Crise no mercado do CO2 fecha empresas portuguesas do sector
Por Ricardo Garcia in Público
"Não há mercado de carbono em Portugal", é um dos lamentos que se houve num sector que, há uns anos, prometia muito, mas que com a crise está agora a sofrer
O colapso do mercado de carbono na Europa está a colocar as empresas portuguesas do sector em grandes dificuldades. Algumas já fecharam, outras sobrevivem apenas à custa de clientes no exterior, investimentos que prometiam lucros certos desvalorizaram-se a pique. E ninguém antevê uma solução fácil para o que parecia ser um bom negócio há uns anos, mas agora está nitidamente a sucumbir às circunstâncias.
São empresas que tinham um objectivo comercial com benefícios planetários: ajudar outras empresas a reduzirem as suas emissões de carbono, para minimizar o aquecimento global. Mas a crise roubou-lhes os clientes. Com a economia arrefecida, as indústrias estão a poluir menos e, por ora, não necessitam de ajuda. "Não há mercado de carbono em Portugal", afirma Júlia Seixas, co-fundadora da E.Value, consultora da área do carbono que entrou em processo de insolvência em meados de 2012.
Por trás da actual situação está a queda abissal no preço das licenças de emissão de dióxido de carbono (CO2), obrigatórias para grande parte da indústria europeia. O direito de lançar uma tonelada de CO2 para atmosfera, que chegou a custar quase 30 euros em 2008, foi transaccionado por menos de três euros em Janeiro passado. Na última semana, esteve em torno dos quatro euros.
"O mercado de carbono está praticamente morto e não há grandes condições de o reavivar", diz Gonçalo Cavalheiro, da Caos, empresa com forte aposta na área climática. Não é das mais afectadas pela crise, mas a situação está complicada para todos. Elaboração de estratégias climáticas, compra e venda de licenças e compensações de emissões constituíam um mercado promissor que agora está em baixo.
Em Dezembro, fechou a Ecotrade, um canal nacional para a compra e venda de licenças de emissão. A empresa estava ligada à Bluenext, a principal bolsa de créditos de emissões do mercado spot - onde as transacções são feitas na hora, em oposição aos mercados futuros. Mas, com a queda nos preços, a própria Bluenext fechou em Outubro de 2012, deixando a Ecotrade sem alternativa.
Para alguns, as mazelas do mercado do carbono não têm a ver com o sistema em si. "Vejo isto muito mais como um problema da crise económica do que algo específico da área das alterações climáticas", opina Catarina Vazão, da empresa Ecoprogresso.
Uma das pioneiras na área, a Ecoprogresso tem conseguido manter-se sobretudo à custa de contratos no exterior, como em Angola, Moçambique ou Brasil, dando formação técnica ou apoiando a elaboração de políticas. Cá dentro, porém, o mercado minguou.
A crise está também a afectar o principal fundo português privado para a área do carbono, o Luso Carbon Fund. Criado em 2006, por iniciativa do Banif e do grupo Fomentinvest, com a participação do grupo Espírito Santo, o fundo investe sobretudo na compra e venda de créditos de emissões obtidos através de projectos de redução de CO2 nos países em desenvolvimento - o chamado "mecanismo de desenvolvimento limpo".
O fundo começou com um capital de 31 milhões de euros e subiu para 80 milhões em 2008. Um dos investidores é o Governo, através do Fundo Português de Carbono, estatal. Mas desde 2009 tem vindo a desvalorizar-se, com uma quebra de 39% só nos últimos dois anos. Hoje, vale 44 milhões.
O Luso Carbon Fund é gerido pela empresa MCO2, que "não esteve obviamente imune" ao que se está a passar no mercado de carbono, segundo diz o seu director, Francisco Rosado. Mas a desvalorização do fundo, afirma Rosado, é menor do que a dos créditos de CO2 gerados pelo mecanismo de desenvolvimento limpo, cujo preço baixou 98%. Na semana passada, estava em apenas 0,20 euros por tonelada.
"Está a um preço ridículo. E, mesmo que não houvesse crise, estaria baixo, porque o limite de utilização foi restrito", avalia Catarina Vazão, da Ecoprogresso, referindo-se aos limites impostos por Bruxelas no uso de tais créditos.
Para Ricardo Moita, da Get2C - criada há pouco mais de um ano e que também vive quase que exclusivamente de clientes de fora do país -, as alterações na política climática europeia são um dos problemas. "O mercado de carbono é tudo menos previsível e transparente", queixa-se. "Obviamente que é preciso grandes mudanças estruturais."
Soluções só a prazo
A Comissão Europeia quer fazer mudanças. No imediato, propõe congelar durante os primeiros três anos da terceira fase do comércio europeu de emissões, que começa agora em 2013, a venda de licenças equivalentes a 900 milhões de toneladas de CO2, que sobraram da fase anterior (2008-2012), e que regressarão ao mercado depois.
A ideia não é consensual nem entre os Estados-membros, nem no Parlamento Europeu. Mas, mesmo que avance, não é suficiente. No final do ano passado, Bruxelas também propôs um conjunto de medidas para elevar o preço do carbono. Entre elas, está a redução definitiva do número de licenças disponíveis, a inclusão de mais sectores no comércio de emissões ou a intervenção directa na formação dos preços.
Outra das hipóteses é aumentar o compromisso europeu de redução de emissões de 20% para 30% até 2020. Mas uma iniciativa unilateral nesta altura tem poucas pernas para andar. Os combustíveis fósseis estão em força, com o avanço da exploração de gás de xisto nos EUA, em detrimento do carvão, que por isso está a inundar o mercado noutras partes do mundo.
Além disso, a UE dificilmente avançará antes que outras grandes economias assumam também compromissos. Na melhor das hipóteses, as negociações internacionais chegarão a algum resultado em 2015, para vigorar a partir de 2020. "Enquanto nas Nações Unidas não houver um acordo para a redução do CO2 a nível global, o mercado de carbono não vai funcionar", resume Júlia Seixas.
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