Um Presidente na reforma
Por Vasco Pulido Valente in Público
Finalmente, o Presidente da República abriu a sua preciosa boca e disse três coisas. Primeira, que a economia portuguesa está de facto numa "espiral recessiva", como os números provam sem qualquer equívoco. Segunda, que "as vozes que se fizeram ouvir [na última manifestação] não podem deixar de ser escutadas". Terceira, que o país precisa de uma política de crescimento ou, pelo menos, de uma considerável atenuação da austeridade. Os peritos discutem ainda a intenção destas declarações solenes. Foram ou não foram dirigidas contra Passos Coelho? Foram ou não foram uma ínvia maneira de ajudar Passos Coelho a conseguir mais moderação da troika? Numa ou noutra hipótese, serviram, sem dúvida nenhuma, para o dr. Cavaco lavar as suas mãos, muito bem lavadas, dos sarilhos da gente a que tão serenamente preside.
Que a economia portuguesa está numa "espiral recessiva" já ninguém discute, mas Cavaco não disse uma palavra sobre o que ele pessoalmente recomenda para a travar ou atenuar. Que as "vozes" da manifestação se devem ouvir ou que o Governo e os políticos as devem ouvir: é um conselho frívolo se, ao mesmo tempo, não se explicar o que elas significam. E que chegou a altura de investir e crescer não passa de um truísmo diariamente repetido na televisão e nos jornais. Aliviado desta "retórica entre-portas", que lhe permite nunca sair da ambiguidade e da confusão (e que, de resto, ele inventou), o Presidente seguiu, calado, para sua excitante vida de inaugurar e conviver com um "povo" cada dia mais perplexo com os costumes políticos, que hoje se tornaram habituais na pátria.
Felizmente que o dr. Cavaco vai publicar um prefácio ao seu novo livro, Roteiros VII, com o título aliciante de Como deve actuar o Presidente da República em tempos de grave crise económica e financeira, um tratado obrigatório para o sr. Hollande, e para dúzia e meia de chefes de Governo. Os grandes princípios dessa obra teórica são fáceis de presumir: falar pouco ou nada ou, em caso de aflição, falar "entre-portas". Evitar o "protagonismo mediático", que acaba fatalmente por diminuir a "influência" do Presidente. E só conversar com Passos Coelho e o seus congéneres (se é que ele os tem) em estrita confidencialidade. Estes preceitos levarão, tarde ou cedo, a que Portugal se esqueça de Cavaco e a que ele cumpra sossegadamente o seu mandato, sem maçadas de maior. Se pensarmos bem, ele é um reformado.
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