sábado, 8 de agosto de 2020

O PSD a levar o Chega ao colo / “Idiotas úteis”, “Cultura marxista”, “Fascistas”, “Chega”, “Flama”

 IMAGEM DE OVOODOCORVO

EDITORIAL

O PSD a levar o Chega ao colo

 

Se Rui Rio foi apanhado por uma pergunta pertinente e cometeu o erro de abrir portas à normalização do Chega, Miguel Albuquerque produziu um discurso reflectido de poder que legitima o populismo radical da direita no arco da governação.

 

MANUEL CARVALHO

9 de Agosto de 2020, 5:30

https://www.publico.pt/2020/08/09/politica/editorial/psd-levar-chega-colo-1927520

 

É oficial: o PSD, ou pelo menos uma parte dele, está pronto para destruir os seus pergaminhos democráticos e liberais. Ao dizer que o partido estava aberto a conversações com o Chega se o partido de André Ventura adoptar uma “posição mais moderada”, Rui Rio admitiu renunciá-los. E ao comparar o discurso de um partido que admite a castração química, exclui a emigração ou estimula os discursos populistas, demagógicos e excludentes contra as minorias com o CDS do pós-25 de Abril, o chefe do partido na Madeira assumiu a renúncia por inteiro. Para Miguel Albuquerque, um PSD preso aos seus valores de origem está condenado a fazer o papel de “idiota útil” da esquerda. Para Miguel Albuquerque, o PSD deve vender a pele ao diabo para liderar um saco de gatos onde entram democratas e xenófobos, liberais e populistas, europeístas e nacionalistas. Desde que lhe garanta o poder, claro.

 

Se Rui Rio foi apanhado por uma pergunta pertinente e cometeu o erro de abrir portas à normalização do Chega, Miguel Albuquerque produziu um discurso reflectido de poder que legitima o populismo radical da direita no arco da governação. Rio estendeu o tapete da respeitabilidade a André Ventura e ajudou-o a ganhar músculo no eleitorado conservador e democrático. Ao comparar o Chega com o CDS depois de 1975, Albuquerque tenta criar a ideia de que o discurso odiento de Ventura não é real, mas apenas uma invenção da esquerda destinada a dividir a direita. O PSD terá desistido de acreditar que no futuro próximo não haverá alternativa ao PS sem a mãozinha de Ventura?

 

Tudo isto se torna mais preocupante porque há linhas de pensamento na actual liderança do PSD que não escondem uma clara simpatia por uma democracia musculada que se aproxima do que a família política do Chega faz na Hungria ou na Polónia — por exemplo a contestação às magistraturas, ao jornalismo independente ou à desconfiança no parlamentarismo. É por isso que quando analistas como João Miguel Tavares vislumbraram um futuro com o PSD e o Chega de mãos dadas poucos se espantaram. No momento em que o país precisa de um bloco de poder alternativo sólido e credível, o PSD parece querer desistir de si próprio, transforma-se numa entidade calculista e desalmada e confronta-nos com a possibilidade de se aliar a uma excrescência da democracia.

 

Era bom que Rui Rio e o PSD nos sossegassem sobre este receio. Até para o seu próprio bem: um PSD que admite usar o Chega como muleta vai desbaratar o essencial do parco capital eleitoral que ainda lhe resta.


OPINIÃO

“Idiotas úteis”, “Cultura marxista”, “Fascistas”, “Chega”, “Flama”

 

Miguel Albuquerque teria algumas vantagens em distinguir as verdadeiras matrizes ideológicas dos partidos portugueses para evitar o risco de confusões perigosas.

 

VICENTE JORGE SILVA

9 de Agosto de 2020, 6:10

https://www.publico.pt/2020/08/09/opiniao/opiniao/idiotas-uteis-cultura-marxista-fascistas-chega-flama-1927524

 

O presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, afirmou ontem ao PÚBLICO, em defesa de uma aliança do PSD com o Chega, que “Sá Carneiro fez a AD, quando se dizia que o CDS era fascista”. Albuquerque confessa-se “farto dos idiotas úteis do centro-direita que estão sempre a fazer o jogo da esquerda. Em Portugal temos um estigma, um anátema que foi criado pela própria cultura marxista instalada.” Ora, um dos problemas de Albuquerque é, por exemplo, o de enganar-se na caracterização do adversário e pretender que o Bloco de Esquerda defende o regime cubano como se fosse o paraíso. A cultura marxista instalada não pressupõe essas generalizações caricaturais, até porque o radicalismo bloquista entra muitas vezes em choque com os regimes autoritários de esquerda.

 

Mas o problema principal reside na percepção da diferença de origem histórica entre o CDS – um partido burguês de extracção neo-salazarista – e o Chega, um novel partido populista com tendência xenófoba que, na Madeira, descende do velho separatismo da Flama. Albuquerque teria algumas vantagens em distinguir as verdadeiras matrizes ideológicas dos partidos portugueses para evitar o risco de confusões perigosas.

 

Mas há outra confusão em que Albuquerque se deixou envolver logo no início da pandemia com o propósito de evitar ondas de contágio entre madeirenses e visitantes da região. Simplesmente, o tom verbal utilizado acabou por revelar uma hostilidade porventura involuntária em relação aos visitantes, como se estes fossem culpados da arriscada ousadia de visitar a Madeira e o Porto Santo.

 

Entretanto, o Tribunal Constitucional (TC) vetou como “inconstitucionais” as quarentenas impostas aos visitantes dos Açores. Mas enquanto o Governo socialista açoriano optou por uma reacção relativamente branda – exigindo ao TC uma clarificação legislativa –, o seu homónimo madeirense entrou em confronto directo com a instância judicial superior em termos invulgarmente agressivos – e num estilo que fazia lembrar claramente Alberto João Jardim.

 

A separação física entre as ilhas e o continente presta-se muitas vezes à exacerbação do isolamento quando deveríamos fazer antes todos os esforços para vencer as distâncias. A denúncia do centralismo pode ser um objectivo justo, mas pode também ser um propósito demagógico para justificar a tentação separatista dos poderes locais – reduzidos cada vez mais às suas proporções anedóticas e cercados de mundo por todos os lados.


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