AMBIENTE
Plásticos das estufas e químicos cobrem o Sudoeste e não
há nada que o impeça
Ambientalistas da Zero e moradores criticam a
“passividade total” das autoridades perante “descontrolo” na instalação de
culturas intensivas em estufas no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa
Vicentina.
Carlos Dias
18 de Maio de
2018, 8:20
As estufas em Odemira e Aljezur surgem a um ritmo
avassalador
O crescente
aumento do número de explorações agrícolas que se instalam no Perímetro de Rega
do Mira (PRM), em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa
Vicentina, tudo cobrindo com estufas está a fazer recrudescer os protestos de
quem vive rodeado de um mar de plástico que lhes esconde o horizonte e respira
químicos variados. Mas o próprio Estado admite que não há lei que os proteja.
Cansada de
procurar identificar os responsáveis pelo que considera ser uma “anarquia
conveniente” no PRM, Maria Augusta Monteiro Coelho, residente no lugar de Mal
Lavado em Odemira, endereçou no início de 2018 uma carta ao primeiro-ministro
António Costa, facultada ao PÚBLICO pela câmara de Odemira. Nela pede, “mais
uma vez”, a intervenção, “urgente e responsável” do Governo. No seu conteúdo,
refere a dificuldade que sente em perceber como é que as culturas intensivas
que alastram pelo PRM com cobertura de plástico “não necessitam de licenciamento
nem de estudos de impacto ambiental” antes de serem instaladas.
As críticas sobre
a implantação deste modelo agrícola não se circunscrevem à proliferação do
plástico. As pessoas que vivem junto das estufas, estufins ou túneis elevados
ficam “expostas a uma infinidade de produtos químicos”, denuncia Maria Augusta
destacando “o cheiro insuportável e o ardor nos olhos” sempre que se procede a
desinfecções do solo ou das plantas. E deixa um alerta: “Penso mesmo, pelo
número de casos [que conhece] na zona que é importante conhecer a incidência de
cancro dos últimos anos” no concelho de Odemira.
Também José Luís
Dumas Diniz, que tem uma casa no Brejão, local onde Thierry Roussel iniciou nos
anos 80 do século passado a instalação de culturas intensivas cobertas com
plástico, remeteu vários protestos à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e ao
Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) manifestando-se
contra a instalação de estufas. “Florescem em pleno parque natural sem qualquer
critério, a poucos metros de praias, escolas, estradas, agregados populacionais
e instalações turísticas”.
Nenhuma das duas
entidades reagiu à denúncia de um “crime ambiental de assinalável gravidade”,
lamentou Dumas Diniz, que decidiu recorrer para a Procuradoria-Geral da
República, reclamando a sua intervenção. O relatório que a Inspecção-Geral da
Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento Território (IGAMAOT)
apresentou em Março de 2018, na sequência da avaliação que efectuou ao
cumprimento das normas aplicáveis às actividades agrícolas integradas no
PNSACV, concluiu que “não existe regime jurídico” de licenciamento da
actividade agrícola intensiva.
A IGAMAOT
confirma que “a ausência de um regime jurídico de licenciamento da actividade
agrícola intensiva” está a “dificultar, ou mesmo a impossibilitar”, que a
administração pública assegure o cumprimento de “condicionantes ambientais” na
fase prévia à instalação de projectos ou acções relacionadas com a instalação
de estufas.
Omissões na lei
A Zero — Associação
Sistema Terrestre Sustentável, na sua análise ao relatório da IGAMAOT, destaca
a existência de “omissões graves” na legislação que enquadra projectos de
agricultura intensiva no PRM e noutras zonas do Parque Natural. Esta situação
anómala “conduz a interpretações duvidosas”, observa.
Também Francisco
Santos Murteira, Director Regional de Agricultura do Alentejo, em carta enviada
a Maria Augusta, assume que a área territorial delimitada pelo PRM “está
condicionada por vários regimes jurídicos específicos”, a saber: Plano Director
Municipal, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, Perímetro
de Rega do Mira, Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional e Rede
Natura 2000. Todos estes instrumentos de planeamento, acabam por “dificultar
uma resposta precisa” aos problemas colocados por um número crescente de
pessoas residentes no parque, reconhece Francisco Murteira.
Assim, numa área
que ocupa cerca de 12 mil hectares nos concelhos de Odemira e de Aljezur, numa
área protegida, as autoridades “não conseguem controlar a proliferação de
abrigos destinados à actividade agrícola”, observa a Zero, assinalando que na
maior parte do PRM “não se mostra assegurado, de momento, o cumprimento das
restrições à ocupação”.
Por outro lado a
IGAMAOT admite que “não foi possível identificar”, de modo completo e
actualizado, a extensão da ocupação da actividade agrícola intensiva no PRM,
nem a sua evolução, uma vez que, “nem o ICNF, nem a Direcção Geral de
Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) detêm essa informação”.
Ao PÚBLICO, a
Câmara de Odemira refere que a área coberta de estufas, abrigos, estufins ou
túneis elevados no perímetro de rega do Mira e em zonas exteriores a esta área
“é de cerca de 3000 hectares”.
A “incapacidade”
revelada pelo ICNF no conhecimento da área ocupada pela actividade agrícola na
Área de Intervenção Específica do PRM e a “emissão de pareceres favoráveis” a
projectos agrícolas que “deveriam ser sujeitos a Avaliação de Impacte
Ambiental, obrigatória por lei”, merecem críticas da Zero. Os ambientalistas
fazem referência a uma passagem do relatório da IGAMAOT onde se diz que “houve
situações em que o ICNF não cumpriu os prazos previstos e ocorreu o deferimento
tácito”.
