Francisco George. Obras no quarteirão inglês "não
foram discutidas de forma transparente"
Descendente de uma família inglesa, o presidente da Cruz
Vermelha vê com preocupação os planos para o chamado quarteirão inglês. E
desafia Medina a parar o projeto e a promover uma discussão pública.
Ex-diretor-geral da Saúde, atual presidente da Cruz
Vermelha, Francisco George critica a falta de discussão pública sobre o projeto
de um condomínio para o chamado quarteirão inglês, contíguo ao Cemitério Inglês.
Susete Francisco
22 Abril 2021 —
07:00
É descendente de
uma família inglesa. Quando é que os George vêm para Lisboa?
Em meados do
século XIX surge uma crise na construção naval em Inglaterra. Há um conjunto de
especialistas em energia a vapor, os boilermakers - os caldeireiros - que ficam
sem trabalho. O meu avô Charles - que era casado com Emma, a minha bisavó, e
que já tinha três filhos - viu-se numa situação de desemprego e decidiu aceitar
uma proposta do governo português, em regime de cooperação, para servir como
mestre boilermaker no Arsenal da Marinha, que na altura estava no lado poente
da Praça do Comércio, na rua que tem o nome do Arsenal.
Os seus avós já
nascem em Lisboa?
Sim, os meus
bisavós vêm com os três filhos. Os restantes dos 14 irmãos nasceram em Lisboa,
o mais novo era o meu avô, Albert, que nasceu em 1870.
E a sua família
instala-se onde?
Os meus bisavós
viveram primeiro na Estrela. A comunidade inglesa vivia sobretudo na zona entre
a Estrela, São Bento e Santos. Campo de Ourique ainda não era, verdadeiramente,
um bairro. Surge com a pujança que tem hoje no século XX. Depois, com a inauguração
do bairro, houve uma procura por Campo de Ourique, até porque o cemitério era
rodeado de uma escola inglesa, com ensino também em português (que os meus avós
frequentaram) e tinha, no que é agora a Rua da Estrela, um pequeno teatro com
atividades culturais, encenações, onde foram projetados os primeiros filmes, e
que tinha grande procura durante a II Guerra Mundial para saber as notícias da
frente. Depois, havia o clube de ténis e, a seguir, a chamada Casa do Pastor,
onde vivia a família do pastor anglicano, que assegurava os serviços religiosos
à comunidade inglesa.
A sua família
mantém sempre ligação a Campo de Ourique...
Sempre, todos
nós. Eu sinto-me um lisboeta de Campo de Ourique, tenho um sentimento especial
de ligação ao bairro, onde nasci e cresci. A minha mãe é de Campo de Ourique, o
meu pai nasceu, viveu e morreu na Rua Coelho da Rocha. Para nós esta rua tem um
simbolismo muito especial.
O conjunto de
edifícios que referiu vai ser um condomínio...
Esse conjunto foi
agora alienado e como especialmente interessado nos assuntos que dizem respeito
ao Cemitério Inglês - onde repousa a minha família, bisavós, avós, pais, tios,
irmãos, a minha mulher e filha - considero que devia ter sido ouvido nos projetos
que dizem respeito àquela área, que considero intocável, no plano cultural e de
preservação da história. E no plano do urbanismo: um projeto com aquela
dimensão tinha necessariamente de ser colocado em discussão pública para os
interessados se pronunciarem. Tudo indica que há uma precipitação na aprovação,
de tal maneira preocupante que as obras já começaram e é preciso ter a certeza
de que não há invasão do sossego de um espaço com sepulturas. Faz agora 300
anos que a primeira sepultura foi acolhida naquele espaço, é preciso respeitar
esse lugar, é um local de culto para muitas famílias. Nomeadamente a minha, não
encaro com facilidade grandes obras de construção de condomínios privados
naquela área.
A proximidade
dessa obra ao cemitério devia ter merecido outra cautela ao poder público?
Claro. Há aqui
uma invasão, nomeadamente quanto ao ambiente e à qualidade paisagística, que me
preocupa. É inaceitável como não houve uma discussão pública e não me parece
que a transparência da aprovação tenha sido percebida em termos públicos.
O processo foi
aprovado sem ir a reunião da câmara.
Isso é
inadmissível...
Mas é legal.
Mesmo que seja
num plano de legalidade, não é compreensível. As questões da legalidade não se
podem sobrepor a outros valores, à dimensão cultural, ambiental, até no plano
da ética e do respeito por valores históricos. Pessoalmente, não compreendo e
não aceito que seja lesada a imagem envolvente do cemitério com obras que não
foram discutidas de uma forma transparente. Por isso, desafio o presidente da
Câmara de Lisboa a que mande parar e discutir o projeto, em nome da preservação
do património histórico e cultural que interessa à cidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário