sexta-feira, 15 de maio de 2020

Prémios no Novo Banco: quatro razões para o protesto público



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Prémios no Novo Banco: quatro razões para o protesto público

Não sabíamos que o CEO do Novo Banco ia receber um prémio, na última crise foi proibido dar prémios nos bancos resgatados, há bancos que não atribuem bónus quando têm prejuízo e estamos à beira da crise pós-pandemia.

BÁRBARA REIS
15 de Maio de 2020, 7:00

Os tablóides têm o talento de fazer manchetes memoráveis. “Not so fast you greedy bastards” foi o título do New York Post de 18 de Março de 2009.

Discutiam-se os investimentos do American International Group (AIG) que tinham levado à crise. Cinco meses antes, com medo dos efeitos na economia, o Presidente George W. Bush pedira ao Congresso 700 mil milhões de dólares para resgatar os maiores bancos e empresas financeiras. “Não parecia justo a Wall Street ter recebido enormes lucros durante os ‘good times’ e agora que as coisas estavam más vir pedir aos contribuintes para pagar a conta”, escreve o filósofo político Michael J. Sandel no seu best-seller Justiça — Fazemos o que devemos? (Editorial Presença, 2011). “Mas parecia não haver alternativa.” Eram “too big to fail”. “Com relutância, o Congresso aprovou os fundos para o resgate.”

O escândalo veio depois. Mal começou a receber capital do Estado — 173 mil milhões —, a AIG pagou 165 milhões em prémios aos executivos da unidade de investimentos de risco que estava na origem da crise. Setenta e três funcionários receberam um bónus de mais de um milhão de dólares. O protesto público foi imediato. Na véspera da manchete do New York Post, o presidente do AIG, que sempre dissera que não aceitaria prémios, disse isto no Congresso:

— Pedi aos funcionários para fazerem o que deve ser feito.

À americana, a expressão foi: “Do the right thing”. Quinze executivos devolveram os prémios (50 milhões), mas a maioria não.

Esta arqueologia serve para dizer que as notícias dos prémios previstos para António Ramalho, CEO do Novo Banco, e o seu conselho de administração mostram como muitas regras mudaram na banca, mas muito está igual.

No Novo Banco, a surpresa tem uma razão clara: um banco que está sob intervenção pública não deve dar prémios aos gestores de topo. Não é só por causa dos contribuintes, pois o nosso papel na operação de resgate do Novo Banco é parcial. As tranches que o Estado paga para “salvar” o Novo Banco saem do Fundo de Resolução e são os bancos que financiam esse fundo. Claro que a Caixa Geral de Depósitos é um banco público cujos lucros são entregues ao Estado. Mas a Caixa paga 18% do fundo.

O protesto é legítimo sobretudo por razões éticas e de transparência. Até o Expresso noticiar, não se sabia que havia um acordo para os administradores do Novo Banco receberem dois milhões de euros. É estranho não pôr as cartas em cima da mesa numa questão relevante como esta e quando há um precedente de peso. Todos nos lembramos do que aconteceu quando a crise de 2008 chegou a Portugal. A Comissão Europeia definiu as “regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira” e, a partir de 1 de Agosto de 2013, os bancos que recebessem capital do Estado passaram a ser obrigados a “aplicar políticas rigorosas em matéria de remuneração dos quadros dirigentes”: “Qualquer banco beneficiário de auxílios estatais deve circunscrever a níveis adequados as remunerações totais do pessoal, incluindo o conselho de administração”. A seguir, a Comissão Europeia explica o que são “renumerações totais”: “O limite superior das remunerações totais deve incluir todas as possíveis componentes fixas e variáveis bem como as pensões.” Tradução: o tecto inclui o salário e o bónus. No fim, estão os valores: “A remuneração total não pode exceder 15 vezes o salário médio nacional no Estado-membro ou 10 vezes o salário médio dos trabalhadores do banco beneficiário.” Foi por causa desta regra que nesse ano os conselhos de administração de alguns bancos portugueses não receberam prémios. É possível que a regra já não vigore — não tive tempo de verificar. Mas o precedente existe e é recente. Quando um banco recebe capital do Estado, é consensual na Europa que não deve pagar bónus ao conselho de administração.

O esforço do Estado, das empresas e dos contribuintes vai ser monumental. É evidente para todos que, nestas circunstâncias, é pouco ético tirar dois milhões do Fundo de Resolução para premiar os gestores de um banco que está a ser salvo com dinheiro dos outros
Além disso, é razoável defender que um banco não atribua bónus aos quadros do topo quando tem prejuízo. Há empresas e bancos que fazem isso como prática comum — incluindo bancos privados que não estão sob resgate do Estado. Percebe-se que no Novo Banco estejam a trabalhar muito — dos 33 objectivos definidos, dizem ter cumprido 29 — mas os prejuízos impressionam. Em 2019, o ano a que se referem os prémios, o Novo Banco teve um prejuízo de 1059 milhões de euros.

Não sei se é ganância — não vale a pena discutir isso. Da manchete do New York Post, “Not so fast you greedy bastards”, a parte que interessa é o “not so fast”. Ainda é possível reverter? O ministro Mário Centeno deu a entender que sim. Falta ver o que vão fazer o comité de renumerações do Novo Banco, o Banco de Portugal e o BCE. Há tempo. Antes de 31 de Dezembro de 2021, os prémios não podem ser pagos. Até lá, ainda temos a crise pós-pandemia. Essa é a quarta razão para protestar contra estes prémios. O esforço do Estado, das empresas e dos contribuintes vai ser monumental. É evidente para todos que, nestas circunstâncias, é pouco ético tirar dois milhões do Fundo de Resolução para premiar os gestores de um banco que está a ser salvo com dinheiro dos outros, dinheiro público e privado.

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