Numa moção
apresentada em Fevereiro de 2016 pelo PS na Assembleia Municipal de Odemira
está patente o desconforto que o novo modelo agrícola provoca na comunidade
local: “Este boom agrícola criou novos dilemas de cariz social, ambiental, de
segurança, de habitação, na paisagem, na gestão de resíduos ou nas
acessibilidades. Assiste-se a um crescimento de áreas de agricultura intensiva
não consentâneo com a qualidade e desenvolvimento que o concelho exige”.
O PÚBLICO enviou
questões sobre o assunto ao Ministério da Agricultura e à Associação de
Regantes do Perímetro do Mira, mas não obteve respostas.
DESCONFINAMENTO
Odemira: sobreocupação dos alojamentos foi decidida em
Conselho de Ministros
Câmara de Odemira está a trabalhar numa Estratégia Local
de Habitação que vai dar resposta a alguns dos problemas no âmbito do programa
Primeiro Direito. Mas não a todos.
Luísa Pinto
30 de Abril de
2021, 23:56
O
primeiro-ministro, António Costa, falou da violação de direitos humanos na
situação habitacional dos trabalhadores agrícolas residentes no concelho de
Odemira, mas a verdade é que a sobreocupação que agora está a impedir o combate
à propagação da pandemia, em que se prevê quartos onde vivem quatro pessoas,
foi possibilitada por uma resolução de Conselho de Ministros tomada em Outubro
de 2019.
Foi para resolver
os problemas habitacionais da população migrante que o Governo permitiu que os
alojamentos temporários amovíveis, vulgo “contentores”, fossem equiparados “a
construções complementares da actividade agrícola”. Foi essa resolução que
definiu as regras de construção dessas unidades amovíveis de alojamento,
destinando 16 pessoas a cada uma e distribuindo quatro pessoas por cada quarto.
O Governo foi
questionado porque é que chamavam “unidades amovíveis de alojamento” ao que era
suposto ser a casa destes trabalhadores. “Tinha mesmo de ser assim”, explicava
o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, numa audição no Parlamento,
onde recordava que estando em pleno Parque Natural da Costa Vicentina só
poderiam ser chamadas casas aquelas que surgissem em perímetro urbano. Por
isso, a resolução definia este regime como temporário, atribuía-lhe um prazo de
dez anos e incentivava “a busca de soluções que permitam a acomodação dos
trabalhadores nos perímetros urbanos” durante esse mesmo prazo.
Esta decisão
envolveu vários ministérios, os mesmos que agora tutelam o chamado Grupo de
Projecto do Mira, instituído nessa resolução do Conselho de Ministros. Numa
resposta conjunta enviada às questões remetidas pelo PÚBLICO, os ministérios da
Habitação, Presidência, Agricultura, Ambiente, Trabalho e Segurança Social
garantiram que o Governo está a trabalhar na prioridade “de garantir que a
todos os trabalhadores são salvaguardadas condições dignas de habitabilidade”.
A eclosão da
pandemia veio mostrar como esta solução é impossível de gerir em termos de
saúde pública, e dez anos é um prazo demasiado longo. Ao PÚBLICO, a deputada do
PSD Filipa Roseta, que forçou um debate urgente na Assembleia logo no início de
2020, diz que o Governo abriu aqui um “precedente gravíssimo”, permitindo que
estas soluções se possam repetir em todos os locais onde há pressão por causa
da agricultura intensiva.
“Andamos a
discutir este problema há mais de um ano, e não se vê resultado nenhum”, afirma
a deputada, que esta quinta-feira endereçou um novo conjunto de perguntas ao
Governo. Arquitecta de formação, a deputada admite que o primeiro passo tem de
ser dado pelo município: o de ampliar o perímetro urbano do concelho, e
definir, a priori, as localizações concretas onde poderão aparecer as
necessárias casas.
Em Fevereiro
deste ano, a iniciativa do PSD, a que se juntaram todos os outros partidos,
culminou numa resolução da Assembleia da República que recomendava a adopção de
várias “medidas sociais e habitacionais para a região do Parque Natural do
Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina”. Na resposta enviada ao PÚBLICO, o
Governo refere que essas recomendações estão todas as ser avaliadas no âmbito
do trabalho em curso do já referido Grupo de Projecto do Mira.
Para já, o que já
se pode confirmar é que as situações que se enquadrem em necessidades
permanentes de habitação “vão ter resposta na Estratégia Local de Habitação
(ELH)” que, confirmou o PÚBLICO fonte do Ministério das Infra-estruturas e da
Habitação (MIH), está já a ser elaborada pelo município de Odemira. Esta
estratégia é fundamental para os municípios se candidatarem aos apoios públicos
no âmbito do programa Primeiro Direito. “Estamos perante uma situação muito
específica, mas que cumpre salvaguardar, seja por via do Primeiro Direito (nos
casos que são enquadráveis por se tratarem de municípios elegíveis na ELH),
seja por via de soluções junto das entidades empregadores (conforme previsto na
resolução já referida)”, refere a resposta do Governo.
Recorde-se que o
Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vai financiar a solução habitacional
para as primeiras 26 mil famílias com carências habitacionais que estejam
sinalizadas em Estratégias Locais de Habitação aprovadas pelo Instituto de
Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), e para as quais haja acordo de
financiamento. Mas Odemira ainda não entrou nessa corrida. Em entrevista ao
PÚBLICO, a secretária de Estado da Habitação garantiu que o financiamento do
Primeiro Direito não se esgota no PRR, e que o Governo saberá encontrar outras
fontes de financiamento.
tp.ocilbup@otnip.asiul
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