OPINIÃO
A superpotência continua a ser
indispensável
TERESA DE SOUSA 11/05/2014 - PÚBLICO
O problema é a liderança americana ser ocupada pela “incerteza”. E isso quase ninguém quer.
1. Vladimir Putin
prossegue a sua estratégia ucraniana. Não se sabe exactamente até onde pretende
ir, mas o Presidente russo sabe que tem um limite para fazer engolir a sua
ofensiva antiocidental, mesmo que, no curto prazo, pareça ser dono dos
acontecimentos.
Na quinta-feira
passada, assumiu o seu papel de líder “responsável”, defendendo o adiamento do
“referendo” para decidir se a Ucrânia Oriental quer ser parte da Ucrânia. Já
ninguém acreditou nas suas palavras fora das fronteiras da Rússia. As urnas de
voto já estão preparadas, incluindo com os boletins lá dentro. Ninguém sabe nem
quer saber como é que o referendo é organizado. Putin continua, imperturbável,
a contar a sua história de ficção, que seria cómica se não fosse trágica para
os ucranianos e para quem vier a seguir, e não constituísse uma ameaça séria à
segurança europeia e internacional. Há duas maneiras de comer um salame, disse
Joschka Fischer, o antigo chefe da diplomacia alemã, para descrever a táctica
de Putin. Tentar comê-lo de uma só vez é impossível. Cortá-lo em rodelas finas
para comer uma a uma, é uma maneira muito mais eficaz. “Hoje, o Kremlin está a
aplicar a ‘táctica do salame’ à Ucrânia.” A Alemanha é um país fundamental
neste braço-de ferro que Putin decidiu travar com o Ocidente. Por mais divisões
que possa haver entre as suas elites políticas e económicas, Angela Merkel
parece que compreendeu o que estava em causa. Não hesitou em considerar a
política ucraniana da Rússia como uma ameaça à segurança europeia. Continua a
dizer que a Europa tem de estar dispostas a subir a parada em matéria de
sanções (a Alemanha é o país provavelmente mais afectado). Percebeu que a
cooperação com os EUA é fundamental. Nem todos os países europeus alinham pelo mesmo
diapasão. Mas, enquanto a Alemanha aguentar, Putin tem certamente um problema
que não previu.
O Presidente
russo apostou quase tudo na “fraqueza” dos EUA, cansados de garantir a
segurança internacional, mas sobretudo na fraqueza europeia. São estes dois
cálculos que lhe podem correr mal. Nem a América é tão fraca como muita gente a
pinta, nem o mundo, incluindo a Europa, está preparado para aceitar o vazio de
poder que a retracção americana causaria.
2. Se tentássemos
fazer a lista dos problemas internacionais que Washington tem de enfrentar,
correríamos o risco de ficar cansados logo a meio da tarefa. A tragédia humana
na Síria e o rumo invernal das Primaveras Árabes, sobretudo no Egipto; o eterno
impasse nas negociações do conflito israelo-palestiniano; o Irão e o risco de
proliferação nuclear no Médio Oriente; a ascensão da China e a intranquilidade
dos seus vizinhos, incluindo o Japão; os “buracos negros” na África, que
alimentam o terrorismo islâmico; e, agora, a viragem estratégica da Rússia para
uma política antiocidental e, consequentemente, revisionista da ordem
internacional vigente. Se acrescentarmos as “resistências” das novas potências
emergentes, incluindo as democráticas, ao poder norte-americano (mesmo que não
estejam dispostas a alinhar com a Rússia), o quadro mundial que Obama tem de
enfrentar, enquanto garante último da segurança internacional, aconselha alguma
prudência nas críticas que lhe são feitas. Como dizia Hillary Clinton, quando
chefiava o Departamento de Estado, toda a gente critica o poder americano mas
toda a gente nos vem bater à porta sempre que há um problema sério.
Por mais
dificuldades que atravesse, a América é ainda a potência insubstituível e sê-lo-á
porventura durante mais algum tempo. Não é só o seu poder militar que ainda não
tem equivalente à escala global. Não é apenas a capacidade de recuperação da
sua economia, que já está a verificar-se, provando que o declínio ocidental e a
ascensão dos emergentes não era um caminho linear. O seu poder, como diz a
Economist, está também nas alianças que mantém pelo mundo fora, da Coreia do
Sul, à Turquia, passando pela Indonésia e pela Alemanha. Além disso, como
escreveu Edward Luce, o correspondente do Financial Times em Washington, o
risco maior não é a América ser substituída pela China, o que vai levar ainda
muito tempo, e muito menos pela Rússia. O problema é a liderança americana ser
ocupada pela “incerteza”. E isso quase ninguém quer.
Jornalista
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