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EDITORIAL
Já ninguém é Centeno
O epílogo da história dos 850 milhões está à vista e
sugere o descrédito do ministro das Finanças com melhores resultados do país em
muitas décadas e a resistência inabalável do primeiro-ministro, incólume até um
caso que expôs fragilidades no seu Governo.
MANUEL CARVALHO
15 de Maio de
2020, 5:30
A política tem
uma enorme galeria de nomes que num ápice passam de Deus ao Diabo ou de
ministros que, como Mário Centeno, passam de “Ronaldo das Finanças” a banais
jogadores do campeonato distrital. Há nesse caminho os velhos males da
política, um terreno no qual escasseia a memória e não abunda a gratidão.
Condenado a sair quando a agenda europeia o permitir, quando a conveniência do
Governo o aceitar, com a apresentação de um orçamento suplementar, e quando a
temperatura política gerada pelo caso dos 850 milhões para o Novo Banco baixar,
Mário Centeno tem culpas próprias no incidente que desencadeou a tempestade
presente. Mas será uma enorme injustiça se a inteligência táctica de António
Costa, a máquina de propaganda do Governo e o precioso auxílio do Presidente da
República o transformarem no bode expiatório de tudo o que correu mal.
Mário Centeno,
admitamos, pode ser o principal responsável por este estranho episódio que
legitima todas as suspeitas sobre os canais de comunicação no Governo, a sua
coordenação ou até, como sugere Rui Rio, os deveres de lealdade indispensáveis
numa equipa. Porque, se ele não sabia nem ouviu o compromisso de António Costa
no Parlamento a 20 de Abril sobre o empréstimo de 850 milhões, que só avançaria
após se saber das conclusões da auditoria (da Delloite), deveria ter sabido ou
ouvido. Mas também é verdade que este vazio de informação não o fragiliza
apenas a ele; convoca também o primeiro-ministro. Que, podemos suspeitar,
tentou acalmar a habitual animosidade do Bloco contra os bancos com uma
promessa que, ou era desconhecida do seu ministro, ou, se era conhecida, foi
remetida para o caixote do lixo, num gesto de clara desautorização.
Centeno tem razão
ao dizer que, com ou sem auditoria, o Estado teria de pagar mais uma conta do
Novo Banco. Costa tinha razão ao exigir saber a causa de tantas imparidades
antes de passar o cheque. Mas pouco interessa falar de razões quando, no final
desta história, ficamos sem saber qual era a razão do Governo, que acabou por
ser exposto nas suas contradições internas. Agora, ferido na sua aura, Centeno
vai arrastar-se no Governo e no Eurogrupo; seguro nas suas certezas, protegido
pelo Presidente e amparado pela opinião pública, que detesta cheques a bancos,
Costa sai desta opereta como só ele sabe sair: por cima. O epílogo está à vista
e sugere o descrédito do ministro das Finanças com melhores resultados do país
em muitas décadas e a resistência inabalável do primeiro-ministro, incólume até
um caso que expôs fragilidades no seu Governo.
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