"A Festa do Avante! é uma provocação que equivale à
atitude de Trump e de Bolsonaro"
Em entrevista publicada a 8 de agosto, Miguel Sousa
Tavares criticava abertamente a edição em 2020 da Festa do Avante!. A poucos
dias da realização do evento, o DN republica as suas afirmações, bem como o que
fala abertamente do caso Ricardo Salgado e do tráfico de influências nos
escritórios de advocacia.
João Céu e Silva
31 Agosto 2020 —
15:19
Para o
jornalista, escritor e comentador, a Festa do Avante! é uma provocação que
equivale à mesma atitude de Trump e de Bolsonaro ao se recusarem a usar
máscaras, querendo significar que não se passa nada de estranho devido à
covid-19 nos seus países e por isso diz: "Um só infetado que resulte desta
festa é diretamente imputável à direção do PCP."
No que respeita
ao grande caso na justiça mais recente, o da acusação a Ricardo Salgado,
considera que a acusação do Ministério Público é forte e não só pela quantidade
de crimes que apresenta: "É pela capacidade de os provar depois e aí
parece-me que tem uma acusação sólida e fundamentada. Não sei se em tudo ou
numa parte, mas alguma coisa se há de conseguir provar em tribunal."
Diferente é o caso Sócrates, que se suporta em "deduções sem provas"
e "é baseada numa testemunha comprada pelo Ministério Público".
Acrescenta que a única coisa certa é que vivia à conta de um amigo: "Mas
isso não é crime. Pode ser, eventualmente, uma situação pouco digna para um
primeiro-ministro."
Quanto à situação
política pós-quarentena, confessa que ainda não percebeu se o hipotético
reativar da geringonça não é uma tentativa para António Costa "forçar uma
resposta negativa dos partidos à esquerda e virar-se para o PSD". O mesmo
pensa de Rui Rio "a fingir um entendimento com o Chega para se encostar ao
PS".
Sobre a pandemia,
garante que nunca acreditou que os portugueses "se fechassem em casa como
aconteceu" e vê na missa que o Papa rezou sozinho na Praça de São Pedro a
melhor imagem dos tempos da covid-19. Uma entrevista em que tanto existe o escritor
como o comentador.
Surpreendeu ao
mudar de editora e o primeiro livro a ser reeditado é Rio das Flores, num tempo
em que os leitores pouco vão às livrarias. O que se passa com os portugueses?
A pandemia tirou
80% dos leitores das livrarias e a queda da venda de livros sentiu-se sobretudo
aí. Era expectável que com mais gente em casa houvesse mais leitura e
encomendas online, isso não aconteceu infelizmente e o que se passa é resultado
da maldição das redes sociais, que levam as pessoas a achar que em termos de informação
e de ficção, ou de tudo o que é cultura, são suficientes. Isso acontece também
nas séries de TV, em que estamos a assistir a um fenómeno em que uma grande
parte dos escritores trabalham para essas séries, assim como há cineastas que
deixaram de fazer filmes e optam por séries diretamente. Ou seja, as pessoas
têm cada vez menos capacidade de aderir a uma cultura que lhes exige algum
esforço e ainda chegará a vez de os museus poderem ser apenas visitados
virtualmente.
Não se sentiu
tentado pelas redes sociais para evitar a solidão provocada pela covid?
Não, de todo,
pelo contrário. Se alguma lucidez era preciso manter, para mim foi
distanciar-me das redes sociais. Aliás, cada vez mais agradeço a minha
capacidade de ter adivinhado há muitos anos o que iriam fazer deste admirável
mundo novo. Criou-se um pesadelo e vou ficar longe dele eternamente.
Este seu romance
é um relato histórico que se segue a Equador, com o fim da monarquia, a
República, a ascensão de Salazar e a luta do brasileiro Luís Carlos Prestes. Se
as lições da história são na maior parte das vezes ignoradas, será a literatura
a boa forma de alertar o cidadão para o que não se deve repetir?
Acho que sim e o
Rio das Flores apanha um período determinante do Estado Novo brasileiro e do
português - que são politicamente distintos -, além da Guerra Civil Espanhola,
da ascensão do nazismo na Alemanha e a ditadura no Brasil, que é muito
desconhecida dos portugueses. Acho que a história é sempre uma lição, não por se
repetir fatalmente, mas porque muitas das coisas que nos ensinou tendem a
aparecer sob outra forma, afinal os seus genes da humanidade estão lá
inscritos. Há lições boas e outras más, mas saber ao que certos acontecimentos
conduziram no passado é uma arma para evitar repetições no futuro.
