segunda-feira, 20 de julho de 2020

Estender a mão, sim, mas com imensa dignidade, por JOÃO MIGUEL TAVARES / Pousar a mala, e levantar a cabeça, por ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO



IMAGENS DE OVOODOCORVO


IMAGEM DE OVOODOCORVO
OPINIÃO
Estender a mão, sim, mas com imensa dignidade

Nós estamos como Gene Kelly. Atrás de nós, e abaixo de nós, temos um regime decadente e um sistema insustentável que vai ao charco a cada sopro. Mas, depois da pedinchice, celebramos com altivez.

JOÃO MIGUEL TAVARES
20 de Julho de 2020, 23:54

Nesta nossa terra somos muitíssimo sensíveis a todos os gestos que possam sugerir o mais leve vestígio de “humilhação nacional”. É um tique frequente de quem é pequenino, sobretudo em palcos internacionais: sobrecompensamos os sentimentos de inferioridade com um excesso de susceptibilidade. Também acontece com os caniches. Em 2012, numa reunião do Eurogrupo, Vítor Gaspar baixou a cabeça para falar com o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble (que estava sentado numa cadeira de rodas) e durante meses não se falou de outra coisa – humilhação!, vergonha!, o governo português dobrado aos alemães! Agora, num encontro com o primeiro-ministro holandês Mark Rutte, em Haia, António Costa fez uma vénia mais pronunciada, e lá veio outra vez o coro – humilhação!, vergonha!, o governo português dobrado aos holandeses!

Aquilo que boa parte do povo português parece ter dificuldade em perceber, porque os resultados eleitorais são o que são, é que só somos pequeninos porque há 500 anos que não trabalhamos para ser grandes. Não é propriamente uma inevitabilidade. Países que ainda há algumas décadas eram tão ou mais pobres do que nós, hoje encontram-se no top mundial. Infelizmente, entre o nosso défice de educação, a vocação predatória das nossas elites, a fragilidade das nossas instituições e a mentalidade salazarista do “pobrete mas alegrete”, vamos arrastando a nossa desencantada mediania pela cauda da Europa.

Como bem intuiu Hergé, seremos sempre os Oliveira da Figueira da União Europeia. Os vendedores de objectos exóticos, os organizadores de grandes eventos e os distribuidores de brindes inúteis. Na cabeça dos nossos políticos, não damos para muito mais. António Costa foi à reunião de Bruxelas oferecer máscaras portuguesas a líderes europeus (em elegante estojo personalizado) e mostrar os seus sapatinhos de cortiça 100% nacional. Porque é que Macron não tem necessidade de usar sapatos curiosos e Merkel dispensa a distribuição de máscaras catitas? Porque as indústrias francesa e alemã não precisam de operações de marketing de pechisbeque. Vendem-nos carros, máquinas, electrodomésticos, medicamentos.

Olhem para o que tem sido o último quarto de século. Portugal é invariavelmente um país estagnado em tempos normais; com crescimento anémico em tempos de vacas gordas; e à beira da bancarrota mal surge uma crise. É assim que queremos continuar, de mão eternamente estendida? Tudo indica que sim. Mas ai de quem se atreva a humilhar a nação valente e imortal, que se lançou ao mar há 600 anos e ainda hoje não se cala com isso, talvez por não ter muito mais para celebrar.

No filme Serenata à Chuva há uma cena maravilhosa em que Gene Kelly conta aos repórteres a história da sua juventude. À medida que vemos as imagens do passado, com Kelly a ser humilhado em espectáculos escabrosos nos mais imundos pardieiros, ele garante aos jornalistas que tem um lema na vida que nunca abandonou: “dignidade, sempre dignidade”. Nós estamos como Gene Kelly. Atrás de nós, e abaixo de nós, temos um regime decadente e um sistema insustentável que vai ao charco a cada sopro; para nos salvarmos do pântano passamos a vida a reclamar dinheiro aos amigos ricos; mas, depois da pedinchice, celebramos com altivez. Ou então mostramos um daqueles gráficos que valem “mil horas de negociação”, como escreveu Elisa Ferreira, confundindo uma devastadora falta de produtividade com um extraordinário empenho.

