EDITORIAL
A Champions do nosso descontentamento
Se um anúncio de uma final com estádios vazios justificou
tanta pompa e circunstância, que cerimónia devemos fazer para anunciar que a
despesa pública e privada em investigação e desenvolvimento já está perto dos
três mil milhões de euros?
MANUEL CARVALHO
12 de Agosto de
2020, 0:00
https://www.publico.pt/2020/08/12/politica/editorial/champions-descontentamento-1927817
A ronda final da
Liga dos Campeões do futebol europeu anunciada e celebrada por um naipe de
altas figuras que incluía o Presidente, o primeiro-ministro, um ministro, o
presidente da Assembleia da República e o presidente da câmara da capital
chegou finalmente. Para desapontamento de todos os portugueses, o evento que
Marcelo Rebelo de Sousa considerou “único e irrepetível”, que “não tem preço” e
que serviria de trunfo para o “regresso do turismo nacional”, o evento não
passa de uma mão-cheia de nada. Como se esperava, os jogos decorrerão na
desolação de estádios vazios; como se antevia, os adeptos dos clubes
participantes vão ficar por casa; como se suspeitava, a realização da final da
Champions em Lisboa serve apenas para um momentâneo ardor do sentimento da
grandeza pátria que, como todos os ardores, passa depressa e raramente deixa
rasto.
Não devemos
querer mal a António Costa, a Marcelo Rebelo de Sousa, a Ferro Rodrigues, a
Fernando Medina ou a Tiago Brandão Rodrigues por terem transformado o anúncio da
conquista do mais importante torneio de futebol mundial entre clubes num
momento de celebração das façanhas do país com claros contornos de propaganda –
a escolha de Lisboa, foi-nos dito, era um prémio pelo sucesso no combate à
pandemia. Meses e meses de confinamento, de agruras na saúde ou de dramas na
economia justificam o exagero da reunião dos mais altos titulares de cargos
políticos do país – ou até as isenções fiscais concedidas aos organizadores. De
resto, é evidente que do ponto de vista promocional, lá se hão-de mostrar umas
imagens de Lisboa ao mundo entre um pontapé de canto ou um livre indirecto. Não
se perde nada, enfim.
Vale, no entanto,
a pena pegar neste episódio, porque ele deixa transparecer esse velho vício do
país que tende a privilegiar o fogo-fátuo em detrimento do que é duradouro e
transformador. Porque se a conquista da final da Liga europeia é “uma vitória
antecipada de todos os portugueses”, como fez notar António Costa, o
crescimento de 53% do investimento das empresas nacionais em investigação e
desenvolvimento nos últimos anos revelado esta terça-feira é afinal o quê?
A política, e
isto não é novo, pressupõe um lado lúdico que não existe na percentagem do PIB
que o país gasta em ciência. O problema está aí: na infantilização da vida
pública que políticos e jornalistas acabam por cultivar. Se um anúncio de uma
final com estádios vazios justificou tanta pompa e circunstância, que cerimónia
devemos fazer para dar conta de que a despesa pública e privada em investigação
e desenvolvimento já está perto dos três mil milhões de euros?



Sem comentários:
Enviar um comentário