REPORTAGEM
“Se querem que o país ande para a frente, deviam ter
apostado mais nos transportes públicos”
O Metropolitano de Lisboa e a PSP arrancaram com uma
acção de sensibilização. A empresa garante que a lotação de dois terços está a
ser cumprida e que a procura corresponde a 36% do que era antes da pandemia. No
entanto, os passageiros dizem não conseguir manter o afastamento dentro das
composições.
Cristiana Faria
Moreira (Texto) e Miguel Manso (Fotografia) 29 de Junho de 2020, 17:52
Pouco passa das
sete da manhã e Ana Ferreira aguarda pelo metro que a levará ao Rato, zona
central da cidade de Lisboa, onde trabalha como funcionária pública. Estamos em
Odivelas, cais de partida da linha amarela do Metro de Lisboa, e casa de
milhares de pessoas que todos os dias se dirigem para a capital para trabalhar.
É também um dos concelhos debaixo do olhar atento das autoridades de saúde e do
Governo, que prolongaram a situação de calamidade devido ao aumento de casos
que tem sido ali registado ao longo das últimas semanas.
Quando se
pergunta se as composições do metro têm circulado com muita gente, Ana aponta
rapidamente para o painel informativo: “Está a ver aquele tempo de espera? Isto
de manhã não pode ser.” O painel marca sete minutos até chegar o próximo metro
— um tempo de espera que a funcionária pública refere chegar, por vezes, aos 12
minutos. “Quando chega ao Campo Grande enche completamente. Se for menos espaçado
[em termos de tempo], a lotação seria aceitável para esta pandemia”, acredita.
Ana faz este
percurso diariamente porque tem de ir trabalhar mas não se sente segura,
admite. Se durante o estado de emergência as carruagens circulavam com menos
pessoas, de há 15 dias para cá observa-se já um aumento de passageiros, repara
Francisca Vaz, contabilista de 57 anos. No regresso a casa, cenário semelhante.
“Venho por volta das 19h30, 20h e nessa altura estão muito cheios.
Principalmente quando tiram três carruagens.” E é por isso que para a semana
passará a ir de carro para a capital. “Tenho muito receio. É certo que agora
vão menos cheios do que no período pré-pandemia, mas também é necessário manter
uma maior distância.
Nas primeiras
horas da manhã desta segunda-feira, o metro circulava nesta linha de sete em
sete minutos, com seis carruagens. Apesar de circularem compostas, não havia
sinais de sobrelotação. Ainda assim, os passageiros com quem o PÚBLICO falou
não deixam de se queixar que não é possível manter a distância recomendada
dentro delas.
Esta
segunda-feira, o Metropolitano de Lisboa e a PSP arrancaram com uma iniciativa
que visa o controlo do volume de passageiros na rede e a sensibilização para a
necessidade de manter o distanciamento social e o uso correcto de máscara. “Nós
constatámos que as pessoas não se protegem, juntam-se, mantêm os mesmos hábitos
que tinham antes da pandemia”, notou o director de segurança do Metropolitano
de Lisboa, António Valente, enquanto acompanhava a acção na estação de
Entrecampos. A acção estendeu-se às estações do Jardim Zoológico e do Cais do
Sodré por serem intermodais, onde confluem vários meios de transporte.
O ajuntamento de
pessoas, nota o responsável do Metro, é mais frequente nas estações onde há
interfaces com comboios — que o Governo garantiu esta segunda-feira não
circularem sobrelotados. A acção passou, por isso, por aconselhar as pessoas a
distribuírem-se pela plataforma, para evitar a concentração de passageiros nas
carruagens mais próximas das escadas. Em Entrecampos, estiveram dois agentes da
PSP, que disseram ao PÚBLICO só intervir em caso de necessidade.
De Odivelas ao
Senhor Roubado, a distância é de apenas uma estação, mas o espaço logo começa a
diminuir porque entram muitos passageiros que costumam deixar o carro no parque
de estacionamento junto à estação. “Não há o afastamento que eles dizem que devia
haver. É impossível termos 1,5 metros de distância”, insiste Paulo Monteiro.
Este homem de 53 anos vive a 500 metros da estação de Odivelas e o seu destino
final é o aeroporto, onde trabalha. Dali vai ao Saldanha onde troca para a
linha vermelha, mais calma agora “porque ainda não há turismo”.
