crises epidémicas ser cada vez maior,
o número de fenómenos meteorológicos extremos continuará a aumentar e os solos
tornar-se-ão cada vez menos férteis, num mundo que espera vir a receber mais
26% de pessoas até 2050”, escrevem na carta que conta com mais de 500
assinantes, dando um exemplo da realidade portuguesa: “Fogos como os de 2017
serão mais comuns e o nível das águas do mar continuará a aumentar, algo
especialmente relevante para Portugal, onde a maioria da população vive no
litoral. E tudo isto abalará milhares de milhões de vidas, a nossa saúde e a economia
global. Tal como o novo coronavírus.”
A associação
Zero, a eurodeputada Maria Manuel Leitão Marques e Viriato Soromenho-Marques,
catedrático de Filosofia da Universidade de Lisboa e uma das vozes que há mais
tempo vem alertando para as alterações climáticas, são alguns dos apoiantes da
proposta que previam enviar ao primeiro-ministro e ao Presidente da República.
O movimento
Lidera, que se descreve como “uma comunidade de jovens que querem efectivar a
transição de Portugal para uma sociedade sustentável do ponto de vista social e
climático”, trabalha de forma a “informar, preparar e conectar líderes” no
combate às alterações climáticas. Arrancaram em Janeiro de 2020, um início
simbólico de uma “década pelo clima” que tinha a crise climática como maior
ameaça. Pelo menos, até a OMS decretar uma pandemia global. Com milhões de
pessoas fechadas em casa, muitas das notícias sobre alterações climáticas
começaram a focar-se no regresso dos animais selvagens às cidades, na quebra de
emissões de dióxido de carbono e na diminuição da poluição atmosférica.
“Tínhamos receio
que isso transmitisse à população que o problema já estava resolvido e que
tinha de deixar de ser um foco”, diz Catarina Alves, justificando a escolha do
momento para a publicação da carta. “Não quer dizer que, para resolvermos as
questões do ambiente, temos de nos fechar em casa, tem de haver desemprego, tem
de haver mortes e mais desigualdade social, quando o combate às alterações
climáticas é exactamente o contrário. O combate às alterações climáticas é uma
questão social porque afecta a vida de todos nós.”
Na carta
divulgada durante o fim-de-semana, propõem um regresso a uma “nova normalidade”
assente em quatro pilares. “Numa altura em que o Estado terá de injectar
dinheiro de todos no sector privado, deveremos exigir dessas empresas
contrapartidas que garantam a sua transição energética e uma maior eficiência
no uso de recursos”, escrevem, acrescentando que o “Estado deve eliminar
subsídios aos combustíveis fósseis” e aplicar o princípio de poluidor-pagador.
Investir em mais
e melhores transportes colectivos electrificados; considerar os impactos
sociais e ambientais nas decisões de investimento; criar empregos verdes;
favorecer a economia circular, preservar os ecossistemas que sequestram e
armazenam carbono natural e ensinar o desenvolvimento sustentável “de forma
transversal em todas as áreas do ensino superior” são outras das propostas
“para garantir uma transição justa, que não deixe ninguém para trás”.
tp.ocilbup@orietnom.ataner
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