"Não" ao plano de ajuda europeu deixa Chipre à beira da falência
Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas in Público
Parlamento rejeita plano de resgate. Nenhum dos 55 deputados votou a favor da proposta.
O Parlamento de Chipre rejeitou na terça-feira a proposta de criação de um imposto sobre os depósitos bancários associado ao programa de ajuda financeira da zona euro e do FMI, colocando o país à beira da falência e mesmo em risco de sair da moeda única.
Nenhum dos 55 deputados presentes (do total de 56) votou a favor da proposta, incluindo os 19 eleitos do partido conservador do Presidente, Nicos Anastasiades, que se abstiveram, enquanto todos os outros votaram contra.
A votação, que foi aclamada por milhares de manifestantes encolerizados frente ao Parlamento, traduz a revolta do país face aos termos de um programa de ajuda de 10.000 milhões de euros decidido pela zona euro e pelo FMI no sábado. A condição imposta para a concretização destes empréstimos era precisamente a participação dos detentores de contas privadas de modo a gerar uma receita de 5800 milhões de euros através de uma "taxa de solidariedade" sobre os seus depósitos para salvar os bancos da falência.
Anastasiades reconheceu logo de manhã que a proposta, "considerada injusta", não passaria no Parlamento, o que se confirmou à noite. "Não esperávamos uma exigência destas dos nossos parceiros", lamentou.
O Presidente cipriota afirmara no entanto logo na altura que tem alternativas para resolver o impasse em que a rejeição do Parlamento deixa o país face à zona euro e ao FMI. Anastasiades previu reunir-se esta manhã com os líderes parlamentares para debater possíveis saídas da crise.
"Hoje estamos com uma perna pendurada sobre o precipício. A cólera e amargura que todos nós justificadamente sentimos contra os nossos parceiros europeus não deverá guiar as nossas decisões", afirmou o número dois do partido do Presidente, Averof Neophytou, citado pelas agências noticiosas, acrescentando: "Não nos empurrem para fora do euro, não é a nossa intenção, não é a nossa vontade e não é a nossa opção."
Sem a ajuda europeia e do FMI, o país arrisca ficar muito brevemente sem fundos para se financiar e para salvar os bancos em risco de falência em grande parte por causa das perdas importantes sofridas com a reestruturação da dívida pública grega imposta pela zona euro em 2012.
Numa reacção à decisão do Parlamento, o Banco Central Europeu (BCE) emitiu um comunicado precisando que continuará a fornecer liquidez aos bancos cipriotas "no quadro das regras existentes".
Estas regras não permitem no entanto ao BCE financiar bancos em risco de falência. Foi aliás a ameaça do BCE de fechar a torneira da liquidez aos bancos cipriotas que forçaram Anastasiades a aceitar, no sábado, a ideia de instituir uma taxa sobre os depósitos bancários.
Ninguém sabe como é que Nicósia poderá resolver o problema, mas não está excluído que a solução passe pela Rússia, cujo Governo se insurgiu nos dois últimos dias contra a "taxa de solidariedade" que afectaria milhares dos seus cidadãos com contas bancárias em Chipre devido às condições vantajosas oferecidas.
Michalis Sarris, ministro das Finanças cipriota, partiu no mesmo dia à noite para Moscovo para se encontrar nesta quarta-feira com vários responsáveis russos. Uma das soluções para o impasse poderá ser Moscovo conceder um novo empréstimo a Nicósia (complementar dos 2500 milhões já negociados) para cobrir a parte do programa de ajuda europeu que deveria ser fornecida pela taxa sobre os depósitos. Segundo a imprensa cipriota, esta eventualidade poderá ser concretizada pelos russos em troca da obtenção de licenças para a exploração do gás natural recentemente descoberto ao largo de Chipre.
A proposta que Anastasiades colocou à votação no Parlamento era ligeiramente diferente daquela que fora aprovada na madrugada de sábado pelos ministros das Finanças da zona euro, que previa uma taxa de 6,75% sobre os depósitos até 100.000 euros e de 9,9% sobre os montantes superiores.
Durante uma nova reunião realizada por videoconferência na segunda-feira à noite, o Eurogrupo emitiu uma declaração pedindo a Nicósia para rever a proposta e isentar todos os depósitos inferiores a 100.000 euros de modo a respeitar a protecção jurídica oferecida por uma decisão europeia de 2008.
O facto de o programa cipriota pôr em causa a protecção destes depósitos criou um sério risco de gerar uma fuga de capitais dos outros países mais frágeis do euro ou com sectores bancários mais periclitantes.
Esperando sossegar os outros países, Jeoren Dijsselbloem, ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, disse terça-feira no Parlamento de Haia que "está absolutamente fora de questão" estender a medida a outros países com necessidade de ajuda da zona euro. "Não há necessidade de impor nos outros países uma taxa extraordinária" sobre os depósitos, afirmou.
"Morte lenta" da UE
Para a Comissão Europeia, igualmente, a declaração do Eurogrupo "reafirma a validade [da] legislação europeia" relativa "ao sistema de garantia de depósitos".
Apesar do apelo do Eurogrupo, Anastasiades, que no sábado exigira tributar igualmente os depósitos inferiores a 100.000 euros para não ter de carregar excessivamente sobre os montantes superiores de modo a evitar afugentar os depositantes estrangeiros de grandes somas, optou por propor ao Parlamento apenas a isenção dos muito pequenos depositantes até aos 20.000 euros. Sem sucesso.
Athanasios Orphanides, ex-governador do banco central de Chipre e professor na universidade americana de Georgetown, desferiu duras críticas contra a forma como a zona euro se está a portar com os países mais frágeis. "Estamos a assistir à morte lenta do projecto europeu" porque "alguns governos estão a dizer aos cidadãos de outros Estados-membros que não são iguais perante a lei", afirmou em entrevista à Bloomberg TV. Segundo Orphanides, os governos mais fortes da Europa têm estado a espalhar a miséria sobre os cidadãos da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália". No caso de Chipre, os mesmos países estão a "fazer chantagem" sobre o país "para confiscar o dinheiro que pertence de pleno direito aos depositantes", quando as dificuldades dos bancos foram provocadas pela reestruturação da dívida grega, acusou.
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