sábado, 10 de maio de 2014

Um convento que acolhia meninas órfãs vai abrir-se à noite do Bairro Alto


Para aqueles que conseguiram ver o vídeo de apresentação no You Tube https://www.youtube.com/watch?v=ajABCAD9qMk , agora retirado o acesso directo com a declaração de PRIVADO , é claro que esta chamada “Recuperação” vai ser uma de “Arquitolas”, à custa do desaparecimento de muita azulejaria nos corredores e guiada por espírito depurador minimalista, com muita tinta branca “purificadora” através  da conhecida  “eliminação de alguns elementos dissonantes e reorganização do espaço”e respectivas consequências para o Património, a que a nossa classe Arquitecta nos habituou ...
António Sérgio Rosa de Carvalho

Um convento que acolhia meninas órfãs vai abrir-se à noite do Bairro Alto
Na esquina onde começa a esboçar-se o Bairro Alto, um antigo convento onde meninas órfãs eram afastadas da prostituição vai lentamente ceder à boémia da noite lisboeta
Alexandra Guerreiro Texto editado por Ana Fernandes / 10-5-2014 / PÚBLICO

A Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (SCML) está a remodelar o Convento de São Pedro de Alcântara para transferir para este espaço alguns serviços administrativos e abrir ao público novos espaços, como um restaurante e duas cafetarias. Em estudo está também a realização de missas nocturnas e de visitas guiadas ao monumento secular.
Para recuperar o património que detém mesmo à porta do Bairro Alto e rentabilizar a utilização de muitos metros quadrados vazios, um ano após as 14 irmãs que ali viviam se terem mudado para outro convento, o Departamento de Gestão Imobiliária e Património (DGIP) da SCML começou a estudar como dar uma nova vida ao local. O primeiro passo foi fazer um levantamento do estado do edifício e elaborar um projecto de arquitectura. O orçamento ainda não está calculado.
Mas os trabalhos de recuperação já começaram. Contactada pelo PÚBLICO, Helena Lucas, directora do DGIP, disse que, por agora, se estão a realizar apenas obras de conservação. “Estas primeiras intervenções são, essencialmente, pinturas, eliminação de alguns elementos dissonantes e reorganização do espaço”, descreve. Depois da conclusão desta fase, o convento ficará branco em vez de rosa, como é actualmente, e começará a ter a maioria do seu espaço ocupado por serviços da Santa Casa.
Quando o PÚBLICO visitou o monumento, o acaso fez com que a porta com vista directa para o miradouro de S. Pedro de Alcântara estivesse aberta. O andaime que a tapava tinha acabado de sair já que os dois pintores tinham terminado de pincelar de branco a viga da centenária entrada. Por momentos, a colina do Castelo entrou, avassaladora, pelo convento adentro. Até que os operários fecharam a porta, deixando Lisboa lá fora.
A entrada é feita pela lateral do convento. De ferro, preta e já restaurada, a porta ainda com um cheiro de tinta fresca abre o caminho para um átrio de azulejos azuis com os dias contados. Serão arrancados e a parede será pintado de branco. Atrás da porta fechada encostada ao portão negro nascerá uma loja de roupa, com montras de vidro a substituir as portas de madeira que antes davam acesso à rua. Ali fica também a Capela dos Lencastres, constituída maioritariamente por pedra, e que não necessitará de nenhuma intervenção.
Já no interior do monumento, a Igreja do Convento de S. Pedro de Alcântara, de pé-direito muito alto, tem o tecto com infiltrações e a tinta solta-se em lascas. Depois de restaurada, logo de estudará como se poderá revalorizar este espaço. Entre as propostas em cima da mesa está a realização de visitas guiadas ou de missas nocturnas, um programa verdadeiramente alternativo face ao que é oferecido na noite que se vive mais abaixo, no Bairro Alto.
“Pretende- se recuperar, tanto quanto possível, o desenho original, ao nível por exemplo da compartimentação interior e coberturas”, sublinha a directora. O objectivo é criar também novos espaços, inclusive nas áreas exteriores, como o jardim, os pátios e o claustro.
Atravessando a primeira porta do jardim onde está um pequeno parque infantil, chega-se ao claustro. Vários pedaços de tinta branca estão a cair. O local será totalmente remodelado e em volta de um lago será instalada uma esplanada com cafetaria.
Um restaurante substituirá o antigo refeitório do convento. Perto fica a cozinha, ainda cheia de vestígios da azáfama culinária que ali se viveu. Uma enorme batedeira, fogões industriais, armários de madeira com alguma loiça, tachos e vários utensílios preenchem o espaço.
Percorrendo os corredores compridos, vazios, de paredes brancas e com muitas portas entreabertas, espreitam-se divisões de 20 metros quadrados com uma janela e chão de tábuas de madeira, algumas levantadas, outras esburacadas, outras recuperadas. Até ao final do ano, pretendem encher estes antigos quartos das freiras com secretárias, telefones, computadores, impressoras.
O Convento de São Pedro de Alcântara, antigo palácio dos Condes de Avintes, foi fundado em 1672 por D. António Luís de Menezes, tendo sido entregue aos frades da Ordem de São Francisco em 1645. Em 1833, o convento foi secularizado e entregue à SCML para receber meninas órfãs para evitar que estas acabassem na prostituição. As freiras ensinavamnas a ler, escrever e rezar.
A escola ficava no último piso. O quadro preto ainda tem marcas de giz branco mal apagado. Numa estante, vários ursos de peluche estão sentados, outros deitados, caídos e com pó. As cadeiras estão em monte encostadas às paredes. As mesas já desapareceram. Na sala ao lado, meia dúzia de máquinas de escrever estão espalhadas numa prateleira de ferro.
Na outra ponta do convento, no mesmo piso, o chão do pátio está levantado. Será reposto e ali nascerá mais uma cafetaria, com uma esplanada aberta no topo do convento.
Estas intervenções mais profundas demorarão e vão começar a ser realizadas numa segunda fase, sem data prevista e já com alguns serviços da Santa Casa a funcionar no convento. Espera-se que todo o processo esteja terminado durante o próximo ano.

Por agora, apenas algumas marteladas quebram o silêncio que invade os corredores, as escadas de mármore polidas pelos vários pés que durante séculos as pisaram e as paredes lascadas que muitas orações ouviram.

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