Mais uma situação para Costa e Cabrita resolverem.
Portugal
transformado na maior “Fábrica de legalizações” da Europa num grave e
irresponsável contra ciclo e negando as suas obrigações no espaço Schengen,
através do evidente e crescente efeito de chamada que a Nova Lei da Imigração provocou
e continua a desenvolver.
Agora, Portugal, exporta
também insegurança alimentar.
OVOODOCORVO
REPORTAGEM
Mariscadores imigrantes do Tejo sem controlo sanitário
Há suspeitas de que milhares de imigrantes que apanham
amêijoa na margem Sul do Tejo vivem em condições semelhantes às detectadas em
Odemira. “Pode estar aqui montada uma bomba relógio”, diz autarca do Samouco.
Luciano Alvarez e
Rui Gaudêncio (Fotos)
10 de Maio de
2021, 22:31
Há muito tempo
que o problema é do conhecimento de governantes, autarcas e autoridades
policiais. Todos os dias, quando a maré baixa, milhares de pessoas, a maioria
imigrantes, muitos ilegais, entram no Tejo pela margem Sul do rio,
especialmente no concelho de Alcochete. Homens, mulheres e crianças vão à apanha
de amêijoa da espécie japonesa que vendem a intermediários que a tentam depois
negociar em Espanha ou com restaurantes, neste caso, usando muitas vezes falsa
rotulagem.
Um perigo para a
saúde pública já que esta amêijoa é imprópria para consumo a que agora se junta
outro. Muitos destes mariscadores vivem em locais sem condições sanitárias e,
tal como acontece em outras comunidades de imigrantes no país, há suspeitas de
existirem grandes grupos em algumas “habitações”. Em tempos de pandemia, esta
situação é uma espécie de bomba relógio, já que um eventual surto de covid-19
rapidamente se poderá alastrar a toda a comunidade.
O Governo diz
acompanhar “com preocupação” esta situação, mas até ao momento não foi tomada
nenhuma medida que verificasse a situação em que vivem os imigrantes, ou tomada
qualquer medida sanitária de fundo de prevenção anti-covid naquela comunidade.
Em respostas
enviadas por escrito ao PÚBLICO, o Ministério do Mar, tutelado por Ricardo
Serrão Santos, diz “tem assegurado, através dos seus serviços, que sejam
cumpridas as condições de apanha de amêijoa japonesa de modo a não pôr em causa
a saúde pública dos consumidores”.
Cita mesmo o
despacho n.º 2625/2021, de 9 de Março, em que o Instituto Português do Mar e da
Atmosfera (IPMA) fixa as regras para as duas zonas de produção no estuário do
rio Tejo. A lei diz que a jusante da Ponte Vasco da Gama a amêijoa tem
“obrigatoriamente” de ter como destino “uma unidade de transformação, antes de
poder ser comercializada para consumo humano”.
Já na zona a
montante da ponte, “é proibida a captura de amêijoa japonesa, bem como qualquer
outra espécie de bivalves, devido à contaminação de metais pesados”.
Acontece que em
Portugal não existe nenhuma unidade de transformação e a que estava a ser
construída no Barreiro foi, entretanto, suspensa. Por outro lado, basta ir até
à margem do rio na freguesia do Samouco, concelho de Alcochete, por exemplo,
para ver que quer a montante quer a jusante da ponte são milhares os que catam
amêijoa e a vendem à descarada aos intermediários. As dezenas de toneladas de
amêijoa japonesa que a GNR captura anualmente na zona são outra das provas da
intensa e ilegal captura deste tipo de bivalves.
Ontem, a GNR
anunciou ter em curso há cerca de um ano e meio uma investigação da qual
resultaram seis mandados de detenção em território nacional; 80 mandados de
busca em território nacional; cinco mandados de busca em Espanha e seis em Itália.
Esta operação que
esteve no terreno em Almada é feita sob direcção do Departamento de
Investigação e Acção Penal (DIAP) de Almada, com o apoio da EUROPOL e da
EUROJUST.
Foi identificada
“uma rede criminosa com dimensão transnacional que, de forma organizada e
fraudulenta, se dedicava à apanha ilícita e posterior introdução no circuito
comercial, para consumo humano, de vários tipos de bivalves (essencialmente
amêijoa japónica e pé de burro) com elevados níveis de toxicidade, não sujeitos
a depuração adequada para introdução no mercado alimentar”.
Da actividade
“comercial marginalmente desenvolvida pela rede criminosa, resultou a ocultação
à administração tributária de transacções estimadas em cerca de 5 milhões de
euros”.