A dado momento
refere no romance a sedução de Hitler pelo marxismo e o socialismo...
O Partido Nazi
começou por se chamar Socialista, ou seja, havia uma atração do Hitler pelo
socialismo pois as suas teorias eram muito fundadas na capacidade do
autoritarismo e na muita disciplina e controlo das massas, daí achar que o
socialismo era bom para o conseguir. Além disso, Hitler era na sua génese muito
anticapitalista, embora depois se tenha apoiado numa dinastia capitalista
fortíssima na Alemanha, os Krupp.
Vamos a caminho
dos 50 anos do 25 de Abril a grande velocidade e a sociedade portuguesa
confronta-se com casos de corrupção, talvez os maiores de sempre. A revolução
serviu os propósitos ou ficou pelo caminho?
Essa pergunta
exige muita cautela na resposta... Primeiro, não temos mais casos de corrupção
do que outras democracias, por exemplo a francesa ou a espanhola. O que aconteceu
agora com o rei de Espanha é inominável e se acontecesse com um Presidente
português estaríamos de rastos. Segundo, já ninguém - a imprensa também - se dá
ao trabalho de presumir a inocência daqueles que o Ministério Público apresenta
na praça pública apenas como acusados, sem direito a contraditório, em muitos
casos da justiça em Portugal. As pessoas já estão condenadas, nem se espera por
ouvir a sua defesa. Neste aspeto iremos ter muitas surpresas quando certos
processos forem a julgamento, pois há alguns que vão ser completamente
desmantelados em tribunal. Terceiro, confunde-se muito na opinião pública, e
deliberadamente, a corrupção com tráfico de influências.
"Acho que
Rui Rio está a fazer o mesmo que o António Costa à esquerda, que é fingir o
entendimento com o Chega para ganhar espaço de manobra e depois encostar-se ao
PS. O Costa faz o mesmo para depois se encostar ao PSD."
Está mais
generalizado?
O grande crime
que existe a nível de contágio entre a política e a economia é o tráfico de influências,
muito mais do que a corrupção. É um crime à solta na vida pública e que é muito
difícil de combater até porque tem uma fachada legal e passa-se abundantemente
nos escritórios de advocacia em Portugal.
Refere-se aos
casos Sócrates e Ricardo Salgado?
Conheço mal o
caso Ricardo Salgado, mas parece-me mais sólido e ancorado em termos de
acusação. O caso Sócrates tem imensas falhas em termos de acusação,
nomeadamente na relação que se faz entre ter sido corrompido pelo grupo BES. Eu
li a acusação desse caso e, em grande parte, para não dizer na totalidade, é
baseada em presunções e deduções que não assentam em factos. Além de que tudo o
que se baseia em factos no caso Sócrates se deve a uma testemunha comprada, o
Hélder Bataglia. A única acusação que se baseia num testemunho ou num facto é,
verdadeiramente, um testemunho comprado, e nem sequer é de delação premiada, o
que nem existe no direito penal português. A explicação é simples: Bataglia
tinha um mandado de captura internacional da República Portuguesa e não podia
sair de Angola; foi negociado com ele levantar o mandado em troca de ir dizer o
que o Ministério Público queria. Portanto, em condições normais, o advogado
desfaz aquela acusação no tribunal. No caso Sócrates vai ser muito difícil
obter a sua condenação em tribunal, se bem que também seja difícil que os
juízes devido à pressão de uma condenação que é feita na imprensa e na opinião
pública se atrevam a não o condenar.
No caso Ricardo
Salgado, a acusação do Ministério Público é forte: 65 crimes!
Não é o número de
crimes que torna a acusação forte, antes a capacidade de os provar depois, e aí
parece-me que têm uma acusação mais sólida e fundamentada. Feita em colaboração
com as autoridades suíças, baseia-se numa grande quantidade de documentos e, de
facto, há dinheiro que desapareceu. Isso é incontestável. Portanto, alguma
coisa, não sei se tudo ou se uma parte, o Ministério Público há de conseguir
provar em tribunal. Mas eu não a li a acusação, porque é direito financeiro e
está além da minha paciência lê-la. Diferente é o caso Sócrates, que são
deduções sem provas. A única coisa que sabemos por certo é que vivia à conta de
um amigo, é confessado pelo próprio, mas isso não é crime. Pode ser,
eventualmente, uma situação pouco digna para um primeiro-ministro. E toda a a
tese do Ministério Público assenta em dois pressupostos: o dinheiro de Carlos
Santos Silva era de facto de Sócrates e que todo esse dinheiro vinha de
corrupção. Agora, como se diz em latim: quod erat demonstrandum; falta fazer a
prova disso e essa não está nos autos
Voltando à
pergunta inicial: a revolução serviu os seus propósito ou ficou pelo caminho?