Na estação de
origem amontoam-se mais pessoas na plataforma quando confluem passageiros de
duas ou três carreiras da Rodoviária de Lisboa que ali param à porta, conforme
viu o PÚBLICO no local. Paulo Monteiro convive com o receio mas, para ele, é
também necessário aprender a viver com o vírus. “Temos de ter precaução. É mãos
nos bolsos, não tocar em nada e continuar a vida para a frente.”
António Valente
refere que depois de uma quebra de 90% durante o estado de emergência, o metro
tem vindo a recuperar passageiros, mas ainda assim muito abaixo do período
pré-pandemia. “Estamos a chegar aos 200 mil passageiros por dia, o que quer
dizer 36% do que era a procura normal antes da pandemia”, diz.
Face a este
número, o Metro de Lisboa está, actualmente, a circular com a oferta que
corresponde ao período de férias. “Acrescentámos alguns comboios extra, que
chamamos de ‘comboio bis’, nas alturas em que vimos que há mais procura”,
explica o responsável. É o que acontece por vezes, quando chega um comboio da
CP. “É uma medida exclusiva da pandemia.”
António Valente
reconhece que “num transporte de massas é muito difícil garantir distâncias de
segurança”. Afirma, contudo, que a lotação máxima de dois terços está a ser cumprida,
ainda que reconheça que com a capacidade já reduzida manter a distância social
continua a não ser possível. Deveria então ser a lotação permitida alterada?
Para o responsável, “é difícil” tomar outra decisão. “As cidades precisam de
viver. Os transportes públicos são a espinha dorsal disto tudo. Se vamos dizer
que é só metade do comboio, é o Metro que vai ser prejudicado com coimas porque
não consegue cumprir. Não vemos pessoas a esperarem pelo próximo comboio se
acharem que está muito cheio. Se as pessoas não se sentem seguras deviam
esperar pelo próximo, mas não o fazem”, nota.
O responsável
nota ainda que, além da limpeza diária, o Metropolitano de Lisboa está a
prosseguir com a limpeza e desinfecção por nebulização das estações e das
carruagens uma vez por mês — e assim será, pelo menos, até Dezembro —, tendo em
vista a redução de risco de contaminação e contágio da covid-19.
Hora de ponta antecipada
Sem possibilidade
de sair mais cedo de casa ou contar com a boa vontade dos patrões para perdoar
atrasos, Maria de Lurdes Medina, 59 anos, tem de apanhar o comboio da Fertagus
pouco depois das 5h30, no Fogueteiro. A essa hora “já vem cheio, cheio. Até temos
medo.” Sai em Entrecampos e dali vai limpar uma empresa e depois casas
particulares por toda a a capital. Anda com receio mas não pode parar. Durante
o estado de emergência ficou apenas com o rendimento das limpezas que faz na
empresa — os outros patrões deixaram de lhe pagar. Só retomou o trabalho no
início de Maio e anda agora a correr atrás do prejuízo, a trabalhar 12, 14
horas por dia, de segunda a sexta-feira.
À semelhança
desta empregada de limpeza, muitos também não puderam passar para teletrabalho
ou não têm carro próprio, o que empurrou a tradicional hora de ponta das 9h,
10h da manhã, para as 6h30, 7h30, nota o director de Segurança do Metro de
Lisboa.
Para evitar
problemas maiores no futuro, com a retoma das actividades laborais presenciais,
António Valente recorda que o Governo chegou a admitir a ideia de se alterarem
horários de trabalho para evitar horas de ponta, o que entende como uma boa
ideia. “Não vejo fazer nada disso. Os transportes e as cidades lucravam muito
se pudéssemos ter pessoas que hoje entram às 9h a entrarem às 9h30”, sublinha.
Para Joana Amado,
funcionária pública de 53 anos, é urgente colocar mais carruagens a circular.
Nos vários transportes que apanha diariamente — o comboio do Pragal, em Almada,
até Entrecampos, depois o metro até ao Saldanha, com mais uma troca para a
linha vermelha até ao Parque das Nações — é para ela evidente que mais pessoas
estão a regressar ao trabalho, pressionando mais o transporte público. “Se
querem que o país ande para a frente, deviam ter apostado mais nos transportes.
Se as pessoas voltarem todas ao trabalho, não sei como vai ser.”
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