Macário Correia
Esgotaram-se os recursos para travar perda de mandato
Por Idálio Revez e Ana Henriques in Público
Autarca de Faro anunciou que, apesar de mais uma decisão adversa do Tribunal Constitucional (TC), continuará em funções. Tem na manga novo recurso. O TC acusa-o de recorrer a expedientes dilatórios para se manter no cargo
O Tribunal Constitucional respondeu a 7 de Março a um pedido de "aclaração" de Macário Correia confirmando a perda do seu mandato de presidente da Câmara de Faro. Com esta diligência, o autarca esgotou os recursos para travar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no Verão passado. Quando esta decisão transitar em julgado, o que deverá suceder dentro de meses, Macário deixará de poder exercer funções autárquicas, sob pena de os actos que praticar serem considerados inválidos.
O social-democrata não se dá, porém, por vencido. "Ao abrigo da lei, continuarei a exercer as funções para que fui eleito", anunciou ontem num comunicado em que dá conta de ter sido notificado da terceira e derradeira decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua perda de mandato. O comunicado do autarca, que preside à Comunidade Intermunicipal do Algarve, termina com uma promessa: "Aguardarei e cumprirei com serenidade a última decisão do STA, qualquer que ela seja e no momento que venha a ser conhecida".
Condenado por ter violado leis do ordenamento e urbanismo em 2006, quando era presidente da Câmara de Tavira, Macário prepara-se para entregar um recurso extraordinário, alegando que o STA proferiu no passado, num qualquer caso idêntico ao seu, uma decisão diametralmente oposta. Mas este tipo de recurso só pode ser entregue depois de o acórdão que o condena transitar em julgado, ou seja, após perder o mandato. E os recursos extraordinários não suspendem a pena, explica o constitucionalista José Fontes. "Se lhe for dada razão nesta questão isso pode suceder depois do mandato já ter terminado", refere. Quando, daqui a algum tempo, perder o mandato, o social-democrata terá de abandonar a Câmara de Faro. "Não pode continuar num serviço público sem ter um título jurídico que o habilite a tal", refere o mesmo especialista.
"É como se estivesse impedido de exercer funções", corrobora o administrativista da Universidade Católica do Porto Mário Aroso de Almeida, que se mostra surpreendido com as declarações do autarca de que pretende continuar a exercer o cargo. "Não estou a ver como", observa. Se insistir em continuar à frente da Câmara de Faro, Macário Correia depois de o acórdão do STA transitar em julgado, "estará a usurpar funções". Uma vez declarada a perda de mandato, não se torna necessário fazer novas eleições. "O seu substituto legal é o vice-presidente da câmara", esclarece Mário Aroso de Almeida.
O caso poderá, no entanto, ainda voltar uma quarta vez ao Tribunal Constitucional, equaciona o advogado Artur Marques, que em 2003 não conseguiu evitar a ida para a prisão do presidente da Câmara de Vila Verde. "Macário Correia pode evocar a inconstitucionalidade da norma que diz que os recursos extraordinários não têm efeitos suspensivos. E essa diligência já tem efeitos suspensivos" da perda de mandato, faz notar. Mas José Fontes não acredita que os juízes do Tribunal Constitucional, que já acusaram o autarca de recorrer a expedientes dilatórios para se manter em funções, vão nisso. Pensa que deixarão a perda de mandato efectivar-se antes de se pronunciarem sobre uma eventual alegação deste tipo.
O comunicado de Macário Correia deixa entrever que a via que escolheu não será, de resto, esta, "O processo regressa ao STA, onde já se solicitou a correcção de erros materiais do acórdão. Isto porque o mesmo assentou sobre sete situações, das quais se sabe agora que três não existem na realidade. Das outras, quatro soube-se que não foram, até ao momento, consideradas ilegais em ações administrativas especiais", diz o seu comunicado.
Na Justiça, porém, a sucessão de recursos merece críticas aos magistrados. No seu mais recente acórdão, datado de 7 de Março, os conselheiros do Constitucional consideram que o requerimento do autarca do PSD pedindo a "aclaração" da sentença que haviam proferido em Janeiro, e que já confirmava uma decisão sumária de Outubro de 2012, não é senão uma manobra destinada a adiar o inevitável: "Revela que apenas pretende obstar ao trânsito em julgado do acórdão". Já no acórdão de 6 de Fevereiro passado o mesmo tribunal dissera "só por mero lapso" ou por "uma leitura desatenta do respectivo conteúdo" da sentença Macário Correia pode ter alegado no seu recurso contradição entre a decisão proferida e os respectivos fundamentos
Piscinas na REN
O autarca foi condenado por aprovar, contra o parecer emitido pelos técnicos, a construção de duas piscinas, duas moradias e a reconstrução de duas casas antigas em zonas classificadas de Reserva Ecológica Nacional. "Eu também sou arquitecto e engenheiro e conheço o território". Assim justificara, no passado mês de Janeiro, os actos que violaram o Plano Director Municipal. A emissão dos alvarás, alegou o autarca, foi suportada pelas "razões ponderosas" - um poder discricionário que o Plano de Ordenamento (Prot/Algarve) conferia aos autarcas.
Por outro lado, os Projectos de Potencial Interesse Nacional aprovados pela administração central multiplicaram-se pelas falésias e outras zonas sensíveis. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, há cerca de seis anos, quando avaliou a entrada do novo Prot, concluiu que na faixa dos 500 metros junto ao mar já só estava por ocupar 1,3% da área disponível para construção. Assim, a um interior cada vez mais deserto, impôs-se um litoral de prédios encavalitados - e, actualmente, muitos deles abandonados.
Talvez com base nesta percepção dos desequilíbrios entre a serra e o litoral algarvio, do ponto de vista público as ilegalidades praticadas por Macário Correia ainda não mereceram reprovação. "Sou contra o abandono e a desertificação da serra algarvia. Esta é uma causa da qual não abdico", tem vindo a afirmar o presidente da Câmara de Faro, sublinhando que só "prendeu ajudar as pessoas".
O presidente da comissão política local do PS, Luís Graça, resume todo o caso numa palavra: "Isaltinices". Ao autarca, diz, "faltam condições para exerce o cargo. Não está a dignificar o poder local", sublinha. Graça considera que o "mais grave" na conduta do autarca é ele "ter desrespeitado os pareces técnicos, foi avisado e não quis saber de nada". Ao persistir no cargo, sublinha, "dá uma imagem pública de que há uma Justiça para os grandes, outra para os pequenos". Já no que toca aos actos praticados, admite, "situações de outros autarcas que falharam, mas tiveram a humildade de reconhecer o erro".
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