Serviu se nos
lembramos dos três "D": a descolonização foi tão tarde e era difícil
ter corrido melhor; a democratização aconteceu sem dúvida alguma; o desenvolver
também pois tivemos a ajuda inestimável da Europa e se fizermos as contas ao
que cada cidadão português recebeu em dinheiros europeus é uma quantia brutal.
Se, infelizmente, andámos para trás nos comparativos com a Europa daquela
altura em relação ao que estávamos e somos ultrapassados de longe por esses
países, a culpa é nossa. É uma culpa coletiva e não do ministro A ou B; de
todos porque desperdiçámos ou usámos mal as ajudas. Eu sou um grande crítico da
posição dos holandeses sobre Portugal, mas também os compreendo quando parte
dos seus impostos são dados a quem não sabe usá-los.
"O Governo usou a Festa do Avante! para efeitos
políticos"
Miguel Sousa Tavares acusa o Executivo socialista de
"chamar o PCP às negociações sobre o Orçamento" do Estado para 2021.
O comentador deixou ainda severas críticas aos comunistas, concluindo que a
Festa do Avante! irá custar votos ao partido.
Notícias ao
Minuto
31/08/20 23:51 ‧ HÁ 7 HORAS POR MAFALDA TELLO SILVA
POLÍTICA MIGUEL
SOUSA TAVARES
No dia em que
foram divulgadas as medidas sanitárias impostas pela Direção-Geral da Saúde
(DGS) para a Festa Avante! e revelado o plano de contingência do PCP para o
evento, Miguel Sousa Tavares defendeu que "transparece a ideia de que o
Governo usou a Festa do Avante! para efeitos políticos", designadamente,
para "chamar o PCP às negociações sobre o Orçamento" do Estado para 2021.
No seu espaço habitual
de comentário no Jornal das 8, na TVI, o ex-jornalista começou por apontar que
a DGS "esteve muitíssimo mal" e que passou a ideia de que só divulgou
esta segunda-feira "excepcionalmente" o parecer sobre o evento
comunista devido à pressão exercida por Marcelo Rebelo de Sousa.
"As regras
aplicadas ao Avante! eram secretas e ninguém sabe porquê", atirou o
comentador, reiterando que a autoridade de saúde "andou muito mal".
Mais, para Sousa
Tavares, a realização do Avante! sob as orientações agora reveladas deixa
"o próprio partido entalado". "Planearam para uma dimensão e
afinal têm outra", argumentou, referindo-se à diminuição para cerca de
metade da lotação prevista pelo PCP, que incialmente tinha apontado para 33 mil
pessoas e que agora viu a entrada para o evento reduzida para cerca de 16.500
participantes.
Quanto à posição
manifestada pelos comunistas, Sousa Tavares considerou que o partido demonstrou
uma "absoluta falta de senso de previsão política": "Isto vai-se
virar contra o partido (...) Vê-se pela própria população do Seixal", que
já garantiu que irá fechar portas de vários estabelecimentos comerciais e de
restauração durante o próximo fim de semana.
"Vai-lhe
[PCP] custar votos, popularidade e prestígio", conjecturou.
A 44.ª edição da
Festa do Avante!, que se realiza entre 4 e 6 de setembro, só vai ter lugares
sentados nos diversos espetáculos, incluindo no maior e principal palco
denominado 25 de Abril, segundo o Plano de Contingência esta segunda-feira
divulgado pelo PCP.
A organização da
Festa do Avante! "tem a responsabilidade" de aplicar várias medidas
para reduzir o risco de infeção e para a saúde pública por propagação da doença
Covid-19 durante o evento, afirma o parecer da DGS esta segunda-feira
divulgado.
No seu parecer
técnico sobre a realização da Festa do Avante! deste ano, a DGS refere que a
tipologia do evento "acarreta diferentes riscos" e a organização
"tem a responsabilidade de aplicar medidas de redução de risco e de
cumprir, promover e garantir o cumprimento da legislação vigente aplicável, bem
como das normas, orientações e recomendações da DGS, durante todo o período de
duração do evento, atendendo ao risco existente de infeção por Sars-Cov-2 e ao
risco para a saúde pública por propagação da doença Covid-19".