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O Pargo, o Matateu, a Pititi, a Roadshow, a Alforreca e o
Jaguar: os nomes de código dos que receberam dos sacos azuis do GES (afinal
eram quatro)
Ricardo Salgado já foi constituído arguido no caso EDP
15.07.2020 às
07h00
SÍLVIA CANECO
Nas folhas de
Excel com os pagamentos feitos a vários funcionários do Grupo Espírito Santo,
através da Enterprises e de outras três sociedades ocultas, foram descobertos
vários nomes de código e pseudónimos. Isabel Vaz, CEO do grupo Luz Saúde,
aparece na lista como "Pititi". Filho de Salgado era o
"Labutes", diretor do BES na Madeira era o "Hanham"
Ricardo Salgado
terá usado quatro empresas para pagar prémios e contrapartidas a uma série de
funcionários e colaboradores do Grupo Espírito Santo, de forma oculta, para que
esses rendimentos não fossem detetados em Portugal. A prática, diz o Ministério
Público no despacho de acusação do caso BES/GES a que a VISÃO teve acesso, terá
permitido “desviar centenas de milhões de euros”, primeiro para a Espírito
Santo Enterprises, depois para a Alpha Management (a partir de 2013), e os
funcionários do Banco Espírito Santo (BES) que estavam a par destes pagamentos
terão usado “linhas de comunicação privadas, via private net, com o propósito
de manterem oculta a prática criminosa, reiteradamente desenvolvida ao longo de
anos”.
Nem a Enterprises
nem a Alpha Management constavam dos organogramas do GES nem dos relatórios
apresentados a auditores e a entidades de supervisão. O mesmo acontecia com a
Clauster Limited, criada no Belize, e que serviu para pagar a funcionários do
GES mais de 4,5 milhões de euros, e com a Balenbrook Investments, criada nas Ilhas
Virgens Britânicas e que serviu para remunerar 15 funcionários do BES, entre
eles Ricardo Salgado. Os pagamentos feitos entre 2005 e 2014, a pedido de
Salgado ou do seu primo José Manuel Espírito Santo, foram agrupados por
geografias e ramo de negócio, tendo servido para compensar terceiros,
“consultores externos” e funcionários do GES (do BES, do Banque Privée, da
ESFIL, da ES Services, da Gestar, da área dos seguros e também da saúde).
Segundo o Ministério Público, estes seriam remunerados “de acordo com o grau de
importância da sua participação nos atos criminosos” que Salgado definira e
ordenara.
Nas folhas de
Excel com os pagamentos, os sete procuradores do Departamento Central de
Investigação e Ação Penal (DCIAP) responsáveis pela investigação descobriram
que muitos dos beneficiários estavam identificados com pseudónimos e nomes em
código. Era o que acontecia, por exemplo, com os dirigentes da Espírito Santo
Saúde, que terão recebido bónus e pagamentos mensais através da Enterprises,
pelo menos em 2011: Isabel Vaz, presidente da comissão executiva do grupo Luz
Saúde, era identificada pelo pseudónimo Pititi; Tomás Fonseca pelo pseudónimo
Matateu; João Novais por Castilho e Ivo Antão por Imahala Panzi.
João Alexandre
Silva, diretor-geral da sucursal do BES na Madeira, e do Departamento de Banca
Internacional do BES, usava contas com os nomes de Pargo, Caramujo e Hanham.
Recebeu por esta via 1,1 milhões de euros da Enterprises, 477.500 euros da
Alpha e 210 mil euros da Balenbrook. Paulo Jorge, seu adjunto, tinha uma conta
na Suíça em nome de Doismiledez e foi aí que recebeu 971 mil euros via
Enterprises e 379.900€ via Alpha, entre 2010 e 2014.
João Freixa,
antigo administrador do BES, era o Jaguar. Ricardo Bastos Salgado, filho do
antigo presidente do Banco Espírito Santo, era o Labutes. O primeiro recebeu
mais de meio milhão de euros em prestações mensais, entre 2008 e 2013. O
segundo recebeu mais de 500 mil euros euros, através de transferências mensais
feitas entre 2008 e 2014.