Dignidade, sempre dignidade.



OPINIÃO

Pousar a mala, e levantar a cabeça

Quando irá Portugal, finalmente, pousar a mala e levantar a cabeça?

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
12 de Janeiro de 2014, 1:50

Infinito e promissor horizonte Atlântico. Proibitivo e intransponível muro Castelhano. Estes foram os factores que determinaram a expansão Portuguesa. Mas, também, o seu eterno escapismo quimérico, na procura do Devir / Identitário. Sempre baseada no acto de Partir, isto, de forma indissociável, tragicamente e dialecticamente a uma eterna fidelidade à ideia metafísica da Pátria mítica, mas inatingível.

Enquanto o mundo Protestante transforma o seu cepticismo perante a imperfeição do Mundo, precisamente numa capacidade de intervir nessa mesma realidade e transformá-la, tal como Max Weber demonstra na sua associação entre Protestantismo e a formação do Capitalismo pré Neo-Liberal...  os misteriosos Lusitanos, saltitam de escapismo em escapismo.

Agora o “Império”. Depois, o deslumbramento das promessas de abundância do clube prestigiante do desenvolvimento Europeu, como se tratasse de fenómeno mágico e instantâneo, sem inclusão de preço e responsabilidade.

Progresso? Sim houve-o. E uma das mais importantes manifestações desse mesmo Progresso constituiu o acesso ao ensino e a formação de milhares de jovens. Os tais que iriam determinar o Portugal pós Abril. Que iriam garantir e confirmar o fim desta dialéctica de Êxodo, finalmente, o interromper deste ciclo de Diásporas.

Que iriam constituir a primeira geração que iria ficar e finalmente investir neste misterioso rectângulo plantado à beira-mar atlântica.

Portugal iria finalmente ser cumprido, de forma Adulta, com a capacidade de aceitar as suas fronteiras físicas, geográficas e reais, assumindo finalmente, sem escapismos, as suas verdadeiras capacidades e transformando assim a realidade, quebrando o feitiço, destruindo esta maldição.

As centenas de milhares que partem de novo, com o sabor amargo da decepção e mágoa, para o exílio, restabelecendo o ciclo da Diáspora, ilustram um grave fenómeno com consequências não apenas demográficas e económicas para o futuro do País.

Precisamente na área da vivência/ocupação/ futuro das cidades e respectivo Património, as consequências serão terríveis.

Pois não seria esta geração que iria, através da sua criatividade cultural/empreendedorismo e actividade profissional, exigir o seu espaço, ocupar finalmente os centro históricos e habitá-los?

Em vez disso, assistimos à transformação das duas principais cidades do País, numa plataforma de eventos, num palco de investimento exclusivo na sua ocupação temporária através de hotéis, hostels e oferta de casas na hotelaria paralela.

Tudo dirigido ao novo “Bezerro de Ouro” que se chama Turismo, fenómeno importante com indiscutível potencial de reconhecimento e prestígio, com vasta dimensão económica, mas que sem gestão equilibrada, transforma as cidades em produto efémero e temporário.

Tudo isto é interpretado de forma relativizadora como fenómeno temporário, associado a uma crise, que se assume descaradamente e oficialmente de forma derrotista com declarações oficiais com apelos explícitos à emigração dos jovens, capazes e formados, como se isso não constituísse uma sangria irreversível e uma ilustração traumatizante de um falhanço da promessa que Abril, iria finalmente interromper este ciclo de eternas Diásporas.

Investe-se na tentativa de aliciar capital Internacional, nomeadamente na área do Imobiliário e Reabilitação Urbana, com promessas “douradas”, mas quem irá garantir o rigor das intervenções no Património Arquitectónico e respectivos interiores, quando estes projectos se destinam à ocupação temporária, à curta estadia e à vivência efémera da cidade vista exclusivamente como produto?

Onde estão as famílias locais a apropriar-se da cidade? A ocupá-la e a habitá-la permanentemente?

Quando irá Portugal, finalmente, pousar a mala e levantar a cabeça?

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