EDITORIAL
O PSD a levar o Chega ao colo
Se Rui Rio foi apanhado por uma pergunta pertinente e
cometeu o erro de abrir portas à normalização do Chega, Miguel Albuquerque
produziu um discurso reflectido de poder que legitima o populismo radical da
direita no arco da governação.
MANUEL CARVALHO
9 de Agosto de
2020, 5:30
https://www.publico.pt/2020/08/09/politica/editorial/psd-levar-chega-colo-1927520
É oficial: o PSD,
ou pelo menos uma parte dele, está pronto para destruir os seus pergaminhos
democráticos e liberais. Ao dizer que o partido estava aberto a conversações
com o Chega se o partido de André Ventura adoptar uma “posição mais moderada”,
Rui Rio admitiu renunciá-los. E ao comparar o discurso de um partido que admite
a castração química, exclui a emigração ou estimula os discursos populistas,
demagógicos e excludentes contra as minorias com o CDS do pós-25 de Abril, o
chefe do partido na Madeira assumiu a renúncia por inteiro. Para Miguel
Albuquerque, um PSD preso aos seus valores de origem está condenado a fazer o
papel de “idiota útil” da esquerda. Para Miguel Albuquerque, o PSD deve vender
a pele ao diabo para liderar um saco de gatos onde entram democratas e
xenófobos, liberais e populistas, europeístas e nacionalistas. Desde que lhe
garanta o poder, claro.
Se Rui Rio foi
apanhado por uma pergunta pertinente e cometeu o erro de abrir portas à
normalização do Chega, Miguel Albuquerque produziu um discurso reflectido de
poder que legitima o populismo radical da direita no arco da governação. Rio
estendeu o tapete da respeitabilidade a André Ventura e ajudou-o a ganhar
músculo no eleitorado conservador e democrático. Ao comparar o Chega com o CDS
depois de 1975, Albuquerque tenta criar a ideia de que o discurso odiento de
Ventura não é real, mas apenas uma invenção da esquerda destinada a dividir a
direita. O PSD terá desistido de acreditar que no futuro próximo não haverá
alternativa ao PS sem a mãozinha de Ventura?
Tudo isto se
torna mais preocupante porque há linhas de pensamento na actual liderança do
PSD que não escondem uma clara simpatia por uma democracia musculada que se
aproxima do que a família política do Chega faz na Hungria ou na Polónia — por
exemplo a contestação às magistraturas, ao jornalismo independente ou à
desconfiança no parlamentarismo. É por isso que quando analistas como João
Miguel Tavares vislumbraram um futuro com o PSD e o Chega de mãos dadas poucos
se espantaram. No momento em que o país precisa de um bloco de poder
alternativo sólido e credível, o PSD parece querer desistir de si próprio,
transforma-se numa entidade calculista e desalmada e confronta-nos com a
possibilidade de se aliar a uma excrescência da democracia.
Era bom que Rui
Rio e o PSD nos sossegassem sobre este receio. Até para o seu próprio bem: um
PSD que admite usar o Chega como muleta vai desbaratar o essencial do parco
capital eleitoral que ainda lhe resta.
OPINIÃO
“Idiotas úteis”, “Cultura marxista”, “Fascistas”,
“Chega”, “Flama”
Miguel Albuquerque teria algumas vantagens em distinguir
as verdadeiras matrizes ideológicas dos partidos portugueses para evitar o
risco de confusões perigosas.
VICENTE JORGE
SILVA
9 de Agosto de
2020, 6:10
O presidente do
Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, afirmou ontem ao PÚBLICO, em
defesa de uma aliança do PSD com o Chega, que “Sá Carneiro fez a AD, quando se
dizia que o CDS era fascista”. Albuquerque confessa-se “farto dos idiotas úteis
do centro-direita que estão sempre a fazer o jogo da esquerda. Em Portugal
temos um estigma, um anátema que foi criado pela própria cultura marxista
instalada.” Ora, um dos problemas de Albuquerque é, por exemplo, o de
enganar-se na caracterização do adversário e pretender que o Bloco de Esquerda
defende o regime cubano como se fosse o paraíso. A cultura marxista instalada
não pressupõe essas generalizações caricaturais, até porque o radicalismo
bloquista entra muitas vezes em choque com os regimes autoritários de esquerda.
Mas o problema
principal reside na percepção da diferença de origem histórica entre o CDS – um
partido burguês de extracção neo-salazarista – e o Chega, um novel partido
populista com tendência xenófoba que, na Madeira, descende do velho separatismo
da Flama. Albuquerque teria algumas vantagens em distinguir as verdadeiras
matrizes ideológicas dos partidos portugueses para evitar o risco de confusões
perigosas.
Mas há outra
confusão em que Albuquerque se deixou envolver logo no início da pandemia com o
propósito de evitar ondas de contágio entre madeirenses e visitantes da região.
Simplesmente, o tom verbal utilizado acabou por revelar uma hostilidade
porventura involuntária em relação aos visitantes, como se estes fossem
culpados da arriscada ousadia de visitar a Madeira e o Porto Santo.
Entretanto, o
Tribunal Constitucional (TC) vetou como “inconstitucionais” as quarentenas
impostas aos visitantes dos Açores. Mas enquanto o Governo socialista açoriano
optou por uma reacção relativamente branda – exigindo ao TC uma clarificação
legislativa –, o seu homónimo madeirense entrou em confronto directo com a
instância judicial superior em termos invulgarmente agressivos – e num estilo
que fazia lembrar claramente Alberto João Jardim.
A separação
física entre as ilhas e o continente presta-se muitas vezes à exacerbação do
isolamento quando deveríamos fazer antes todos os esforços para vencer as
distâncias. A denúncia do centralismo pode ser um objectivo justo, mas pode
também ser um propósito demagógico para justificar a tentação separatista dos
poderes locais – reduzidos cada vez mais às suas proporções anedóticas e
cercados de mundo por todos os lados.


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