terça-feira, 7 de julho de 2020

O filme de terror de Pedro Nuno Santos



IMAGENS DE OVOODOCORVO


O filme de terror de Pedro Nuno Santos

Como é óbvio, tudo vai ser um filme de terror. O país tem meses absolutamente terríveis pela frente e a TAP será o exemplo perfeito para resumir todas as incompetências do governo.

JOÃO MIGUEL TAVARES
7 de Julho de 2020, 0:00

No dia 2 de Julho de 2020, Pedro Nuno Santos pode ter perdido a oportunidade de um dia vir a ser primeiro-ministro. É pena, porque parece ter vontade, qualidade e personalidade para isso, mas ele mordeu a maçã envenenada que António Costa lhe estendeu no início de 2019 (a tutela do desgraçado sector dos transportes) e a sua húbris fez o resto.

Pedro Nuno Santos é hoje a cara do negócio da TAP. É ele o principal responsável pela solução adoptada, e mesmo que essa solução tenha sido a menos má possível (não estou certo disso), daqui a meia-dúzia de meses já ninguém vai querer saber. Aquilo que restará é uma conta mensal astronómica, despedimentos inevitáveis e o regresso das greves e dos conflitos laborais. E, para nos recordar de quem foi o grande culpado de tudo isso (tem de haver sempre um culpado, e António Costa manteve-se o mais afastado possível do negócio), lá estarão as imagens da conferência de imprensa de dia 2, o tom agastado e trauliteiro com que Pedro Nuno Santos geriu as negociações, mais a sua fotografia à frente de um aviãozinho da TAP, como aquela que esta segunda-feira fez capa do Jornal de Negócios.

Nessa entrevista, o ministro das Infraestruturas disse que as negociações com a Comissão Europeia para a reestruturação da TAP iam ser difíceis, mas que não tinham de ser “um filme de terror”. Só que, como é óbvio, tudo vai ser um filme de terror. O país tem meses absolutamente terríveis pela frente e a TAP será o exemplo perfeito para resumir todas as incompetências do governo – ficámos com uma companhia de aviação que já estava falida no momento que o Estado resolveu assumir o seu controlo e em que o turismo retraía em todo o mundo durante um ou dois anos (no mínimo). O próprio Pedro Nuno Santos declarou ao Jornal de Negócios, sem rir nem chorar, que a TAP “é uma empresa altamente alavancada em dívida”, que “ao dia de hoje, o preço da companhia é abaixo de zero”, e que “não vale nada” – logo, é ficar com ela, juntamente com Humberto Pedrosa, classificado pelo ministro como “um empresário patriota”.

Parece um elogio? Não vejo como. Numa economia de mercado saudável, não se percebe por que raio um empresário tem de ser “patriota”. Ou bem que o negócio é lucrativo, ou não é. E se um empresário resolve ser “patriota”, e permanecer numa empresa que o próprio ministro diz não valer um caracol, então é porque recebeu garantias (ou seja, favores) do Estado que justifiquem essa permanência. O “empresário patriota” é apenas uma variação da conversa dos “centros de decisão nacionais”, transformados em “projectos de interesse nacional” nos tempos de José Sócrates, e que só serviram para o Estado distribuir prebendas pelos empresários mais próximos do regime, com os resultados que se conhecem.

Não creio que Pedro Nuno Santos seja dessa estirpe de político socrático. Não tenho razões para duvidar da sua honestidade, e penso que ele tem uma visão séria do interesse público e do papel do Estado, além de coragem política para afirmar as suas ideias – o que não é de somenos. Contudo, a tal húbris que amaldiçoa as pessoas muito cientes das suas capacidades (como é o caso), pode ser tramada. Há em Pedro Nuno Santos um voluntarismo imprudente, que tanto o leva a ameaçar alemães na era da troika (iam ficar com as pernas a tremer, se bem se lembram), como o leva a depositar uma confiança historicamente injustificada nas capacidades de gestão do Estado. Temo bem que isto vá acabar mal. Para ele, e para nós.

Sem comentários: