OPINIÃO
A transparência que falta no plano de Costa Silva
Antes de chegar ao Parlamento e ao domínio público, o
plano já teve uma primeira ronda de contactos, numa espécie de consulta
público-privada. E não se sabe com quem.
LUÍS VILLALOBOS
25 de Agosto de
2020, 8:01
https://www.publico.pt/2020/08/25/politica/opiniao/transparencia-falta-plano-costa-silva-1929112
A consulta
pública do plano elaborado por António Costa Silva já chegou ao fim, cumprindo
o propósito anunciado de envolver a sociedade civil. Intitulado de “Visão
Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, este
define em 142 páginas as grandes prioridades do país para os próximos anos e
para onde deverão ser canalizados os fundos europeus para recuperar dos efeitos
brutais causados pela pandemia de covid-19.
Não é coisa
pouca. Se o país conseguir aproveitar os envelopes que vão estar à sua
disposição a partir do ano que vem, estão em causa 45,1 mil milhões de euros,
distribuídos entre 15,3 mil milhões do fundo de recuperação e 29,8 mil milhões
do orçamento comunitário. Junte-se a estes os 12,8 mil milhões que faltam do
PT2020, e a possibilidade de Portugal poder ter mais 10,8 mil milhões em
empréstimos (com condições preferenciais) ligados ao plano de recuperação, e o
montante global sobe para 68,7 mil milhões de euros que poderão ser aplicados ao
longo desta década, na sequência de uma recessão nunca vista a nível mundial.
Isto faz com que
o plano em causa tenha uma importância especial, e que, diz o Governo, “será
tanto mais bem-sucedido quanto maior for a participação e envolvimento dos
cidadãos na sua construção”. Aqui, falta ainda saber como é que esses
contributos serão utilizados na versão final, e no terreno.
Acontece é que,
mesmo antes de chegar ao Parlamento e ao domínio público, o plano já teve uma
primeira ronda de contactos, numa espécie de consulta público-privada. E não se
sabe com quem.
Logo no início de
Junho, o gestor, presidente da Partex (que poucos conhecem, mas que é uma
petrolífera detida até há pouco tempo pela Fundação Gulbenkian) e professor do
Técnico, foi questionado pelo PÚBLICO sobre se tinha recebido contributos de
empresas conhecidas ou grandes, mas ficou sem resposta objectiva. “Estou a
contactar as empresas, algumas já manifestaram interesse em falar e vou
recolher todos os elementos. Gosto de ouvir muito as visões, as opiniões das
pessoas”, afirmou.
Disse ainda que
já tinha “recebido muitas solicitações”, que ia “começar a falar com muitas
pessoas”, e que a ideia era ser “o mais agregador possível”. Certo. Mas agregar
o quê? Ao Expresso, depois das declarações ao PÚBLICO mas ainda antes da
apresentação pública, afirmou que “muita gente” tinha pedido para falar com
ele, e que tinha “falado com todos: economistas, empresários, parceiros
sociais, associações empresariais”. Com todos? Com todos os economistas e empresários?
Ou com aqueles que foram escolhidos por si ou que conseguiram entrar em
contacto com o gestor – que não tem propriamente um gabinete de portas abertas?
No plano
apresentado não estão elencados ou são mencionados os que colaboraram na
elaboração deste plano de grandes opções públicas. Nada consta, e isso é uma
falta de transparência que não pode existir num projecto deste tipo e que não
se coaduna nem com o perfil do autor do plano, nem com os objectivos elencados
pelo Governo (e com as boas práticas da aplicação dos fundos comunitários).
Não estamos a
falar de uma iniciativa individual, depois aproveitada pelo Governo. Estamos a
falar de alguém a quem o Governo – concorde-se ou não – pediu para elaborar um
plano para o futuro de todos nós. Já não digo, embora gostasse de ver, que se
elenque quem pediu a reunião a quem, quem esteve presente, e quanto tempo durou
cada um dos encontros.
O que se pede, no
mínimo, é a lista de quem foi ouvido e de quem contribuiu para a versão
central, sobre a qual outros vieram agora opinar. E, na fase em que estamos,
ainda se vai a tempo de emendar este erro, antes da elaboração do documento
final.
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