Teresa Amorim,
antiga secretária de Ricardo Salgado, era o Baixinho (recebeu perto de 371 mil
euros), Elsa Ramalho, que tratava das relações com os investidores, era o
Roadshow (recebeu 294 mil euros da Enterprises). Pedro Cohen Serra, do
departamento financeiro do BES, era o Medufushi (recebeu perto de 300 mil
euros), Paulo Ferreira era identificado como Rabina (115 mil euros), Guilherme
Moraes Sarmento, que trabalhava na direção de desenvolvimento internacional,
tinha uma conta em nome de Centurion (81 mil euros) e Pedro Cruchinho, que
viria a ser nomeado presidente da Comissão Executiva do Banco Económico em
Angola (que derivou do BESA), tinha outra conta em nome de Alforreca (através
da qual recebeu 100 mil euros).
José Macedo
Pereira, que foi revisor oficial de contas de empresas do BES, era identificado
como Poirier (47.500€) e Pedro Amaral como Detox (40.500€). Já Rui Guerra, que
substituiu Álvaro Sobrinho na presidência do BESA, recebeu 40 mil euros e
estava identificado como Tomix. José Pedro Caldeira da Silva, que foi
diretor-executivo do banco, era o Kombucha.
25 arguidos vão a
julgamento
Estes são alguns
detalhes descobertos pelos procuradores José Ranito, Olga Barata, Antero
Taveira, Filipe Marta Costa, Rita Madeira, Ana Catalão e Ana Cristina Pereira
ao longo de seis anos de investigação ao colapso do BES e do GES. No despacho
final de encerramento de inquérito deste que é apenas o primeiro processo-crime
do Universo Espírito Santo – foram extraídas nove certidões para que as
investigações prossigam em novos inquéritos -, Ricardo Salgado é o recordista
de acusações: o Ministério Público quer que vá a julgamento por 65 crimes. São
estes um crime de associação criminosa, doze crimes de corrupção ativa no setor
privado, 29 crimes de burla qualificada, cinco de infidelidade, dois de
manipulação de mercado, sete de branqueamento, oito de falsificação de
documento e um de crime de falsificação de documento qualificado.
Ao todo, o
Ministério Público acusou 25 arguidos: 18 pessoas e sete empresas. Alega que as
suas condutas causaram um prejuízo superior a 11800 milhões de euros. Além de
Salgado, o DCIAP quer levar a julgamento os primos Manuel Fernando Espírito
Santo e José Manuel Espírito Santo, administradores, diretores e funcionários
ligados ao Departamento Financeiro de Mercados e Estudos (DFME), o antigo
administrador financeiro Amílcar Morais Pires, dois diretores da sociedade
suíça Eurofin, dois funcionários do BES Madeira, e Francisco Machado da Cruz, o
famoso comissaire aux comptes que responsabilizou Salgado por um passivo oculto
de 1300 milhões de euros nas contas da ESI.
Num longo
comunicado, a defesa de Ricardo Salgado alega que antes da acusação o ex-presidente
do BES “foi confrontado com infindáveis juízos de valor vagos e genéricos, em
vez de ter sido confrontado com factos concretos, tal como a lei obriga” e que
isso impediu que Salgado prestasse declarações “sobre interminável matéria
nova” nas vésperas da acusação. O antigo líder do Banco Espírito Santo rejeita
ter praticado qualquer crime, diz que a acusação “falsifica” a história do BES
e que enquanto esteve à frente do banco não houve lesados. Ricardo Salgado
alega ainda que “sempre colocou os interesses do BES acima de quaisquer outros,
sempre agiu de boa-fé e na convição de que as opções tomadas serviram o melhor
interesse do banco, dos seus clientes, colaboradores e acionistas” e remata:
“Por muito que alguns queiram, a história de vida de uma pessoa não se apaga
com a facilidade com que se muda uma marca.”
A demora na acusação do GES torna urgente a Estratégia de
Combate à Corrupção
Há um problema em relação à demora da Justiça em Portugal
que ninguém nega, mas que parece que nenhum responsável político está mesmo
empenhado em resolver.
SÃO JOSÉ ALMEIDA
18 de Julho de
2020, 7:10
A acusação do
Ministério Público contra Ricardo Salgado e mais 24 arguidos mostra um quadro
de horror sobre como as elites políticas e económicas ficaram reféns de uma
pessoa sem escrúpulos, que tudo usou e manipulou para criar uma rede de
influência que o transformou no verdadeiro merecedor da alcunha com que ficará
para a história, a de “Dono Disto Tudo”. Um DDT verdadeiramente tóxico.
