ODEMIRA
Governo está a violar regras de requisição civil que
criou para o Zmar
Privados que protestam contra a requisição não são
proprietários, mas apenas donos de casas amovíveis que, se o empreendimento for
à falência, terão de ser desmontadas e retiradas do local.
Mariana Oliveira
8 de Maio de
2021, 6:29
O Governo está a
violar as regras da requisição civil que ele próprio determinou para a
utilização do empreendimento turístico ZMar. Isto porque o executivo, em
parceria com a Câmara Municipal de Odemira, está a usar o complexo para alojar
imigrantes que não têm covid-19, nem estão em isolamento profiláctico, as duas
situações previstas no despacho conjunto do primeiro-ministro e do ministro da
Administração Interna que decretou a requisição civil.
Na realidade, as
pessoas que estão em dez casas (das cerca de 260) do empreendimento não têm
covid-19, nem estiveram em contacto com pessoas contaminadas pelo vírus. São
apenas trabalhadores que as autoridades detectaram estar a residir em locais
sem as devidas condições e que foram colocados temporariamente no ZMar.
Questionado sobre
a justificação deste desvio à requisição civil, que na opinião de especialistas
ouvidos pelo PÚBLICO pode configurar um vício de desvio de poder, o Ministério
da Administração Interna optou por não responder. A Câmara de Odemira também
não respondeu às perguntas do PÚBLICO.
O presidente da
autarquia José Alberto Guerreiro reconheceu esta quinta-feira numa conferência
de imprensa que os 49 trabalhadores que foram realojados na madrugada de
quinta-feira apenas saíram da propriedade onde residiam (local onde viviam
cerca de 70 pessoas) por falta de condições. O ministro da Administração
Interna, Eduardo Cabrita, também tem reconhecido publicamente a utilização do
ZMar para alojar pessoas que estiverem a residir em locais sem condições de
salubridade, sem nunca referir, no entanto, que tal situação não está prevista
no despacho que decretou a requisição civil.
Providência não suspende requisição
Entretanto, esta
sexta-feira intensificou-se a luta dos chamados “proprietários privados” do
complexo que detém 160 das cerca de 260 casas de madeira do empreendimento. O Supremo
Tribunal Administrativo aceitou a providência cautelar apresentada por um grupo
de donos das habitações amovíveis que quer suspender a eficácia do despacho que
determinou a requisição civil. Em princípio, a simples aceitação da acção
urgente tem como efeito suspender a requisição civil a partir do momento em que
o Governo é notificado da admissão do processo por parte do tribunal. No
entanto, a lei possibilita à Administração Pública recorrer à chamada resolução
fundamentada que retira os efeitos práticos desta suspensão automática. O MAI
garantiu esta sexta-feira à noite ainda não ter sido citado pelo tribunal, mas
já disse que irá apresentar a tal resolução fundamentada.
A verdade é que o
tempo médio que o STA demora habitualmente a decidir acções urgentes como esta,
um prazo que oscila entre os dois e os três meses, deverá retirar qualquer
efeito útil a este procedimento urgente. O Supremo recusou fazer o chamado
“decretamento provisório da providência”, que retiraria margem de reacção ao
Governo, considerando “os relevantes valores e interesses que estão em causa e
que aconselham a ouvir previamente as razões dos demandados” e argumentando com
o tal efeito automático previsto na lei que determina que a “autoridade
administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou
prosseguir a execução do acto administrativo”.
O problema de
interpretação do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, uma
discussão já antiga, é que logo a seguir a esta afirmação diz: “Salvo se,
mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo
cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial
para o interesse público.”
Proprietários de quê?
Na providência
apresentada os “proprietários” assumem que não têm de facto essa qualidade, já
que o que possuem são as casas de madeira, um bem móvel não sujeito a registo.
Isto porque a propriedade é um terreno rural único onde a construção é muito
limitada e nem sequer está dividida em lotes. A maior parte dos donos das casas
tem um contrato com a empresa que é dona do empreendimento e de 100 das casas
de madeira para cederem “o equipamento móvel de alojamento” mediante o
pagamento de uma comissão que varia entre os 40 e os 60% do valor do aluguer.
Alguns optaram por não disponibilizar as suas casas para aluguer.
Apesar de ser um
grande empreendimento turístico, o Zmar está licenciado como um parque de
campismo. Se o complexo falir, como temem os donos das 160 casas, estes terão
de desmontar as habitações, retirá-las do local e arranjar um novo terreno para
as colocar. Isso mesmo admitem na providência que apresentaram no Supremo onde
invocam inúmeros vícios ao despacho do Governo, passando pela incompetência de
quem proferiu a decisão até à violação da proporcionalidade da medida.
Pelo menos quatro
imigrantes deviam sair esta sexta-feira do empreendimento, porque a Câmara de
Odemira já arranjou um local alternativo para ficarem. Tal devia-se ao facto de
a alternativa ser mais próximas dos locais de trabalho dos imigrantes e não
está relacionada com a providência cautelar.
As freguesias de
Longueira-Almograve e São Teotónio, no concelho de Odemira, estão em cerca
sanitária desde a semana passada por causa da elevada incidência de covid-19
entre os imigrantes que trabalham na agricultura na região. Na altura, o
Governo determinou “a requisição temporária, por motivos de urgência e de
interesse público e nacional”, da “totalidade dos imóveis e dos direitos a eles
inerentes” que compõem o complexo turístico Zmar Eco Experience, na freguesia
de Longueira-Almograve, ou seja, dentro da cerca sanitária.
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