Milhares de ilegais
Segundo um estudo
científico que reuniu os departamentos de investigação de várias universidades,
realizado entre Janeiro e Dezembro de 2015 e divulgado pelo PÚBLICO em Maio de
2016, existiam nessa altura cerca de 1700 mariscadores, cerca de 1500 ilegais,
que retiravam do estuário do Tejo 19 mil quilos de amêijoa por dia.
Ainda de acordo
com o estudo, o negócio movimentou em 2014 uma verba estimada entre os 10 e os
23 milhões de euros, mas nos anos seguintes e até hoje a actividade nunca parou
de crescer.
O Ministério do
Mar diz ainda que tem realizado “acções de sensibilização sobre a monitorização
e a salubridade dos bivalves, junto dos apanhadores bem como das entidades que
asseguram o controlo e fiscalização, e tem participado em várias acções de fiscalização,
com as demais entidades com competências para actuar na situação em apreço”.
Acções que, porém, não retiraram os milhares de mariscadores do rio, nem
pararam o comércio ilegal.
Questionado pelo
PÚBLICO se tem em curso ou planeia em cooperação com outros ministérios acções
que verifiquem a situação em que vivem estes migrantes de forma a proteger as
populações em tempos de pandemia, o Ministério do Mar diz ter assegurado a
“todos os operadores do sector da pesca, independentemente da nacionalidade,
equipamentos de protecção individual e testes ao covid-19”.
Diz também ter
realizado cerca de 4.750 testes à covid-19 a pescadores “embarcados e apeados
por todo o país” e ter realizado diversas acções de sensibilização e de
formação, nomeadamente, “no âmbito das práticas de segurança a bordo”
relacionadas com a pandemia.
Asiáticos em maioria
Só que estes imigrantes, muitos ilegais, que
frequentemente são identificados pela GNR, não pertencem “ao sector da pesca”,
não querem qualquer contacto com as autoridades e, segundo o PÚBLICO apurou,
não foram alvo de qualquer tipo de acção ou de testes. Mas mesmo que tivessem
participado numa acção “de segurança a bordo”, de pouco lhes serviria, já que a
grande maioria faz a apanha a pé e não a bordo de qualquer embarcação.
O PÚBLICO revelou
esta situação em 2016. Na altura, alguns autarcas da região do estuário ouvidos
consideravam existir um “problema gravíssimo”, “assustador”, “dramático” e com
“graves consequências para a saúde pública e ambiente”.
Já na altura se
falava na situação de miséria que vivam aqueles imigrantes que têm na amêijoa o
único sustento e na exploração de que eram alvo por parte dos intermediários.
Já então era revelado que viviam locais sem condições sanitárias, em velhos
barracões ocupados por diversas famílias.
O PÚBLICO voltou
à praia do Samouco na passada sexta-feira. Hoje parecem ser bastantes mais os
que se fazem ao rio. E há uma alteração significativa: há cinco anos a maioria
dos imigrantes vinha do Leste da Europa. Estes continuam por lá, mas agora são
os asiáticos que estão em maioria. São originários do Nepal, Tailândia e
Bangladesh.
“São pessoas que
vinham trabalhar para as estufas do Alentejo, mas que acabaram por ficar por
aqui, porque o negócio é mais lucrativo”, disse ao PÚBLICO Pedro Ferreira (CDU),
presidente da Junta de Freguesia do Samouco.
O Samouco e os “palácios” de Odemira
Já o antigo
presidente da autarquia, António Almeirim, que há cinco anos acompanhou a
reportagem do PÚBLICO, afirma que “as imagens que se vêem das casas em Odemira
são palácios ao pé do que há aqui”. “É uma vergonha. É tudo ao molho e fé em
Deus. Há sítios onde vivem 15 ou mais. Uma vergonha”, lamenta.
Quer o actual,
quer o antigo presidente dizem não ter conhecimento de ter sido realizada
qualquer acção de prevenção da covid-19 junto destes imigrantes.
Na verdade, estes
trabalhadores também parecem não mostrar grande preocupação com a pandemia. Na
passada sexta-feira, o PÚBLICO testemunhou que a grande maioria anda sem
máscara e, à saída do rio, juntam-se em largos grupos sem qualquer
distanciamento de segurança.
Pedro Ferreira
diz não ter “qualquer prova” de que existam casas habitadas por grandes grupos
de pessoas, “até porque ninguém se chega junto às habitações” onde vivem estes
imigrantes, especialmente os oriundos do Leste da Europa, onde a GNR já teve de
intervir várias vezes devido a desacatos.
