sábado, 1 de maio de 2021

Plásticos das estufas e químicos cobrem o Sudoeste e não há nada que o impeça // Odemira: sobreocupação dos alojamentos foi decidida em Conselho de Ministros

 



AMBIENTE

Plásticos das estufas e químicos cobrem o Sudoeste e não há nada que o impeça

 

Ambientalistas da Zero e moradores criticam a “passividade total” das autoridades perante “descontrolo” na instalação de culturas intensivas em estufas no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

 

Carlos Dias

18 de Maio de 2018, 8:20

https://www.publico.pt/2018/05/18/local/noticia/anarquia-conveniente-na-instalacao-de-tuneis-de-plastico-no-perimetro-de-rega-do-mira-1830392

 

As estufas em Odemira e Aljezur surgem a um ritmo avassalador

 

O crescente aumento do número de explorações agrícolas que se instalam no Perímetro de Rega do Mira (PRM), em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, tudo cobrindo com estufas está a fazer recrudescer os protestos de quem vive rodeado de um mar de plástico que lhes esconde o horizonte e respira químicos variados. Mas o próprio Estado admite que não há lei que os proteja.

 

Cansada de procurar identificar os responsáveis pelo que considera ser uma “anarquia conveniente” no PRM, Maria Augusta Monteiro Coelho, residente no lugar de Mal Lavado em Odemira, endereçou no início de 2018 uma carta ao primeiro-ministro António Costa, facultada ao PÚBLICO pela câmara de Odemira. Nela pede, “mais uma vez”, a intervenção, “urgente e responsável” do Governo. No seu conteúdo, refere a dificuldade que sente em perceber como é que as culturas intensivas que alastram pelo PRM com cobertura de plástico “não necessitam de licenciamento nem de estudos de impacto ambiental” antes de serem instaladas. 

 

As críticas sobre a implantação deste modelo agrícola não se circunscrevem à proliferação do plástico. As pessoas que vivem junto das estufas, estufins ou túneis elevados ficam “expostas a uma infinidade de produtos químicos”, denuncia Maria Augusta destacando “o cheiro insuportável e o ardor nos olhos” sempre que se procede a desinfecções do solo ou das plantas. E deixa um alerta: “Penso mesmo, pelo número de casos [que conhece] na zona que é importante conhecer a incidência de cancro dos últimos anos” no concelho de Odemira.

 

Também José Luís Dumas Diniz, que tem uma casa no Brejão, local onde Thierry Roussel iniciou nos anos 80 do século passado a instalação de culturas intensivas cobertas com plástico, remeteu vários protestos à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) manifestando-se contra a instalação de estufas. “Florescem em pleno parque natural sem qualquer critério, a poucos metros de praias, escolas, estradas, agregados populacionais e instalações turísticas”. 

 

Nenhuma das duas entidades reagiu à denúncia de um “crime ambiental de assinalável gravidade”, lamentou Dumas Diniz, que decidiu recorrer para a Procuradoria-Geral da República, reclamando a sua intervenção. O relatório que a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento Território (IGAMAOT) apresentou em Março de 2018, na sequência da avaliação que efectuou ao cumprimento das normas aplicáveis às actividades agrícolas integradas no PNSACV, concluiu que “não existe regime jurídico” de licenciamento da actividade agrícola intensiva.

 

A IGAMAOT confirma que “a ausência de um regime jurídico de licenciamento da actividade agrícola intensiva” está a “dificultar, ou mesmo a impossibilitar”, que a administração pública assegure o cumprimento de “condicionantes ambientais” na fase prévia à instalação de projectos ou acções relacionadas com a instalação de estufas.

 

Omissões na lei

A Zero — Associação Sistema Terrestre Sustentável, na sua análise ao relatório da IGAMAOT, destaca a existência de “omissões graves” na legislação que enquadra projectos de agricultura intensiva no PRM e noutras zonas do Parque Natural. Esta situação anómala “conduz a interpretações duvidosas”, observa.

 

Também Francisco Santos Murteira, Director Regional de Agricultura do Alentejo, em carta enviada a Maria Augusta, assume que a área territorial delimitada pelo PRM “está condicionada por vários regimes jurídicos específicos”, a saber: Plano Director Municipal, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, Perímetro de Rega do Mira, Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional e Rede Natura 2000. Todos estes instrumentos de planeamento, acabam por “dificultar uma resposta precisa” aos problemas colocados por um número crescente de pessoas residentes no parque, reconhece Francisco Murteira.

 

Assim, numa área que ocupa cerca de 12 mil hectares nos concelhos de Odemira e de Aljezur, numa área protegida, as autoridades “não conseguem controlar a proliferação de abrigos destinados à actividade agrícola”, observa a Zero, assinalando que na maior parte do PRM “não se mostra assegurado, de momento, o cumprimento das restrições à ocupação”.

 

Por outro lado a IGAMAOT admite que “não foi possível identificar”, de modo completo e actualizado, a extensão da ocupação da actividade agrícola intensiva no PRM, nem a sua evolução, uma vez que, “nem o ICNF, nem a Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) detêm essa informação”.

 

Ao PÚBLICO, a Câmara de Odemira refere que a área coberta de estufas, abrigos, estufins ou túneis elevados no perímetro de rega do Mira e em zonas exteriores a esta área “é de cerca de 3000 hectares”.

 

A “incapacidade” revelada pelo ICNF no conhecimento da área ocupada pela actividade agrícola na Área de Intervenção Específica do PRM e a “emissão de pareceres favoráveis” a projectos agrícolas que “deveriam ser sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental, obrigatória por lei”, merecem críticas da Zero. Os ambientalistas fazem referência a uma passagem do relatório da IGAMAOT onde se diz que “houve situações em que o ICNF não cumpriu os prazos previstos e ocorreu o deferimento tácito”.