Empresas que
nasceram para funcionar como sacos azuis, recurso a offshores, pagamentos à
família, a empresários e a políticos, criando uma rede de influência com meios
ilícitos, promíscuos e corruptos, que serviu a Ricardo Salgado para, a partir
de 2008, encapotar a situação de falência do Grupo Espírito Santo e do Banco
Espírito Santo, até que, em 2014, o fim do grupo chegou com estrondo e
gravíssimas consequências financeiras, económicas e sociais para o país, devido
à recusa do então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, em manter a aura de
favorecimento e protecção a Ricardo Salgado.
As consequências
danosas deste caso são muito mais vastas do que apenas a perda de bens
financeiros por parte dos lesados do BES – o que, por si só, já é uma situação
dramática. Ultrapassam também o preço que os contribuintes portugueses ainda
hoje pagam para viabilizar uma solução entendida em 2014 como a forma de evitar
que a queda do GES/BES provocasse danos irreversíveis no sistema bancário. Um
preço que, em 2019, já tinha custado quase cinco mil milhões ao Estado e, em
termos globais, incluindo os pequenos accionistas, deverá orçar em 16 mil
milhões de euros, segundo Pedro Santos Guerreiro revelou, há um mês, na TVI.
Ainda em plena crise pandémica, a polémica voltou a estalar por causa do
GES/BES, devido ao facto de o ex-ministro de Estado e das Finanças Mário
Centeno ter accionado o empréstimo previsto para 2020, mais 850 milhões de
euros, ao Fundo de Resolução, depois de o primeiro-ministro, António Costa, ter
garantido no Parlamento que não haveria mais injecções de verbas no Novo Banco
por parte do Estado enquanto não estivesse terminada a auditoria àquela instituição
bancária.
Ao fim de seis
anos de investigações, como noticiou o PÚBLICO, o Ministério Público acusa
Ricardo Salgado de dirigir uma organização criminosa, de ser responsável pelo
perda de 11.800 milhões de euros e de ter liderado uma série de operações que,
alegadamente, se concretizam em 65 crimes: um de associação criminosa, 30 de
burla qualificada; 12 de corrupção activa; nove de falsificação de documento;
dois de manipulação de mercado; quatro de infidelidade; e sete de
branqueamento.
O facto de o
Ministério Público ter conseguido produzir uma acusação não resolve uma questão
de fundo: o tempo que o caso levou a ser investigado e os anos que ainda vai
demorar até que haja absolvições ou sentenças transitadas em julgado. É certo
que num Estado de direito democrático há normas, procedimentos e direitos que a
investigação criminal tem de respeitar. Mas há um problema em relação à demora
da Justiça em Portugal que ninguém nega, mas que parece que nenhum responsável
político está mesmo empenhado em resolver.
Desde Março,
Portugal está atingido por uma pandemia de covid-19, mas impõe-se perguntar
sobre o que é feito das propostas da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem,
para a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, anunciadas em início de
Dezembro e então noticiadas pelo PÚBLICO. Como então foi divulgado, o grupo de
trabalho constituído para o efeito deveria ter apresentado, até Abril, um
relatório propondo uma estratégia plurianual para a legislatura e propostas
concretas de alterações legislativas. O grupo de trabalho recebeu mesmo, da
parte do Ministério da Justiça, uma série de sugestões sobre mudanças nos
procedimentos da Justiça que, se já vigorassem, diminuiriam em muito os
lentíssimos ritmos da Justiça em Portugal, bem como melhorariam em muito as
investigações criminais.
Entre essas
ideias estava a adopção da colaboração premiada, eliminado o prazo de 30 dias,
hoje existente na lei, entre o crime e a denúncia por parte do agente de
corrupção passiva ou activa, e introduzindo a possibilidade de diminuição de
pena como contrapartida para a colaboração com a Justiça. Outra proposta
consistia no esclarecimento da legislação actual para que fosse facilitado a
separação dos megaprocessos em vários processos. Também foi avançada a figura
dos acordos de sentenças, nos quais o acusado entrega ao Estado o lucro do
crime e recebe uma redução de pena. Assim como a criação de juízos
especializados em crimes de corrupção e a ideia de que os magistrados que
investigam os casos passem a acompanhar os julgamentos.
É certo que no
caso BES/GES estas mudanças não terão efeito, pelo menos para a longuíssima
investigação já terminada. Mas a acusação agora produzida contra Ricardo
Salgado e mais 24 arguidos vem alertar para a necessidade de os mecanismos
judiciários e judiciais em Portugal serem mais céleres, a bem da confiança das
pessoas no Estado e na Justiça.
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