“A verdade é que
pode estar aqui montada uma bomba relógio. Até agora não houve nenhum surto,
mas se houver… Quando começou a covid, há mais de um ano, houve manifestações
de preocupação, devido à situação dos imigrantes, até de alguns autarcas, mas
que saiba nunca houve nenhuma acção por parte das autoridades de saúde”, diz o
actual presidente da junta.
Os imigrantes
oriundos do Leste e os da Ásia não se cruzam. Moram em partes diferentes da
cidade e, quando vão ao rio a apanha é feita em locais diferentes. Os de Leste,
há mais tempo no território, há muito que ocuparam a margem junto à praia do
Samoco. Os asiáticos operam mais próximo dos pilares da ponte Vasco da Gama.
Já os
intermediários, fazem a compra a uns e outros com o mesmo descaramento de
sempre. “Três euros. Quem tem amêijoa?”, grita um deles anunciando o preço. E
os mariscadores a eles se dirigem para pesarem as sacas que trazem carregadas
do Tejo e partirem com o rendimento do dia.
Este valor
anunciado pelo intermediário revela que o preço por quilo da amêijoa não terá
sofrido grande alteração nos últimos cinco anos. Os autores do já citado estudo
científico revelavam na altura que os bivalves eram vendidos aos intermediários
“entre os 8 cêntimos e 4 euros por quilo” e “chega ao consumidor a preços que
podem variar entre os 8 e os 12 euros/quilo”. Nos fim-de-semana do Verão, o
preço pode ir até aos cinco euros/quilo.
Pedro Ferreira
afirma que é preciso cuidar dos imigrantes, considerando que eles são “há muito
as grandes vítimas de um negócio que envolve milhões” de euros. “São vítimas
dos intermediários, das máfias que controlam o negócio e dos senhorios que lhes
arrendam os locais onde vivem sem condições.”
A maior parte dos
imigrantes asiáticos vive num dos extremos da vila, em velhas garagens junto ao
cemitério local. O actual autarca revela que o senhorio lhes arrendou o local
com um contrato de comodato. Este tipo de contrato serve para emprestar algo com
valor material a outra pessoa, durante um período de tempo, e garantir que o
mesmo lhe seja devolvido no estado em que foi emprestado. “Mas alguém acredita
que eles não pagam renda?”, questiona.
“Fechar o rio”
Para o autarca,
em tempos de pandemia, “só há solução para evitar uma tragédia: “É fechar o rio
à apanha da amêijoa. Fechar totalmente com presença policial diária.”
O PÚBLICO foi até
às antigas garagens onde vivem os imigrantes asiáticos. Os portões abertos
revelam um conjunto de velhos barracões colados uns aos outros à esquerda e à
direita de um pequeno caminho de terra batida. Umas dezenas de bicicletas estão
alinhadas junto a uma parede e nos estendais secam grandes quantidades de
roupa.
O PÚBLICO tentou
chegar à fala com dois imigrantes. Estes dizem não falar nem português, nem
inglês e chamam um homem que faz reparações numa das casas.
Diz de imediato
que ali “ninguém quer falar com jornalistas”. “Falem com o meu patrão que deve
vir por aqui à tarde. Se ele quiser falar, claro”, acrescenta.
Não são os únicos
a não falar. Nas ruas do Samouco o PÚBLICO abordou vários cidadãos e todos
recusaram prestar declarações sobre os imigrantes e a apanha da amêijoa.
Falou também, na
terça-feira, com uma funcionária do gabinete de apoio ao presidente da câmara
de Alcochete (PS), que disse que o autarca prestaria declarações quando tivesse
disponibilidade. Insistimos e a resposta foi a mesma. Nunca ligou.
O PÚBLICO abordou
ainda a assessora do presidente da câmara do Barreiro (PS). Afirmou que o
autarca prestaria declarações por telefone e até pediu que lhe fosse enviado
por e-mail o que queríamos perguntar. Também nunca mais ligou.
Voltemos à
primeira reportagem do PÚBLICO. Na altura questionámos a então ministra do Mar,
Ana Paula Vitorino, do Governo já chefiado por António Costa.
A resposta veio
através de um comunicado, em que o ministério apontava para a necessidade de “um
plano de gestão integrado” que o Governo iria “desenvolver com as autarquias e
outros parceiros locais para criar condições para a regulamentação da apanha no
estuário do Tejo”. Passaram cinco anos.
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