 

Numa moção apresentada em Fevereiro de 2016 pelo PS na Assembleia Municipal de Odemira está patente o desconforto que o novo modelo agrícola provoca na comunidade local: “Este boom agrícola criou novos dilemas de cariz social, ambiental, de segurança, de habitação, na paisagem, na gestão de resíduos ou nas acessibilidades. Assiste-se a um crescimento de áreas de agricultura intensiva não consentâneo com a qualidade e desenvolvimento que o concelho exige”.

 

O PÚBLICO enviou questões sobre o assunto ao Ministério da Agricultura e à Associação de Regantes do Perímetro do Mira, mas não obteve respostas.

 

DESCONFINAMENTO

Odemira: sobreocupação dos alojamentos foi decidida em Conselho de Ministros

 

Câmara de Odemira está a trabalhar numa Estratégia Local de Habitação que vai dar resposta a alguns dos problemas no âmbito do programa Primeiro Direito. Mas não a todos.

 

Luísa Pinto

30 de Abril de 2021, 23:56

https://www.publico.pt/2021/04/30/economia/noticia/odemira-sobreocupacao-alojamentos-decidida-conselho-ministros-1960768

 

O primeiro-ministro, António Costa, falou da violação de direitos humanos na situação habitacional dos trabalhadores agrícolas residentes no concelho de Odemira, mas a verdade é que a sobreocupação que agora está a impedir o combate à propagação da pandemia, em que se prevê quartos onde vivem quatro pessoas, foi possibilitada por uma resolução de Conselho de Ministros tomada em Outubro de 2019.

 

Foi para resolver os problemas habitacionais da população migrante que o Governo permitiu que os alojamentos temporários amovíveis, vulgo “contentores”, fossem equiparados “a construções complementares da actividade agrícola”. Foi essa resolução que definiu as regras de construção dessas unidades amovíveis de alojamento, destinando 16 pessoas a cada uma e distribuindo quatro pessoas por cada quarto.

 

O Governo foi questionado porque é que chamavam “unidades amovíveis de alojamento” ao que era suposto ser a casa destes trabalhadores. “Tinha mesmo de ser assim”, explicava o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, numa audição no Parlamento, onde recordava que estando em pleno Parque Natural da Costa Vicentina só poderiam ser chamadas casas aquelas que surgissem em perímetro urbano. Por isso, a resolução definia este regime como temporário, atribuía-lhe um prazo de dez anos e incentivava “a busca de soluções que permitam a acomodação dos trabalhadores nos perímetros urbanos” durante esse mesmo prazo.

 

Esta decisão envolveu vários ministérios, os mesmos que agora tutelam o chamado Grupo de Projecto do Mira, instituído nessa resolução do Conselho de Ministros. Numa resposta conjunta enviada às questões remetidas pelo PÚBLICO, os ministérios da Habitação, Presidência, Agricultura, Ambiente, Trabalho e Segurança Social garantiram que o Governo está a trabalhar na prioridade “de garantir que a todos os trabalhadores são salvaguardadas condições dignas de habitabilidade”.

 

A eclosão da pandemia veio mostrar como esta solução é impossível de gerir em termos de saúde pública, e dez anos é um prazo demasiado longo. Ao PÚBLICO, a deputada do PSD Filipa Roseta, que forçou um debate urgente na Assembleia logo no início de 2020, diz que o Governo abriu aqui um “precedente gravíssimo”, permitindo que estas soluções se possam repetir em todos os locais onde há pressão por causa da agricultura intensiva.

 

“Andamos a discutir este problema há mais de um ano, e não se vê resultado nenhum”, afirma a deputada, que esta quinta-feira endereçou um novo conjunto de perguntas ao Governo. Arquitecta de formação, a deputada admite que o primeiro passo tem de ser dado pelo município: o de ampliar o perímetro urbano do concelho, e definir, a priori, as localizações concretas onde poderão aparecer as necessárias casas.

 

Em Fevereiro deste ano, a iniciativa do PSD, a que se juntaram todos os outros partidos, culminou numa resolução da Assembleia da República que recomendava a adopção de várias “medidas sociais e habitacionais para a região do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina”. Na resposta enviada ao PÚBLICO, o Governo refere que essas recomendações estão todas as ser avaliadas no âmbito do trabalho em curso do já referido Grupo de Projecto do Mira.

 

Para já, o que já se pode confirmar é que as situações que se enquadrem em necessidades permanentes de habitação “vão ter resposta na Estratégia Local de Habitação (ELH)” que, confirmou o PÚBLICO fonte do Ministério das Infra-estruturas e da Habitação (MIH), está já a ser elaborada pelo município de Odemira. Esta estratégia é fundamental para os municípios se candidatarem aos apoios públicos no âmbito do programa Primeiro Direito. “Estamos perante uma situação muito específica, mas que cumpre salvaguardar, seja por via do Primeiro Direito (nos casos que são enquadráveis por se tratarem de municípios elegíveis na ELH), seja por via de soluções junto das entidades empregadores (conforme previsto na resolução já referida)”, refere a resposta do Governo.

 

Recorde-se que o Plano de Recuperação e Resiliência (​PRR) vai financiar a solução habitacional para as primeiras 26 mil famílias com carências habitacionais que estejam sinalizadas em Estratégias Locais de Habitação aprovadas pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), e para as quais haja acordo de financiamento. Mas Odemira ainda não entrou nessa corrida. Em entrevista ao PÚBLICO, a secretária de Estado da Habitação garantiu que o financiamento do Primeiro Direito não se esgota no PRR, e que o Governo saberá encontrar outras fontes de financiamento.

 

tp.ocilbup@otnip.asiul

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